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A demissão recente de um professor de sociologia em um colégio particular de Goiânia reacendeu debates sobre o falecido Escola Sem Partido. O projeto de lei apontava diretrizes para o comportamento dos professores dentro da sala de aula. Entre elas, o veto de demonstração de “próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”. Apesar de não ter sido aprovada, a PL ainda é frequentemente mencionada por grupos pró-governo quando professores e instituições de ensino discutem assuntos considerados polêmicos e inapropriados.
Nesse caso mais recente, um professor foi demitido após uma questão de prova que citava a violência policial repercutir nas redes e atrair a atenção de grupos conservadores. Após a suposta polêmica, a diretoria da escola acatou a intervenção dos opositores e decidiu pela terminação do contrato do educador. A Escola Sem Partido pode não ter sido oficialmente instaurada, mas casos como esse mostram que a herança de sua ideologia continua presente.
As influências do projeto repercutem de diversas formas. Durante o ensino remoto, no auge da pandemia da Covid-19, foram reportados diversos casos de endereços de salas virtuais de universidades públicas sendo compartilhados em grupos bolsonaristas e invadidos como forma de manifestação contrária às instituições de ensino. Não o bastante, também vimos relatos de aulas virtuais sendo gravadas sem o consentimento dos professores e distribuídas na internet, em uma tentativa de comprovar o teor supostamente doutrinário e alienador do conteúdo ensinado nas escolas.
É importante frisar que de acordo com a Lei 9.610, de 1998, fazer gravações ou tirar fotos de aulas com o propósito de registrar o conteúdo é permitido, mas compartilhar essas informações sem o consentimento do professor, principalmente com o intuito de humilhar ou expor sua imagem, é ilegal. Mais que isso, é imoral, e um legado claro de um movimento que, em seu cerne, tem o propósito de perseguir educadores por ousarem cumprir o dever de sua profissão: incentivar o pensamento crítico de seus alunos.
Uma pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013, mostrou que o Brasil é o país com mais casos de violência contra professores em escolas no mundo. Os dados mostram que 12,5% dos professores entrevistados afirmaram terem sido vítimas de violência verbal ou intimidações pelo menos uma vez por semana. Com isso em vista, organizações educativas se organizaram para construir o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas, documento que orienta educadores e defende a liberdade de aprender e de ensinar.
Movimentos como o Escola Sem Partido contribuem com o agravamento desse cenário de violências, e incentivam a desvalorização e o desrespeito com uma profissão que já é maltratada no país. Diante disso, essa herança da Escola Sem Partido escancara a perseguição que sempre esteve presente na história da educação brasileira, e demonstra que as tentativas de censura surgem das mais diversas formas, inclusive de dentro das próprias instituições escolares.