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Porque a imprensa ainda se ampara no Efeito Werther como justificativa para não cobrir jornalisticamente esse problema alarmante que atinge o Brasil e o mundo, e que cada vez mais vem ganhando força?

Primeiro vamos contextualizar: O Suicídio é o ato de causar a própria morte de forma intencional. Os fatores de risco incluem perturbações mentais e/ou psicológicas como depressão, perturbação bipolar, esquizofrenia, entre outros transtornos mentais. No Brasil, acontece uma morte por suicídio a cada 45 minutos, mas para cada morte temos outras 20 tentativas. No cenário mundial a situação é ainda mais preocupante: acontecem 16 milhões de tentativas de morte voluntária por ano no mundo. Tudo fica ainda mais preocupante quando vemos outros dados: é uma das maiores causas de morte no mundo.

É preciso pensar na razão para uma das maiores causas de morte no Brasil não ser divulgada: é necessário fazermos uma análise histórica para depois compreendermos porque ainda nos encontramos nessa situação. Primeiro é preciso pontuar que existe um hábito dentro do jornalismo de não comentar casos de suicídio. A teoria se baseia na justificativa de que a exposição dos casos podem fazer com que pessoas que tenham predisposição a cometer o ato, se sintam encorajadas a cumprir.

A publicação do romance “Os Sofrimentos do Jovem Wherter”, de Goethe, alcançou proporções significativas no âmbito social e literário: marcou o Romantismo como uma das obras-primas do autor e desencadeou uma onda de suicídios na juventude europeia. Embora não tenhamos registros quantitativos sobre o período da publicação, sabemos de uma influência ainda atual. Mesmo depois de 236 anos, o “efeito Werther”, talvez seja um dos principais exemplos e receios de um discurso confuso e subjetivo por parte da imprensa quanto ao tema.

É preciso salientar que a violência é um dos principais assuntos trazidos pelo jornalismo, e não surge nenhuma preocupação da relação midiática com o aumento de casos de crime. Os detalhes expostos em todos os tipos de jornais são da mesma forma: “Marido mata mulher a facadas, esquarteja corpo e esconde as margens do rio”. Quem tem predisposição a matar a mulher com certeza acompanhou o caso.

É necessário especificar também alguns casos excepcionais, como o de famosos que se suicidam e são expostos pela mídia. Não tem como deixar de mostrar o motivo de uma morte de uma pessoa que muitos conhecem. A edição nº 979, do extinto jornal “Última Hora”, em 24 de agosto de 1954, teve sua capa integralmente dedicada à cobertura da morte do ex-presidente. Sob o título “Matou-se Vargas”, a publicação detalhou parte do bilhete suicida deixado por Vargas e a forma como o mesmo foi encontrado em seus últimos instantes de vida. O suícidio de Vargas foi diferente do cidadão anônimo que convivia com uma crise depressiva há anos?

Quando um assunto é tabu, não o discutimos abertamente, não estudamos, não pesquisamos, não divulgamos, abrimos lacunas. Uma população sem noção dos problemas que a acometem é uma população cega. Discutir o assunto à luz do dia é nossa obrigação e lutar contra esse tabu salvará muitas vidas. Os suicidas estão abandonados à própria sorte.

Me lembro de ter visto, com 12 anos de idade, detalhes explícitos da morte de Eliza Samudio. “Jogada aos cães” era o que a mídia dizia todo dia, durante uns 15 dias. Detalhes sórdidos de uma morte tão cruel é receita também para quem tem predisposição a cometer o ato. Não existe jornalismo sem riscos. Não dá pra saber o que a informação vai engatilhar em uma pessoa. Metin Basoglu, psiquiatra especializado em pesquisa de trauma, disse que “em vez de incentivar uma cultura de prevenção, [a mídia] deveria incentivar a exposição. A maioria das vítimas de trauma evita situações que as lembram da experiência. Evitar significa desamparo e desamparo significa depressão. Isso não é bom.”

Segundo a Organização Mundial da Saúde, é preciso criar políticas públicas no país visando a prevenção e promoção da saúde mental, bem como discutir formas de acolhimento e facilitar o acesso ao diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais e emocionais. Só assim será possível combater tabus e levar informação de qualidade para a população e desenvolver ações que promovam a vida em todas as circunstâncias, não apenas deixando de divulgar essa problemática que cada vez mais cresce no Brasil e no mundo.

Ninguém parou para pensar que a divulgação dos casos pode alertar os pais a identificarem filhos com o problema e consequentemente ajudá-los a procurar um tratamento eficaz. A conscientização vai muito mais além do que ter um setembro amarelo, onde a sociedade cria um mês para falar sobre o assunto e depois age como se nunca tivesse acontecido. Afinal, o interesse público tem várias vertentes e se os problemas mentais são uma questão de saúde pública, porque ninguém está falando da catátrofe que é quando o pior acontece?

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