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No Brasil, o aborto é regulamentado pelo Código Penal de 1940 no rol dos crimes contra a vida, punível com detenção de um a três anos, com exceção de três permissivos legais: quando a gravidez é resultante de estupro; quando a gestante corre risco de vida; e nos casos de anencefalia fetal diagnosticada.

Afora essas três situações, a mulher que optar por interromper sua gravidez deverá fazê-lo clandestinamente. Uma realidade que denuncia que brasileiras não possuem pleno domínio de seus direitos sexuais e reprodutivos, dado que ao decidirem pela interrupção de sua gestação, não poderão fazê-lo de forma segura, restando-lhes a ilegalidade.

É necessário reconhecer o corpo feminino como campo de disputa e de propagação do poder. Esse juízo é importante, uma vez que os discursos que apontam que seria da condição feminina sacrificar-se e amar incondicionalmente os filhos acabam por aprisionar as mulheres à maternidade – vista como destino irrevogável.

Dessa forma, a criminalização do aborto acaba por impor legalmente às mulheres o exercício da maternidade, violando seus direitos constitucionais de uma autonomia reprodutiva e da liberdade de decidir sobre seus projetos de vida. Assim, aquelas que vão contra esse “destino” ao realizarem abortos serão estigmatizadas perante a sociedade como “frias” e “sem sentimentos”, mulheres que não são merecedoras de seus corpos.

O estereótipo da mulher-mãe pode ser visto como componente estrutural e político-cultural do Direito, e opera-se de forma direta no que tange ao tratamento jurídico criminal da autodeterminação reprodutiva das mulheres por meio da prática do aborto.

Além do mais, a clandestinidade e a criminalização do direito ao aborto carregam consequências dolorosas para as mulheres brasileiras, dentre elas a estigmatização, o silenciamento, a internação, a esterilização e a morte.  Um estudo da pesquisadora Debora Diniz destacou que no Brasil 12% dos casos de mortalidade materna ocorrem como consequência de complicações pós-aborto.

Tais consequências são tão graves que o direito ao aborto deve ser considerado um dos direitos humanos, a partir da especificação do artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Mas não somente isso: o direito ao aborto é imprescindível para o estabelecimento da igualdade de gênero e mostra-se fundamental para o exercício da democracia, uma vez que seu exercício está vinculado a direitos indispensáveis para o acesso à cidadania. Cidadania que deve se fundar na soberania sobre si mesmo, elevando a escolha como categoria central para que as mulheres decidam pela maternidade ou pela não maternidade.

Assim, a necessidade real e gritante da descriminalização do aborto, resta mais que evidente. Países da América Latina como Argentina, México e Colômbia recentemente flexibilizaram suas leis em relação ao aborto e possibilitaram o acesso das mulheres aos seus direitos reprodutivos.

Por outro lado, os Estados Unidos retrocedeu no que tange ao acesso a esse direito. Em junho, a Suprema Corte de maioria conservadora dos EUA revogou o decreto Roe versus Wade, que reconhecia o aborto como um direito protegido pela Constituição americana em todo o país, desde 1973. Como consequência, cada um dos 50 estados americanos poderá se pronunciar da forma que bem entender sobre o aborto.

A interrupção voluntária da gravidez deve ser lida como questão de saúde e de democracia, uma vez que a seara penal acaba por condenar as mulheres que abortam à clandestinidade, contribuindo para o não reconhecimento dessas como sujeitos de direitos e detentoras de autonomia e autodeterminação. É necessário o reconhecimento de que basta o nosso querer.  

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