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GUINEWER INAE BUENO DE QUEIROZ

Se você procurar no Twitter agora mesmo o termo “queerbaiting”, vai encontrar centenas de milhares de posts com pessoas irritadas com alguma parte da indústria do entretenimento. A maioria delas está revoltada com alguma ramificação da Disney. Com as pequenas vitórias das minorias, hoje em dia se tornou mais fácil se pronunciar sobre o desejo de representação na mídia. É um avanço em busca de um avanço, as pessoas que lutam por uma causa querem que se torne natural ver mais pessoas como elas nos filmes e séries de TV.

E por que não? É natural que busquemos um pouco de nós mesmos nas histórias que consumimos. É ainda mais natural que nos revoltemos com um padrão ou uma norma que não nos enquadra, repetida continuamente e fazendo com que nos sintamos diferentes. Nos dias atuais, isso se torna ainda mais agravante quando grande parcela da população busca por conforto no entretenimento. “A cultura do conforto não é um fenômeno pandêmico, mas como muitos outros que também não eram, foi agravada violentamente por este período,” escreveu Alexandre Matias para a CNN.

A matéria feita de Matias explica, em uma série de entrevistas, como as pessoas têm buscado alívio da ansiedade e dos problemas diários nas séries, filmes e livros que gostam. Há listas e listas pela Internet, publicadas até mesmo por grandes jornais como o The Guardian, recomendando os “comfort movies“. Nesse caso, o conforto está na familiaridade, mas muitos também encontram o que precisam na capacidade de se sentirem emocionalmente tocados pela história.

Os “relatable movies” ou “relatable characters” são aqueles filmes ou personagens com que o espectador se sente conectado. Nos quais se sente representado. Em pesquisa feita pela Netflix em 2020, sete entre dez pessoas querem se sentir representadas nos filmes. O público da pesquisa era jovem, dos 16 aos 25 anos — mas é de se esperar que depois da pandemia esse número tenha crescido e o público tenha se tornado mais diverso. Mas, enfim, chegamos ao foco desta discussão: a representação.

Esse público em busca de se sentir visto e compreendido demanda muito que essa necessidade seja suprida. E em parte podemos até ver uma mudança no cenário audiovisual: histórias que antes não teriam palco estão encontrando seu espaço nas plataformas de streaming e cinemas. Se me dissesse há alguns anos atrás que eu veria uma série lésbica sobre uma vampira apaixonada por uma caçadora, eu riria da sua cara. Se me dissesse ainda que uma dessas protagonistas é negra e que a série foi aclamada pelo público, eu te chamaria de louco.

É pouco, mas já é muito mais do que tínhamos dez anos atrás. E o que se nota é que filmes e séries com maior diversidade lucram mais. Segundo o Washington Post, cerca de 46% dos $1.2 bilhões de dólares arrecadados nos cinemas estadunidenses em 2014 vieram das minorias. Isso foi há oito anos atrás! O HuffPost apontou que, em 2021, oito dos dez filmes mais bem sucedidos nas plataformas de streaming tinham uma diversidade de elenco maior que 30%.

A indústria sabe que a diversidade lucra, mas ela está disposta a mudar seu padrão? A resposta é… Não. É daí que surge o tão famoso queerbaiting, a isca. A comunidade LGBTQ+ é uma das que mais possui voz e poder econômico hoje em dia. Só no Brasil, de acordo com a Istoé Independente, cerca de 7% do PIB nacional é sustentado por membros da comunidade queer. Isso equivale a mais ou menos $10 bilhões de reais por ano. Não só isso, mas o consumo de famílias com pessoas LGBT representa 5,5% do consumo brasileiro, além de ser 14% maior do que o de outras famílias.

É o que chamamos hoje de “pink money“. A maioria das empresas querem isso, seja agradando à comunidade uma vez por ano, durante o mês do Orgulho, ou os enganando. O queerbaiting é a escolha das grandes empresas de entretenimento, que jogam a isca para a comunidade queer sedenta por representação. As pessoas vão ao cinema ou assistem séries esperando pela prometida representação e terminam de mãos vazias ou com algo pior do que o simples esquecimento.

A Disney é uma das empresas que mais possui reclamações sobre isso nas redes sociais, ao mesmo tempo que se declara com orgulho como uma das mais diversas. Em 2020, o criador da série animada Gravity Falls, Alex Hirsch, comentou no Twitter sobre a censura feita pela empresa: “Eles eram completos covardes quanto a coisas LGBTQ+ quando eu trabalhava lá”. 

Este ano, durante o mês do Orgulho, quando Gravity Falls foi adicionado à lista de séries LGBTQ+ na plataforma Disney+ durante o 10° aniversário da série, Hirsch vazou e-mails revelando a censura rígida do estúdio. O filme Lucca também foi criticado por queerbaiting, assim como diversos outros produtos de ramificações da corporação. Em março deste ano, também foi revelado que a companhia financiou a lei anti-lgbt, apelidada de “Don’t Say Gay” (“Não Diga Gay”, em tradução livre). 

Segundo o Correio Braziliense, a lei teria sido apelidada assim, pois, caso aprovada, impediria que as temáticas de sexualidade e gênero fossem abordadas nas escolas. Várias empresas de entretenimento foram reveladas como patrocinadoras da lei, mas a Disney teve um grande diferencial. Outros estúdios, como a Pixar e a Disney Animation, que pertencem à empresa, revelaram diversos boicotes a histórias LGBT, seguindo a revelação do envolvimento da companhia com a Don’t Say Gay.

Mesmo assim, as pessoas ainda esperam por essa representatividade vinda de grandes estúdios como esse. Talvez seja a validação de ser “compreendido” por algo tão grande e com um alcance tão poderoso. A Disney, por exemplo, teve muito impacto na vida de várias pessoas desde a infância, o que traz o efeito do conforto. Entretanto, esse conforto pode estar se tornando complacência. As reclamações e o desapontamento continuam vindo, mas as pessoas não buscam por algo novo por causa da familiaridade.

É preciso entender que grandes companhias como a Disney não estão interessadas em representar as minorias, apenas lucrar com elas. A demanda por diversidade não deve parar, mas enquanto as pessoas continuarem entregando seu dinheiro a empresas como essa, produções e estúdios que realmente se importam não conseguirão espaço para crescer. É preciso sair da zona de conforto e dar chance a novos horizontes. Só assim nos encontraremos de verdade.

One thought on “O LUCRO COM A PROMESSA DE DIVERSIDADE”

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