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Desde a polêmica envolvendo a cantora Anitta e o cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, parece que o preconceito com a música sertaneja voltou a dar as caras. Tudo começou depois que o cantor Zé Neto, que faz dupla com Cristiano, atacou verbalmente a funkeira-pop e criticou a Lei Rouanet em um show: “Mato Grosso, estado que sustentou o Brasil na pandemia. Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet, o nosso cachê quem paga é o povo, a gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ pra mostrar se a gente tá bem ou não”. Zé se referia a uma tatuagem íntima que a cantora fez no corpo dela. O sertanejo fez as declarações em um show que não teve incentivo da Rouanet, mas que foi muito bem pago pela prefeitura, com dinheiro público.

Polêmica no mundo sertanejo

Passado o episódio, começaram a circular nas redes sociais denúncias contra prefeitos de várias cidades. Isso porque muitos deles contrataram shows de artistas sertanejos com valores que são verdadeiras fortunas. Sobretudo levando em consideração o tamanho dos municípios e a quantidade de habitantes dos mesmos. Um dos cachês mais caros foram pagos ao cantor Gusttavo Lima, que é contra a Lei Rouanet e diz não precisar de dinheiro público. O valor cobrado pelo artista gira em torno de oitocentos mil reais, o que gerou grande indignação, sobretudo aos críticos de Bolsonaro. É uma revolta genuína e mais que compreensível. Ainda mais se pensarmos que esse dinheiro poderia ser investido em saúde e educação.

Apesar de extremamente relevante, esse não é o tema que pretendo tratar neste texto, mas sim uma segunda questão que reapareceu aqui: o preconceito contra a música sertaneja. Talvez a palavra “reaparecer” não tenha lhe soado muito natural. Principalmente se você tem vinte e poucos anos. Levando em consideração que o sertanejo “estourou” no Brasil há mais ou menos 13 anos, você passou boa parte da vida ouvindo esse estilo, gostando ou não, e fica quase impossível imaginar que antes ele não fosse o gênero “queridinho”.

Sertanejo: “Música de corno”?

Nos anos 1990 e comecinho de 2000 não era muito comum as pessoas assumirem gostar de sertanejo. Sobretudo os jovens e adolescentes. Se você dissesse gostar do gênero era quase certo que alguém lhe responderia dizendo: “Você é sem cultura”. Jovem ouvia Engenheiros, jovem ouvia Legião, jovem ouvia Linkin Park, jovem ouvia Pitty. A própria rainha da sofrência, Marília Mendonça, contou em entrevista no Multishow que virou cantora sertaneja depois de uma “praga” que um desconhecido jogou nela quando a mesma se negou a “tocar música de corno”.

Então gente nova não curtia sertanejo? Ah, curtia. Só não assumia, porque isso era ser brega. Mas por que isso? Eu pessoalmente acredito em preconceito de classe. As duplas eram formadas, em sua maioria, por pessoas pobres. Filhos de trabalhadores do campo/da roça. Gente simples quase sempre aprendia a tocar violão, viola, sanfona de maneira autodidata. Não tinham muitas oportunidades de estudo e viam na música uma forma de melhorar a vida. Leandro e Leonardo, sucesso dos anos 90, eram, antes da fama, “plantadores de tomate”. Expressão que Leonardo usa até hoje para descrever a si mesmo.

Sertanejo universitário

Como foi possível então a música sertaneja cair no gosto dos jovens? Simples: a adição da palavra “universitário”. Lembra do preconceito de classe que citei a pouco? Então… O sertanejo universitário “era diferente”. Era música de estudantes, estudantes universitários.

Ué, mas não tem universitário pobre? Tem. Sempre teve. Mas na época, por volta de 2008, a maioria dos estudantes eram pelo menos da classe média. Ou seja, agora as pessoas podiam ouvir sertanejo sem ser vistas como “pobres” ou “roceiras”. Não era sertanejo comum, era sertanejo universitário.

Mas qual a diferença entre este e o sertanejo “tradicional” musicalmente falando? Até hoje não descobri. Ainda mais ao lembrar que a primeira dupla a fazer sucesso com o novo gênero “estourou” justamente com um álbum de regravações. Estou falando de César Menotti e Fabiano. Apesar do carro chefe do CD ter sido a música “Leilão” (inédita), as outras faixas também foram muito bem aceitas pelos universitários. Entre elas estava “Como um anjo” de Zezé de Camargo e Luciano, “Tentei te esquecer ” de Mato Grosso e Mathias e “Nova York” de Christian e Ralf.

“Música de jovem”

Hoje o sertanejo caiu tanto no gosto do brasileiro que é bem comum ver adolescentes de treze, quatorze anos ouvindo “música de corno” sem sequer ter namorado algum dia. Também é bem comum que em poucos meses os cantores mudem completamente seus status sociais. Creio que isso incomode um pouco as pessoas que já nasceram em uma vida mais confortável. Mesmo as mais progressistas. Com uma certa decepção, observo que alguns comportamentos e maneiras de pensar e agir estão mais intrinsecamente ligados a classes sociais do que a posicionamentos políticos. Não em todos os aspectos da sociedade, felizmente. No que diz respeito ao que se classifica como erudito ou não erudito, sem dúvidas. Tive certeza disso depois de toda polêmica envolvendo o cantor Gusttavo Lima.

Revoltante saber que ele foi pago com dinheiro desviado da educação e saúde. É sim. É revoltante. Mas isso não me dá o direito de questionar o valor que ele ganha em eventos particulares, que não têm nenhuma ligação com dinheiro público. E é exatamente o que muitas pessoas fizeram. Aproveitaram-se das divergências políticas para colocar em dúvida o talento do artista enquanto profissional e sua qualidade como cantor. Vale lembrar que além de cantar, ele compõe, toca violão, guitarra e piano.

Gusttavo tem hoje mais de quarenta milhões de seguidores só no Instagram. Será que todas essas pessoas têm ouvido tão ruim assim? E quem são essas pessoas que gostam do trabalho dele?

Música popular

Um dos compositores de sertanejo mais importantes na carreira de Leandro e Leonardo, Jairo Góes, que também tem sucessos gravados por Gusttavo, talvez tenha essa resposta. Em uma entrevista, o compositor contou que sua inspiração para escrever vinha do povo. Jairo disse que algumas vezes chegou a deixar seu carro em casa para andar de ônibus no horário que as pessoas voltavam do trabalho. A ideia era ouvir o que elas conversavam e como pensavam a respeito de determinados temas. Ou seja, sertanejo é música do povo. Talvez seja isso o que mais incomoda.

Entre os argumentos para demonizar o estilo musical é dizer que só bolsonaristas gostam de sertanejo. Ou que as músicas são machistas. Nessa segunda eu concordo. No entanto, não vejo como sendo a maioria. Além disso, se procurarmos, e nem precisaremos de muito esforço, encontraremos letras machistas em todos ou pelo menos na maioria dos gêneros músicas. Certa vez Gusttavo Lima cantou: “Que me perdoem as feias, mas a beleza é fundamental”. Ah, lembrei-me, essa frase é de Vinícius de Moraes.

Sobre a acusação do sertanejo ser música de bolsonaristas eu pergunto: E os cantores de MPB, pop rock… que ainda apoiam o Bolsonaro? Por que o sertanejo deve ser “cancelado”?

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