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Um dia desses eu precisei pegar um Uber até o estágio. A viagem era curta, coisa de 15 ou 20 minutos. Eu sou naturalmente uma pessoa quieta, reservada, e minhas conversas com os motoristas geralmente se resumem a “Oi, tudo bem?” e “Obrigada, tenha um bom dia”. Quando você é uma mulher, e jovem ainda por cima, andar de Uber é sempre uma experiência enervante. Você se retrai e se encolhe, evita contato visual e passa o caminho todo repassando mentalmente o que fazer caso algo dê errado. Ser simpática
demais às vezes é um problema – alguns homens entendem isso como flerte – mas muita seriedade também é vista como arrogância. No final, você acaba encontrando um equilíbrio dentro da indiferença educada.

Naquele dia foi diferente. O motorista era tagarela e engatava um assunto após o outro. Perguntou sobre minha vida, meu trabalho, o preço da minha casa. No início eu fiquei receosa, mas o interesse dele parecia inocente e ele não ultrapassou nenhum limite. Acabei deixando a conversa rolar e ele me contou sobre sua vida: as poesias que ele gostava de compor e um livro de romance que ele estava escrevendo para a futura esposa, que ele ainda não conhecia, mas tinha certeza que iria conhecer.

Eu achei que fosse brincadeira e ri, mas ele realmente falava sério. Nesse ponto eu já estava mais tranquila; ele não parecia – aparentemente – um maluco completo. Foi aí que ele me perguntou:

“E a eleição? Já sabe em quem vai votar?”.

Gelei.

Em momentos como esse você geralmente tem duas opções: ou defende veementemente sua opinião ou finge desentendimento e concorda com tudo que a outra pessoa disser. Eu costumo advogar pela liberdade de expressão, mas vivemos em tempos turbulentos. Principalmente quando você é mulher e está confinada dentro de um espaço pequeno com um homem estranho.

Além disso, não é raro nos depararmos com notícias quase diárias de pessoas sendo assassinadas por brigas políticas. Hoje mesmo acordei com a notícia de uma discussão eleitoral que acabou em tiros dentro de uma igreja. Se esse tipo de coisa acontece até mesmo em locais considerados sagrados, não é dentro de um Uber que eu estaria salva.

Desconversei e fiquei quieta, mas o motorista continuou a conversa. Atacou um pouco o STF, xingou um pouco o Lula, criticou as pesquisas eleitorais. A partir disso eu já tinha deduzido as tendências políticas do homem, mas ele me surpreendeu um pouco ao falar que também não gostava do Bolsonaro.

Suspirei aliviada.

Perguntei de quem ele gostava afinal; até meio curiosa pela resposta.

“Pablo Marçal”, ele disse.

Sabe? Aquele que levou um grupo de pessoas em uma trilha sem guia e teve que ser resgatado pelos bombeiros? Esse mesmo.

Nesse momento a viagem já tinha acabado e eu fui embora achando graça. De alguma forma eu tinha conseguido sair ilesa e ao mesmo tempo conhecer o único eleitor existente do Pablo Marçal! Ao mesmo tempo, essa situação toda me fez pensar que mundo bizarro é esse que vivemos: além de medo de assédio, agora nós também temos que ter medo de Uber discutindo política…

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