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ANA LUIZA DE ABREU SILVA
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Eu estava lá. Por volta de 13h da tarde recebi uma ligação inesperada, era minha vizinha e amiga que faz as minhas unhas, me chamando para ir até a casa dela. Sem almoçar, eu não pensei duas vezes e fui. Conversa vai conversa vem, fomos colocando o papo em dia, até que algo aconteceu e tudo mudou naquele dia. 

Uma senhorinha que é amiga da minha vizinha entrou pela garagem, passou pela porta de vidro do salão e sentou um pouco atrás de mim. A manicure estava beliscando os cantinhos da minha unha e disse para mim “tenta não se mexer, porque esse alicate é cirúrgico”, com isso me esforcei ao máximo para não me mexer, então não olhei para trás para saber quem havia chegado, fiquei apenas com o som doce de sua voz e imaginando na minha cabeça quem era essa pessoa. 

Quando ela terminou de tirar as cutículas das minhas unhas, pude voltar a me mexer, olhei para o lado e cumprimentei a dona Lourdes, que gentilmente me cumprimentou de volta e começou a contar a história mais sofrida de sua vida: o recém-falecimento de sua mãe, vítima de câncer. 

Somente aqueles de coração duro para não se comover com a dor dessa senhora. Primeiro que perder quem a gente ama é uma tristeza sem fim e ainda mais para o câncer. Porém, mesmo em luto pela perda, agora essa senhora está enfrentando uma angústia ainda maior: a briga entre irmãos.

O motivo do desentendimento é o inventário, que é um documento que faz a partilha dos bens deixados pelos pais para os herdeiros legítimos que são a dona Lourdes e seus outros três irmãos. O que me choca é saber que o interesse desses filhos não é respeitar a morte da mãe e se manterem unidos, mas disputar os bens materiais.

Mas um fato marcante me chamou atenção. Que situação! Dois dos irmãos dela são muito ricos e o outro passa por dificuldades financeiras, assim como ela. Os que detêm mais capital estão fazendo pressão psicológica e cobrando dos irmãos pobres para pagar o valor do inventário, que no Brasil custa aproximadamente 20% do valor da herança.

Conforme dona Lourdes foi nos contando, os olhos dela foram enchendo d’água e, dentro de mim, vários pensamentos vieram à tona. Comecei a imaginar a cena, as ligações, as cobranças e as discussões. Internamente me fiz questionamentos: Como pode uma coisa dessas? Que mundo é esse? A que ponto chegamos? Será que foram criados tão diferentes assim para agirem dessa forma?

Ao entrar na terceira idade, esse grupo de pessoas enfrenta muitas barreiras: físicas, emocionais, psicológicas e, principalmente, afetivas. As plantas que dona Lourdes rega com tanto zelo, funcionam como alegria e distração, mas nós ali fomos o colo que ela precisava. Aliás, quem não precisa de um?

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