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 Aconteceu na manhã de 17 de outubro de 2014. Na época eu trabalhava no supermercado da minha tia, e entrava às 7:00. Ia de bicicleta quase todos os dias, com exceção de quando eu conseguia convencer minha mãe a levantar e me levar de moto. Geralmente ela respondia: “Ah não, Pati, você precisa acordar mais cedo e ir na sua bicicleta mesmo”. No dia em questão eu acordei mais cedo, super disposta, havia terminado de ler “E a vida continua”, de Chico Xavier, na noite anterior e tinha ido dormir maravilhada. Então acordei pouco mais de 6 da manhã, tomei café, me arrumei e fui até o quarto me despedir da minha mãe.

Carona surpresa

Ela, para minha surpresa, perguntou: “Você já vai? Não precisa ir tão cedo, vou te levar de moto”. Se eu já estava disposta a pedalar, imagine então a disposição para usufruir dessa mordomia…Faltando menos de 15 minutos para meu horário de entrar no trabalho ela pegou a moto e seu capacete. Só esqueceu do detalhe de que meu irmão havia emprestado o outro capacete a um amigo que não lidava bem com a regrinha dos dois “V”s.  A sorte é que encontramos um bem velhinho que estava abandonado no quarto do mano. Era um capacete verde escuro, sem viseira e sem a parte de proteção da parte frontal, apenas uma bola com um quadrado na frente, onde ficava o rosto. Parecia o capacete da formiga atômica, e não estou exagerando.

Vozes da minha cabeça

Pensei comigo: “Que capacete feio! Acho que nem protege nada. Que hipocrisia usar ele só para enganar os policia. Aff!” Nem mal terminei esse pensamento, já me ocorreu outro, e esse também era meu, mas era eu mesmo me aconselhando. Eu me dizia: “Não pense besteira, o capacete protege sim. Ele só é feio. E daí?” Então coloquei-o na cabeça, fechei a abotoadura, meti meu Rayban falsificado na cara e subi na moto. Agarrada na cinturinha fina da Dona Joana. Partimos rumo ao supermercado Jardim Botânico. 

060

Na metade do caminho, no cruzamento da BR 060 novamente voltei a me aconselhar. Avistamos uma Scania que vinha em direção ao “PARE”. Embora a preferência fosse nossa, uma voz me dizia para pedir que minha mãe parasse mas eu mesmo me respondi que era bobagem e que se fosse necessário parar, ela saberia. Então o caminhão parou, e respirei aliviada por quase dois segundos. Depois o motorista avançou, sem ao menos olhar para o lado.

Era tarde para minha mãe parar. Ela disse: “Ah, não, Pati”, como quem dissesse: “Me desculpe, filha”. Eu gritei: “Freia”!  Ela respondeu: “Não dá”. Antes que ela terminasse de falar, batemos. Eu rolei para debaixo do veículo, enquanto o mesmo continuava a andar. Rolei a primeira vez, vi os pneus girando e pensei: “Agora eu morro!”. No segundo pensei: “Agora eu morro!”. No terceiro eu pensei que ia morrer, mas cai debruçada no asfalto, enquanto vi as rodas pararem lentamente. Pensei: “Estou viva! Agora vou procurar minha mãe.”

Rapaz exagerado

Levantei mais que depressa e sai de baixo da Scania. Não vi Dona Joana. Entrei em desespero. Comecei gritar por socorro o mais alto que consegui.

Então apareceu um rapaz moreno, magro, de cabelos negros e gola polo azul marinho. Ao me ver levou as mãos á cabeça e me pediu desculpas. E dizia: “Meu Deus, o que eu fiz?!? Um segundo rapaz me viu e desesperado dizia: “Moça, pelo amor de Deus, por que você levantou?” . Eu respondi que queria minha mãe. Olhei para a minha esquerda e a vi chorando, sentada no chão, numa calçadinha coberta por brita.  O rapaz me pegou nos braços e me deitou ao lado dela. Essa chorava,chorava e me pedia desculpas. E não acreditava que eu estivesse bem, como eu dizia estar. Eu me sentia tão feliz! Minha mãe estava viva e sem nenhum arranhão, e eu estava ótima. Não entendia toda aquela preocupação.

Muita gente

Curiosos foram se aproximando. Vinham sozinhos, em duplas, e até famílias. As pessoas me olhavam com cara de pena. Algumas balançavam a cabeça e diziam que eu era muito nova. Um senhor baixinho, meio calvo, de cabelo grisalho, se abaixou ao lado da minha cabeça e disse: Não se preocupe, filha, eu sou pastor, vou orar por você! Então o ouvi recitando umas palavras bonitas, cheias de carinho; e pedindo a Deus que preservasse minha vida, e se possível, sem sequelas. Depois ouvi uma mulher pedindo para que a multidão se afastasse.

Gostaria muito de descrever a aparência dela a vocês, mas depois do que ela me falou, fiquei tão perplexa que nem decorei sua fisionomia.

Fratura exposta

Só me lembro que era uma mulher gorda e de voz firme. Voz essa que me disse: “Calma moça, já vi ferimentos como o seu, sou enfermeira. Você está com uma fratura exposta, mas vai ficar tudo bem”. Fratura exposta?, pensei eu. Essa mulher “tá” doida! Nem estou sentindo dor, nem nada…

Então chegou o SAMU. Os socorristas desceram, me olharam, e um enfermeiro me perguntou: Mas como você conseguiu essa façanha???  Depois, enrijeceu as feições e me recomendou que em hipótese alguma eu olhasse para minhas pernas. Me mobilizaram, e antes que me colocassem na ambulância, chegaram os bombeiros em sua ambulância vermelha.  O médico desceu, olhou minha perna e disse “vixeeeeeee”! Eu por dentro gargalhava. O que estava acontecendo? Eu me sentia ótima!  Os profissionais da saúde conversaram e decidiram que eu ficaria com os SAMU. Naquele momento eu tava mimada de todas as formas e hoje posso dizer que me senti a própria Anitta com tanta gente cuidando de mim.

Eu iria prolongar, mas em resumo do desfecho desse evento, posso dizer que ao chegar no Hospital de Urgências de Goiânia, o HUGO, ainda deixei muitos médicos e enfermeiros chocados. E eu só soube a verdadeira explicação para todo o alvoroço quando fui, à noite, para a sala de cirurgia.

A mordida do Pitbull

O cirurgião que me operou perguntou ao enfermeiro chefe: O que houve com a paciente?   O homem respondeu que havia sido um caminhão.

O médico, que era bem jovem e brincalhão, riu e retrucou: Não é possível!  E virando para mim, continuou: Francisca, pode falar, debaixo do caminhão tinha um Pitbull, não tinha??? Sua fratura mais parece uma mordida.  Foi então que o enfermeiro pegou o celular, fotografou minha perna e me mostrou. Caro leitor, era horrível! Mas não fazia sentido para mim, eu não sentia dor, nem naquele nem noutro momento. Então eles se juntaram para explicar: Você deu muita sorte! Sua queimadura foi de terceiro grau, e essa camada da pele não possui sensibilidade.

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