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“Eu me torno uma pessoa melhor quando estou com você”.
Por muito tempo, eu me perguntei sobre o que isso significa, sem conseguir chegar em um consenso. Durante anos, me peguei ouvindo essa frase em músicas famosas, em filmes que são um sucesso de bilheteria e nos diversos livros de romance que permearam a minha adolescência. E, após muito matutar, eu tinha chegado a conclusão de que ser alguém diferente com certas pessoas era algo ruim.
Do que adianta eu ser uma pessoa melhor quando estou perto de alguém e continuar sendo a mesma pessoa de sempre com as outras? Será que essa frase não é só mais um clichê usado ao extremo? No fim das contas, segue a mesma linha do “não é você, sou eu”.
E… segue sim. Segue, mas é por motivos diferentes.
Quando se está em um relacionamento com algumas pessoas, tudo pode ser extremamente viciante, e durante aquela onda de prazer, nada é eterno, tudo é efêmero e não há consequências para além daquele momento. Você apenas vive e faz o que sente no agora, sem se importar com o que está por vir, mas quando ele chega, o arrependimento vem como um acompanhante onipresente.
Por quê eu falei aquilo? Eu não deveria ter feito isso. Aquela pessoa não gosta muito de mim, não é? Eu não deveria ter agido daquela forma, não foi apropriado, todo mundo estava me olhando de um jeito esquisito. Eu fiz errado, era minha culpa, tudo aquilo aconteceu por que eu abri a boca, e ninguém mais tem culpa disso. Que horrível, eu não deveria ter falado aquilo, que imoral, que amargo.
Amargo, assim como o gosto que perdura no fundo da língua quando se percebe que aquilo não é quem você quer ser. “Não é assim que eu quero agir, mas parece que toda vez que eu estou perto de fulano e ciclano, é só assim que eu me comporto”. Quando você chega nessa constatação, a resposta que sobra é simples: se afastar.
Não precisa brigar, não precisa falar “ei, estou indo embora”, basta apenas soltar a corda que você apertou com tanta força para não deixar ir que suas mãos estão em carne viva, mesmo quando ninguém puxou do outro lado.
Você solta a corda e vai cuidar das suas feridas, colocando um methiolate no machucado. Você conhece outras pessoas, que também carregam cicatrizes nas mãos assim como você, mas em comparação com outras companhias que você encontrou no momento anterior, essas não tem uma corda para te entregar e te fazer puxar como se sua vida dependesse disso.
Não, essas pessoas trazem uma gaze para cobrir suas feridas, um remédio para ajudar na recuperação. Trazem bons desejos, trazem sorrisos e um ombro amigo, trazem uma compreensão que está além do seu entendimento, uma ressonância de alma parecida com a sua. Ali está um espaço em que você pode ser você.
E enquanto você se cura, não há mais uma abstinência daqueles momentos de prazer tão rápidos e sem sentido. Agora eu posso sorrir e conversar, eu posso encontrar assuntos e interesses em comum, eu vejo outros se interessando por mim e por tudo o que me forma, e não sou apenas eu. Enquanto eu conhecia mais da pessoa, eu aprendi a gostar de quem eu era perto dela, de como eu me tornei um ser humano melhor, alguém que não evita o espelho quando escova os dentes.
Enquanto a pele embaixo da gaze sarava, se reconstituindo, eu percebi que amava aquela versão tão verdadeira e irrestrita de mim mesma. E, quando o curativo saiu e deu lugar à nova pele, a corda mais uma vez foi colocada na minha mão, mas dessa vez ninguém puxava, bastava apenas segurar. Porque nem eu, nem a outra parte iria soltar.
Mas as antigas companhias retornaram, e restou a mim saber balancear quem eu era com quem eu sou. E eu estava me tornando alguém que não iria dormir em paz novamente.
E foi ali que eu entendi o que os tantos mocinhos de romance queriam dizer: eu me torno uma pessoa melhor quando estou com você. Isso não é sobre agir como uma farsa, mas ser a sua melhor versão, a sua mais verdadeira face estando desnuda, vulnerável, frente à pessoa que segura a corda junto contigo, sem precisar puxar ou dar um nó para que ela ficasse atada.
Se tornar uma pessoa melhor quando está junto à outra é sobre poder largar tudo o que te faz tão desprezível a ponto de não conseguir se olhar no espelho. Eu não preciso fingir gostar de algo, não preciso me forçar a ir em algum lugar ou me sentir culpada quando não quero e não vou. Não preciso fazer brincadeiras bestas, que não me agradam, eu posso falar do que eu gosto e saber que a outra pessoa vai buscar me entender.
Dessa vez eu não sou a única que abre o link do YouTube e assiste a música inteira, porque se eu mando, meu link não se torna mais um entre os milhões. Não, ao invés de apenas passar por cima, a mensagem recebe cinco respostas. É uma marcação em um post da rede social, é um riso compartilhado entre uma brincadeira besta, é uma armação boba de uma encenação que é correspondida pelas duas pessoas.
Eu gosto de quem eu sou com você, e mesmo que não possa estar sempre contigo, eu quero continuar me tornando alguém melhor assim como quando você está por perto.
É sobre descobrir que você pode ser melhor, e querer ser assim todo o tempo.
Para isso, alguns relacionamentos estão fadados ao fim. Alguns meses e anos devem ser enterrados antes que ocorra o luto pelo que poderíamos amar ser. E aí entra a história do “não é você, sou eu”. Sou eu, porque a pessoa que sou quando estou perto de você não me agrada – pelo contrário, me dá repulsa. Eu não quero mais ser aquela pessoa, quero poder ser capaz de olhar fundo nos meus olhos na frente do espelho quando acordo sem encontrar ali o meu maior inimigo. Se algo na vida quer acabar comigo que seja o externo, porque se vier de dentro, eu não tenho escolha se não viver uma vida sem jamais encontrar o que quer que seja que eu estou procurando.
Eu tenho me tornado alguém diferente com certas pessoas, e por mais que há um período de abstinência por ter me afastado de outras, nada troca o sorriso genuíno e a alegria de chegar em casa e poder receber a mensagem de algo tão simples que me deixa tão feliz. Nada troca receber uma fruta de presente porque a pessoa decidiu que já que eu nunca provei, ela iria me levar para provar. Nada troca a companhia para uma tarefa tão insuportável para alguém se tornando leve porque está comigo e faz por me amar.
A abstinência é um momento efêmero, mas o sentimento de que tudo pode me faltar, menos amor, é irrevogável, porque um desconhecido que não divide sequer o mesmo sangue é também a minha família por escolha. Não porque foi obrigado, mas porque nos escolhemos.