Entrevista com Letícia Scalabrini: militância, mulheres na política e muito mais

A estudante de ciências sociais conta sua experiência como militante estudantil e sua candidatura a deputada estadual nas últimas eleições
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Letícia Scalabrini Foto: Reprodução/Instagram

Letícia Lemes Scalabrini é uma jovem de 24 anos, goiana, militante das causas estudantis e foi candidata a deputada estadual, em Goiás, na última eleição. A sua filiação à Unidade Popular (UP) veio de uma necessidade de sair da esfera da Universidade e atuar por demandas ainda maiores no Estado.

O cargo não chegou a ser alcançado, mas Letícia garante que foi um passo importante para chegar até os eleitores e divulgar o plano de governo do partido que ajudou a fundar recolhendo assinaturas. Além da política, nossa entrevistada ainda passa pelas alegrias e dificuldades do término da graduação: ela está quase se formando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás. Acompanhe agora a entrevista concedida ao Lab Notícias.


Gilnara: Seu envolvimento com a política e a militância se deram ao mesmo tempo?

Letícia: Acredito que uma coisa levou a outra. Acontece que eu faço parte de um partido político que é a Unidade Popular. Esse partido é formado por movimentos sociais que possuem suas frentes de atuação na sociedade. Na Universidade, por exemplo, eu atuo mais nas pautas das mulheres e também enquanto partido aqui e para além do campus. E a minha relação com a política se dá ao mesmo tempo em que ingressei nesses movimentos, mais ou menos em 2017, mesmo ano em que entrei na UFG.

É uma construção coletiva, ao mesmo tempo em que faço parte de tudo isso, eu defendo e construo, organizando manifestações e atividades. Mas posso dizer que mergulhei de cabeça mesmo na política em 2020, quando me candidatei a vereadora de Goiânia e, posteriormente, para deputada estadual em 2022.

Gilnara: Quais são as suas maiores influências?

Letícia: Quando entrei na Universidade tinha certeza de que queria participar de alguma coisa e não sabia por onde começar, seria injusto citar nomes já que todos do partido e meus companheiros de causas sociais me influenciaram. Mas fora do meu ciclo social, a gente tem a Olga Benário, a Angela Davis, mulheres que vieram dessa construção popular e dessa perspectiva de construção de um mundo melhor para o povo.

Gilnara: Enquanto militante estudantil os seus principais interlocutores eram os estudantes, mas enquanto candidata a deputada estadual, você falava com todos os públicos?

Letícia: Eu sempre tive o tema educação muito forte então o foco maior era nos estudantes, mas estando na rua você conversa com todo mundo. Hoje a minha atuação se dá mais voltada para o movimento estudantil, um diálogo maior com a juventude.

Gilnara: Sendo estudante de Ciências Sociais, como você vê a relação e possível aliança entre os movimentos sociais e sua futura formação?

Letícia: Os movimentos sociais proporcionam constantemente uma formação política e social muito grande para quem participa e eu sou quem sou hoje por causa deles. Há uma formação teórica, mas também um aprendizado em saber dialogar com as pessoas, é uma preparação integral e fundamental para alguém que pretende ser um canal entre os anseios da sociedade e a luta. E em âmbito acadêmico isso me ajuda muito, há sempre uma troca de conhecimento.

Gilnara: Você observa um déficit de adesão por parte dos estudantes em espaços do movimento estudantil? Existem projetos coletivos e mobilizadores?

Letícia: Atualmente, nós enfrentamos um desafio na luta estudantil que é envolver os estudantes nas demandas pós-pandemia. Foram dois anos que nos afastaram deles tirando essa vivência cotidiana de organizar ações e participar, a pandemia trouxe esse relaxamento. As demandas existem e a gente conta com as entidades estudantis para organizar esse pessoal.

Gilnara: Como foi ser candidata a deputada estadual e como é ser militante da esquerda em um Estado de maioria bolsonarista, logo de direita?

Letícia: Ser candidata a deputada estadual foi muito desafiante. Sobretudo, venho de um partido pobre que não possui os mesmos recursos de partidos maiores, não tem tempo de TV, fundo partidário, então, tudo que a gente faz vem da vontade mesmo de fazer. E entra um novo desafio que é ser jovem e mulher, o que acontece é que a política no nosso país é voltada para homens brancos e as mulheres que conseguem ingressar nessa política ainda são exceções, principalmente no estado de Goiás. Infelizmente a nossa sociedade costuma desdenhar da juventude, que possui um estereótipo de ser cômoda, passiva e preguiçosa. Então, como essa mesma sociedade vai enxergar o jovem em espaços de poder? Às vezes eu chego para conversar com alguém e sempre tem essa resposta: “nossa, mas você é tão jovem”. Temos que fazer um trabalho desmistificando esse pré-julgamento.

Gilnara: Você se sentiu intimidada em algum momento por outros candidatos ou eleitores, seja na forma de comentários ofensivos ou ataques?   

Letícia: Nas fases da candidatura eu esbarrei muito com outros candidatos e na maioria das vezes eram homens que pareciam ocupar os espaços como sendo deles por natureza. Me diminuíam como candidata, me chamavam de “mocinha”, interrompiam quando eu estava falando com os eleitores e em algumas ocasiões, eu me sentia a menor pessoa do mundo. 

Nessa candidatura eu cheguei a receber mensagem de um número desconhecido contendo uma montagem ameaçadora com a minha logo. A verdade é que é um desafio muito grande, sobretudo para conseguir chegar no povo e dialogar com ele, coisa que é mais comum quando se tem um partido grande.

Gilnara: Quais são seus planos para a política?

Letícia: Bom, as coisas ainda estão um pouco abstratas, estou me formando nesse semestre, mas pretendo continuar dando essa contribuição ao movimento estudantil. Pretendo passar em um concurso para ser professora, minha área de atuação mais do que nunca vai ser dentro da educação, agora minha luta está e vai continuar sendo essa, não sei se como estudante ou professora ainda. 

Gilnara: Frente a tantos debates e críticas que vão desde a necessidade de um novo partido de esquerda e o voto útil, sabendo que você é filiada à Unidade Popular, você acredita que o partido tem condições de construir o poder popular no país?

Letícia: Eu acredito que a Unidade Popular é um partido que veio para, principalmente, bagunçar o sistema que se tem de partidos no Brasil dentro da própria esquerda. São partidos que não cumprem com o que prometem à população. Participei do processo de fundação da Unidade Popular em 2017, participei da coleta de assinaturas para a legalização do partido e vejo que hoje, tudo o que prometemos enquanto partido desde esse momento lá atrás, a gente vem cumprindo. Nessa última eleição em que o Léo Péricles foi nosso candidato à presidência, mesmo não tendo tempo de TV e o espaço que os outros candidatos tiveram, conseguimos ter um alcance bom na população, principalmente nos podcasts, Youtube e nos meios alternativos.

Esse alcance foi justamente em quem a gente mais quis e quer atingir, que é a classe trabalhadora e a periferia. Inclusive, esse pessoal tem nos procurado para se organizar e eu acho que o povo sentindo essa necessidade de se organizar é o caminho para a transformação social que a gente busca. Até agora conseguimos dialogar com diversos setores da sociedade e é levando o povo a criticar e cobrar uma vida digna que a construção do poder popular acontece. É importante ir atrás de demandas por menores que sejam mesmo dentro dos bairros, local de trabalho e universidades. Essa transformação da política se dá a passos de formiguinha, não conseguimos eleger nossos candidatos na última eleição, mas entendemos que o fundamental para a Unidade Popular não é tanto estar no parlamento, é organizar o povo para ocupar as ruas.

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