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Escritor em ascensão, o goiano Poeta Galosi põe na arte a sua vivência. Autor de poesias que estão nos livros “360º de Infelicidade”, “(In)Sensíveis Sentimentos”, “Antologia Resignificâncias” e “Uma poesia para cada dia”, poemas inéditos dele também são publicados no seu Instagram.
Galosi, seu nome artístico que junta Gabriel Lopes Silva, surgiu durante o isolamento social causado pela Covid-19, quando começou a publicar poemas nas redes sociais. O artista busca trazer a felicidade através da escrita, além de expressar também as suas experiências como uma pessoa com paralisia cerebral (que é uma condição que afeta o desenvolvimento motor).
Na entrevista, o artista reflete sobre como momentos da sua vida moldaram a sensibilidade que põe em cada palavra de sua obra. Ele conta as suas perspectivas para o seu trabalho presente e futuro, explorando a sua história desde a infância para haver uma compreensão integral do que o moldou como indivíduo e como poeta.
LN: Teve algum acontecimento na sua infância que te marcou?
POETA GALOSI: Meu “amigo” de infância que a gente brincava sempre. Ele vinha na minha casa, eu ia na dele quando tinha aniversário. Era o único menino que eu brincava sem ser na escola. Nunca fui de brincar na rua nem ir pra casa dos meus amigos.
Um dia os pais desse menino chegaram na minha casa e disseram pra minha mãe que ele não poderia brincar mais comigo, porque eu era muito “diferente” dele. Minha mãe perguntou: “Diferente como?” e eles responderam: “Você sabe, esse problema que ele tem”, se referindo a minha deficiência. Depois eu percebi que nem gostava tanto de brincar com esse menino e ele nem era tão “amigo” meu assim. Mas foi algo que me marcou e que me construiu de alguma forma e em alguns aspectos. Hoje sei lidar, mas naquela época era uma das poucas crianças que vinha na minha casa.
Você falou que essa experiência te construiu em alguns aspectos. Quais você acha que foram esses aspectos? E à medida que você foi crescendo, você foi tendo mais facilidade para fazer amizades?
Nunca foi difícil pra mim fazer amizades. Sempre me socializei. Onde chego, chego com humildade e desejo de somar, e quando fui crescendo fui encontrando sempre quem me entendesse e respeitasse.
E o fato de ter ocorrido aquela situação, talvez tenha me feito aceitar muito as pessoas. Qualquer um pra mim pode ser próximo. Isso é bom, mas também pode gerar decepções, como eu ter um sentimento gigantesco por uma pessoa que na verdade nem liga muito.
Em que momento da sua vida surgiu a paixão pela poesia?
Eu digo que escrevo desde que me entendo por gente, então desde “novinho” eu já escrevia, só que eu escrevia histórias e histórias têm um comprimento muito grande. Têm que ter um enredo grande, personagens, um clímax e sempre eu não conseguia terminar as minhas histórias por causa da extensão. Às vezes eu conseguia chegar até o clímax da história, mas depois me cansava e não conseguia terminar. E por causa disso eu larguei a escrita e fui para outros caminhos.
Depois, com 14 anos, em uma aula de Literatura, o professor nos apresentou Carlos Drummond de Andrade e ali o meu olho brilhou, porque eu vi que poderia escrever o que eu queria, a minha mensagem. O que eu passaria em 200 páginas, eu posso passar em apenas uma página, uma folha, em poucas linhas, e isso foi o que me abrilhantou no poema. Em escrever o que me indigna, o que me inspira, o que eu gosto, o amor, o carinho: isso tudo em uma folha.
Você se lembra de algum poema específico do Carlos Drummond de Andrade que te marcou?
“No Meio do Caminho” e “Morte do Leiteiro“.
Pra você, qual é a sua memória mais feliz? Alguma experiência que tenha sido muito positiva…
Eu gosto de lembrar do meu amigo que faleceu. Eu ia direto pra casa dele brincar. Ele também tinha a mesma deficiência que a minha: a paralisia cerebral. E a gente dava muita risada, fazia palhaçada e compartilhava a felicidade só com o simples olhar e sorriso. E isso literalmente, porque o Vinícius (que era seu nome) não andava e nem falava, e eu fazia palhaçada pra ele cair na gargalhada. Para a gente se comunicar ele sorria quando aceitava e fazia bico quando não. Assim a gente entendia o que ele queria e dava autonomia para ele, porque é ele quem tinha que fazer as próprias escolhas. O sorriso dele me inspira hoje, porque não era simples formalidade, era ele exercendo a sua liberdade. Amo essa parte da minha vida. E levo sempre ele comigo.
Tem um pouco de Vinícius em algum de seus poemas?
Pior que tem, mas ainda não consegui terminar o poema. Mas fica um trechinho: “Muito obrigado Vinícius / hoje eu levo seu sorriso / pra lumiá a caminhada. / Mais de hora pra chegar em casa, / Mais um da perifa defiça…”
Como você conseguiu publicar seus poemas em antologias?
Um poeta que conheci no Instagram e viramos amigos me acompanhava sempre, e uma vez decidiu fazer uma live comigo. Nessa live, citei que tinha o sonho de lançar meu livro, que está vindo logo, logo. Depois disso continuamos conversando. Até que ele me chamou pra participar de 2 antologias, como parte do começo desse sonho. Só que eu não tinha dinheiro pra pagar, porque o custo era mais alto. Foi quando ele me surpreendeu falando que iria custear a minha participação. Eu só ficaria por escrever os poemas, e nisso eu me garanto.
Tem alguma perspectiva de quando vai lançar seu livro?
Estava previsto para o final desse ano. Mas não sei como está o andamento, talvez pode ficar para janeiro.
Ele será um livro inteiro só de poemas seus?
70 poemas meus, alguns publicados no Insta [Instagram], outros exclusivos. E vai ter algumas histórias da minha vida, por exemplo: como foi meu nascimento, como me interessei pela literatura, já que eu não gostava de ler, até chegar no meu momento atual que uso a frase: “Faça o seu diferente pra fazer a diferença”.
Aliás, agora você também faz vídeos no seu Instagram falando sobre as suas experiências, como você ter tirado CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Como surgiu essa ideia?
No meio do ano tive a necessidade de fazer um curso pra aprimorar minha oratória, lá tive bastante destaque com a minha forma inata de me expressar, e com o curso evoluí mais ainda. E chegando ao fim do curso o pessoal de lá veio me filmar, porque eu era um tal de “case de sucesso”! Uma mulher chegou, ouviu minha história e me entrevistou. Depois do “dia de fama”, ela me deu algumas dicas de marketing, e uma parte tinha a ver com contar essas minhas experiências.
Eu sempre quis contar mais a minha história, mas eu não tinha coragem. E talvez era sobre essa questão de receber aprovação pra fazer o que já está no seu coração. Enfim, fiz o que eu já queria a muito tempo só quando alguém me falou que eu poderia fazer. E é importantíssimo a gente se libertar dessa coisa de receber aprovação para o que já tá aprovado dentro de você.
O que seria esse “case de sucesso”?
É tipo quando alguém é fora da curva, ou teve algum resultado com um treinamento que eles usam para fazer prova social (que é pra chamar mais gente, vamos dizer assim).
Você se considera extrovertido?
Não, eu considero que eu sou “bivertido”. Em determinadas situações, normalmente com quem tenho intimidade eu sou extrovertido, já em outros momentos sou extremamente introvertido, mas tento lidar com isso usando o bom e sempre jovem sorriso.
Como a sua família lida com você querer ser poeta? Há apoio?
Bom, na minha vida meus pais sempre me apoiaram. Eles sempre correram atrás das coisas pra mim me desenvolver e sempre fizeram todos os esforços pra “investir no futuro do seu filho”. Só que é lógico que algumas coisas são complicadas pra eles. Meus pais são de uma geração completamente diferente da minha e eles não tiveram estudo. Então pra eles é estranho, “mas como assim você vai trabalhar com arte?”. E muito por causa desse “normal” imposto na nossa sociedade de “primeiro se garante, depois conserta os erros da vida”.
Eu ainda nem vivo da minha poesia, então é mais complicado ainda essa questão pra mim que tenho uma deficiência. Porque tem custo, tem dificuldade de inclusão, tem preconceito. Mas até hoje eles me ajudam pra eu seguir meu sonho, só que tem essa pressão até de mim comigo mesmo pra eu começar a viver da minha arte pra me ajudar e ajudar eles em casa.
Como você vê a sua importância como um poeta com deficiência?
Eu nunca conheci um poeta com deficiência com uma voz ampla, e talvez se existir, eles não tragam muito a questão da sua deficiência. Eu trago, porque isso construiu uma parte importantíssima do ser humano que sou e por isso não pode ser excluída. E eu também tenho um propósito com a minha arte. Não é só meu sonho, é um sonho de muitas pessoas. E o propósito da minha arte é também ser uma representatividade pra outras pessoas com deficiência acreditarem, e outras pessoas com deficiência poetas gritarem os seus versos de vida, e outras pessoas sem deficiência enxergarem muito além da nossa capacidade.
Quando a gente gosta de alguém, ou respeita a sua humanidade, não pensamos no que a pessoa faz ou não. Gostamos ou respeitamos porque ela é. E por que quando olhamos uma pessoa com deficiência nos privamos de conhecer o que ela é, por que parece que ela não tem a capacidade de uma pessoa sem deficiência? É sensibilizando, trazendo os desafios e os pontos fortes, que a gente faz esse trabalho de base pra mudar a percepção das pessoas.
Você acha que conseguiu mudar o capacitismo das pessoas sem deficiência através da sua arte?
Muito difícil dizer isso, porque é um problema estrutural e histórico. Mas com certeza posso dizer que já sensibilizei algumas pessoas sobre o capacitismo [preconceito contra pessoas com deficiência], pois já recebi mensagem de pessoas sem deficiência que não sabiam completamente nada, e quando viram meu conteúdo foram buscar se informar e entender.
Acho que esse é meu papel, levar esse tema pras pessoas e elas por conta própria buscam a sua conscientização, junto à quem fala mais profundamente sobre isso, e vivendo as situações do mundo. Quando elas verem uma pessoa com deficiência em um ambiente, com certeza a pessoa que foi sensibilizada por mim vai tomar atitudes diferentes.
Por último, o que você gostaria que as pessoas tivessem em mente quando pensassem no poeta Galosi?
Poeta Galosi é positividade, Poeta Galosi é incentivo e Poeta Galosi é vida. A vida tem carinho, tem amor, tem superação, mas também tem evolução e mudança. Superar as dificuldades não é só uma mensagem de inspiração, é uma mensagem política, é uma mensagem de que as coisas precisam ser acessíveis. Não só acessibilidade pra “defs” [pessoas com deficiência], acessibilidade pra dar acesso aos espaços.
Ninguém quer sofrer. Sofrer sem motivo, sem um propósito, é chato. A gente precisa lutar pra sociedade redefinir esse conceito de “normal” ou pelo menos incluir mais diversidade nesse normal, pois o ser humano é diverso. Por que o “normal” não é? É alargar o normal e dar acesso pra um corpo diferente, pra um gênero diferente, pra uma crença diferente, ou pra alguém que tem um sonho diferente do que todo mundo tá acostumado em seguir, não necessariamente porque quis, mas porque foi o que disseram que deveria querer. É nisso que o Poeta Galosi trabalha, sensibilização pra tratar das mazelas que nos tiram a condição de humanidade.