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A pandemia causada pelo novo coronavírus forçou todos os indivíduos a adquirirem novos hábitos de segurança de maneira repentina. Porém, mesmo com a adoção do uso de máscara, álcool gel e o distanciamento social, problemas como a alta letalidade e a necessidade de isolamento surgiram, o que levou a consequências que merecem atenção redobrada no que se refere à saúde mental.
Durante esse período, é preocupante o surgimento e prevalência dos transtornos de depressão, ansiedade, insônia, do aumento do consumo de medicamentos sedativos e, consequentemente, o desenvolvimento de síndrome do pânico. Tudo isso, relacionado à baixa procura de ajuda psicológica, agrava novos e casos pré-existentes das doenças mentais.
Sobre essas questões, a psicoterapeuta Fiama Alencar foi convidada para falar sobre esse difícil período de inseguranças e instabilidades. Ela, que é especializada no atendimento à mulheres, ressalta a grande importância de se buscar ajuda profissional e o papel fundamental da terapia nesses casos.
LN: Quais os impactos da pandemia na saúde mental da população e quais são os transtornos mais comuns enfrentados?
Fiama Alencar: Até o momento foram vários os impactos. A covid afetou a saúde do corpo e o desespero maior é não ter o controle de evitar. Não é possível ver a doença, alguns sintomas existem porém semelhantes aos de gripe, alergias, enfim, trouxe enorme desgaste mental: pensamentos ansiosos em relação ao contágio, o desespero de alguém da família ser diagnosticado, a morte de um familiar ou amigo, o fato de ser proibida a despedida final, o tabu que é o assunto “morte”, são alguns exemplos; social: a falta de estar junto de quem amamos prejudicou a saúde e a imunidade principalmente dos extrovertidos que necessitam de contato físico para recarregar as baterias, o distanciamento que nos levou a um lugar de divisões; e emocional: alto índice de ansiedade, insegurança, medo do amanhã, medo de más notícias, o desespero de não saber se aquilo mudaria para a população.
O desespero e a necessidade do humano eram tão fortes que, após a vacina, a população simplesmente se esqueceu dos cuidados básicos e voltou aos velhos hábitos. A vacina é importante, mas a conscientização é muito maior. No consultório o maior índice foi de transtornos de ansiedade: síndrome do pânico, ansiedade generalizada, crises de ansiedade, TOC, todos os transtornos mentais relacionados à ansiedade tiveram uma alta de 100%. Não foram poucos os casos de pessoas que faleceram pela ansiedade em receber o diagnóstico, tamanha fragilidade emocional.
LN: O abalo emocional das perdas de familiares, o medo, a falta de socialização e a instabilidade no trabalho aumentaram a incidência de doenças mentais ainda mais no Brasil e no mundo todo. Quais os efeitos prejudiciais da pandemia no equilíbrio emocional e psicológico da população e da sociedade?
Fiama Alencar: Acho que respondi na pergunta de cima [risos]. A fragilidade emocional que a pandemia revelou nas pessoas só trouxe para fora uma realidade que já existia antes, porém não era muito valorizada, como: inteligência emocional, autoestima, ansiedade, insegurança, medo, o luto… O que vimos foi os prejuízos da falta de conscientização do mundo emocional e mental que é mais real do que conseguimos imaginar.
LN: O último estudo Global Burden of Disease mostra que a pandemia afetou principalmente e mais severamente a saúde mental de jovens, adolescentes e mulheres. Quais são as principais razões dessa ocorrência nesses grupos?
Fiama Alencar: As mulheres são mais sensíveis, humanas, altruístas, até mais fortes eu diria. Existe uma crença de que elas sempre conseguem tudo, são mais fortes, resolvem qualquer situação. Essa pressão social e interna apareceu na pandemia também e a resposta foi: esgotamento emocional, exaustão do corpo… assim se tornaram um dos grupos mais afetados.
Para os adolescentes a bagunça emocional era certa, justo na fase em que precisam de amigos, necessitam se encaixar, ter seus grupos, formar a sua identidade, eles precisam se reinventar. Como ainda estão em construção mental sobre si mesmos e o mundo, são altamente influenciados. Como ficam muito expostos às redes sociais e ainda são imaturos, as influências tendem a ser mais negativas. Preciso ressaltar que nesse ano de 2022 o número que recebi de procura por terapia foi alta em adolescentes. Apesar de não ser esperado um adoecimento severo nessa fase da vida, eu percebi que eles estão mais abertos para o tratamento, esse é um prognóstico positivo.
Aos jovens acredito estar ligado ao emprego, essa é uma fase importante de construção de carreira e houve muitas demissões, a insegurança no trabalho gerou dois extremos: sobrecarga de trabalho e demissão.
LN: O que você percebeu da mudança no perfil de atendimentos durante a pandemia?
Fiama Alencar: Havia uma taxa maior de crises de ansiedade e síndrome do pânico. Um desespero geral com o medo de contrair covid e falecer da mesma, e ainda perder alguém que amamos.
LN: O trabalho remoto se popularizou com a pandemia. Sendo uma das suas especialidades o atendimento às mulheres, quais você diria que são os desafios para elas conciliarem a rotina doméstica com o trabalho e, muitas vezes, com os filhos?
Fiama Alencar: Os desafios são diversos, um dos maiores é a falta de credibilidade da família em não entender que mesmo em casa trabalho é trabalho. Existe uma crença natural de que o trabalho é fora de casa e como o remoto não era tão popular esse é um obstáculo necessário de derrubar.
LN: Qual deve ser a conduta de quem apresentou ou desenvolveu algum desses quadros mais graves relacionados à saúde mental, frente ao grande preconceito e estigma que a sociedade infelizmente ainda tem sobre esse assunto?
Fiama Alencar: Buscar ajuda com toda certeza, apesar do estigma a qualidade de vida precisa estar em primeiro lugar. Nós como profissionais de saúde temos feito nossa parte com a conscientização pelas redes sociais mas o estado precisa estar junto para maior busca e saúde de todos.
LN: Para você, qual a importância de se procurar ajuda profissional não só durante esse período de instabilidade, mas também, sempre que possível? Qual o papel da psicoterapia nesse processo?
Fiama Alencar: Excelente pergunta. É fundamental buscar terapia e ajuda profissional em qualquer fase da vida e não apenas quando coisas ruins acontecem. Inclusive a terapia é bem vinda para quem deseja autoconhecimento, ampliar suas habilidades, aprender habilidades, autoestima, autocuidado, e não apenas problemas ruins ou quando estiver no fundo do poço. É na psicoterapia que se aprende por exemplo a como reagir quando coisas difíceis acontecem, seu papel é crucial me atrevo a dizer que aqueles que estavam sendo acompanhados por psicólogos ou que o foram pouco antes da pandemia, enfrentaram bem essa fase (partindo do princípio de que o índice de adoecimento poderia ter sido ainda maior).
LN: E para finalizar, quais dicas você nos deixa para aumentar o bem-estar e nos ajudar a passar por esse período de instabilidade com mais leveza?
Fiama Alencar: Me segue nas redes sociais porque eu falo sobre isso [risos]. Você precisa investir em autoconhecimento, em autoestima. E por último, saber como você funciona, como as suas emoções funcionam porque períodos de instabilidade todos nós vamos ter na nossa vida. Todo mundo vai ter um dia difícil, vai passar por perrengues, mas se você se conhece e se você entende como você funciona, essa experiência se torna mais leve e mais fácil. Porque é possível nós passarmos por uma mesma situação e sofrermos de formas diferentes. A pessoa que está mais alinhada, ela se conhece mais, está investindo mais em autoconhecimento, em psicologia e em saúde mental, passa com mais leveza. Em contrapartida o outro passa com muito mais sofrimento.
Dicas muito práticas mas que são fundamentais: durma bem, se alimente saudável e faça exercícios. Quando você dorme bem, você trabalha todo o seu cérebro, você trabalha o seu corpo porque existem inúmeros benefícios que não vão caber aqui, que o sono proporciona para nós. Então, dormir bem é maravilhoso para todas as áreas da vida. Comer saudável faz bem para tudo também e fazer exercício é cuidar do corpo. Quando a gente cuida do nosso corpo, a gente também está cuidando de todas as outras áreas da nossa vida, está tudo interligado e é fundamental.