Tempo de leitura: 5 min
Amanhecer na cidade de Goiânia (GO). Foto: Pablo Vecci Ludovico

No sétimo dia do mês passado, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva postou nas redes sociais uma enquete questionando os seguidores sobre uma volta do horário de verão que poderia vir com seu mandato: a pesquisa contou com a participação de mais de 2 milhões de internautas e a opção “sim” venceu com 66%.

Em território brasileiro, o horário de verão foi iniciado no dia 3 de outubro de 1931, implantado pelo então presidente Getúlio Vargas, com a justificativa de redução do consumo de energia elétrica pelo aproveitamento de luz natural. No decorrer dos 90 anos após o decreto, a medida foi suspensa diversas vezes, sendo a mais recente no ano de 2019 por ordem de Jair Bolsonaro: o site oficial do governo afirma que, por causa de mudanças de hábito de consumo de energia, esse adiantamento de horário já não mostrava eficácia.

Enquete postada por Lula em seu Twitter. Foto: Reprodução, @LulaOficial

A votação no Twitter reacendeu discussões sobre os efeitos de avançar 60 minutos no relógio, mas vale ressaltar que tal interação alcançou apenas um grupo seleto, e não garante certeza acerca do posicionamento da população total brasileira. E, falando em posicionamento, esse tema ocasiona divergência de opiniões: um estudo realizado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) afirma que a mudança possui efeito neutro e/ou insignificante no uso de energia, mas o coordenador do Instituto Clima e Sociedade afirma que o recurso pode nos ajudar a atravessar uma possível crise energética.

Assim, para comentar sobre o assunto e contextualizá-lo para o cenário goiano, entrevistamos Enes Gonçalves Marra: engenheiro eletricista com graduação e mestrado na Universidade Federal de Uberlândia. Atua desde 1993 como professor na Escola de Engenharia Elétrica, Mecânica e de Computação da Universidade Federal de Goiás. Além disso, suas áreas de atuação também incluem: Eletrônica de Potência, Acionamento de Máquinas Elétricas, Processamento de Energia, Qualidade da Energia Elétrica, Processamento de Energia e Fontes de Energia.

LabNotícias: O horário de verão realmente tem impacto na economia de energia no brasil?

Enes Marra: Ele tem impacto na economia de infraestrutura. O maior objetivo do horário de verão não é economizar energia elétrica, mas aliviar a estrutura e aumentar a segurança do sistema: esses fatores desencadeiam, como resultado, um efeito de economia na tarifa kWh(quilowatt-hora) de energia e não na fatura que chega para o consumidor residencial.

LabNotícias: Como funciona esse alívio estrutural no Brasil e no Centro-Oeste?

Enes Marra: O horário de verão é importante como um mecanismo de uso racional de energia, desde que o sistema no qual ele se insere favoreça sua utilização. Ele está baseado no aumento da duração de luz solar a partir do início da primavera até certa parte do verão. Nesse período, nos locais abaixo do Trópico de Capricórnio, o aproveitamento da luz solar pode produzir alívio de uso de infraestrutura. No momento em que as pessoas estão retornando para casa, a iluminação noturna ainda não entrou. Algumas atividades como banho, abrir geladeiras, acender luzes, não se sobrepõem à iluminação. Há também uma mudança de hábitos: como ainda tem a luz do Sol, algumas pessoas optam por não ir pra casa e, em vez disso, saírem para passear.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (ABRASEL), por exemplo, é favorável ao horário de verão pois ele ocasiona aumento de consumidores. Esses fatores, combinados, causam alívio na demanda do sistema. No Centro-Oeste do país, o horário de verão não apresenta efeito tão significativo, dada nossa localização tropical. Mesmo assim, por fins administrativos, adotamos a medida: os horários bancários e de sistemas governamentais acompanham o relógio da capital do Brasil, que fica na região.

LabNotícias: Pessoalmente, você acha pertinente o retorno do horário de verão?

Enes Marra: Quando, no governo atual decidiu se acabar com o horário de verão, foi por uma análise técnica da ONS, que mostrou que seu efeito era tão pequeno que não valia o transtorno de aplicação. Além disso, a decisão não é permanente e deve sempre ser revista: em contexto atual, um incentivo à isso é o aumento no uso de energia solar.

Portanto, seria sim interessante a existência do adiantamento no relógio, podendo inclusive aumentar seu impacto positivo até no Centro-Oeste. A aplicação do horário de verão pode evitar a utilização de bandeiras tarifárias, o que ocasionaria em benefícios financeiros e ambientais (já que elas se baseiam majoritariamente no uso de combustíveis fósseis).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *