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Na terça-feira desta semana, no dia 6 de dezembro, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) divulgou nota anunciando que após os sucessivos contingenciamentos perpetrados pelo Ministério da Economia, aliado ao Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022 – que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro –, se tornou inviável o pagamento das 200 mil bolsas destinadas a alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Os depósitos deveriam ter sido feitos até esta quarta-feira (7).
E apesar da afirmação de que “a CAPES cobrou das autoridades competentes a imediata desobstrução dos recursos financeiros essenciais para o desempenho regular de suas funções, sem o que a entidade e seus bolsistas já começam a sofrer severa asfixia”, os bloqueios orçamentários do mês atual criaram uma série de dificuldades aos bolsistas que dependem dos pagamentos tanto para a própria sobrevivência, como para darem continuidade às suas pesquisas.
Cláudio Cordeiro Júnior, 23, é um desses estudantes afetados pelo congelamento dos recursos. Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade de Pernambuco e mestrando da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-PE), atualmente trabalha em uma pesquisa para pós-tratamentos da esquistossomose, utilizando camundongos como objetos de experimento. No entanto, recentemente sequer tem recursos para se deslocar até as instalações da pesquisa, e teme pelo desenvolvimento dos seus estudos. “Como eu estou na espera desses meus camundongos nascerem e estarem aptos a serem trabalhados na minha pesquisa, no momento eu posso dizer que eu tenho sorte, pois não preciso estar indo até o laboratório. Mas no futuro, janeiro ou fevereiro, é importante que eu vá e esteja presente para assegurar a qualidade desse experimento”, afirma em entrevista.
Dessa forma, Cordeiro também destaca a importância do financiamento para os pesquisadores: “[…] não tem como falar sobre carreira científica sem citar a dependência que gira em torno da bolsa de estudos para ser capaz de perdurar nesse meio. E eu tenho ciência de que só poderei seguir até o final de meus objetivos (pós-doutorado) se eu a tiver”. Mas com os sucessivos cortes, as incertezas sobre o financiamento das bolsas estudantis apenas crescem, o que aumenta a insegurança sobre o progresso dos experimentos e o futuro na carreira científica, preocupações que Cláudio compartilha durante a conversa.
Receber bolsa é algo extremamente difícil e ter passado os 5 anos ‘apenas estudando’ para me formar sem contribuir adequadamente em casa foi atordoante.
Lab Notícias: Qual foi a sensação de passar no mestrado, e quais eram/são suas expectativas ao seguir a carreira científica?
Cláudio: Salvação, felicidade e esperança. Salvação ao perceber que teria a oportunidade de aprimorar minhas competências enquanto biólogo. Felicidade por ter sido capaz de passar em algo extremamente difícil cuja concorrência era grande e num ambiente extremamente responsável, bem equipado e administrado; algo raro no atual momento. Felizmente, eu tive a oportunidade de escolher entre meu atual programa de pós-graduação e um outro, já que consegui passar em dois ao mesmo tempo. Por fim, a esperança foi por reconhecer que ao exercer as atividades dentro do mestrado, eu seria remunerado e teria como ajudar com as finanças dentro de casa. Ciências Biológicas é um curso maravilhoso e que me proporcionou experiências incríveis, mas carece de oportunidade de emprego uma vez que o atual governo rotula cientista como vagabundo, assim como ambientalista de maconheiro e desocupado.
As minhas expectativas eram realistas, entretanto, quando fui aprovado e me matriculei. Receber bolsa é algo extremamente difícil e ter passado os 5 anos ‘apenas estudando’ para me formar sem contribuir adequadamente em casa foi atordoante. Até receber a bolsa de estudos, eu passei três meses no zero trabalhando no projeto da forma como dava. Mas logo fui agraciado pela bolsa. Relatei sobre isso porque não tem como falar sobre carreira científica sem citar a dependência que gira em torno da bolsa de estudos para ser capaz de perdurar nesse meio. E eu tenho ciência de que só poderei seguir até o final de meus objetivos (pós-doutorado) se eu a tiver.
Porque a gente precisa ter responsabilidade, não somente porque estaremos trabalhando com animais, mas devido a importância que esse trabalho possa vir a ter, no que diz respeito a novas abordagens e tratamentos que possam assegurar a qualidade de vida das pessoas que realmente precisam.
Do que se trata a sua pesquisa, e como está sendo desenvolvê-la até agora, considerando os sucessivos cortes na Educação até culminar neste último congelamento?
Cláudio: Ela é baseada em um pós-tratamento, ou seja, uma intervenção que virá após o tratamento padrão, para a esquistossomose. É um pós-tratamento baseado na utilização de um remédio oriundo de um extrato vegetal marinho combinado aos lactobacilos, para trabalhar em cima das sequelas que perduram após o tratamento da esquistossomose. Então como é onde sai o pré-clínico, nós – no caso eu e meu grupo de pesquisa – vamos utilizar camundongos como modelo experimental para analisar efeitos que esse tratamento pode vir a ter sobre questões teciduais, imunológicas e bioquímica.
E por se tratar de um modelo animal a ser submetido ao tratamento, é importante que tenhamos um acompanhamento muito intenso para que o controle da qualidade desses experimentos sejam atendidos. E isso diz respeito ao deslocamento, estar pontualmente presente para análises; pois tudo isso obedece a um cronograma, que deve ao fim de toda a abordagem experimental, demonstrar resultados para serem analisados e entregues, para que minha dissertação possa ser concluída.
E uma vez que esses sucessivos cortes na educação vieram se apresentando até esse congelamento acontecer, meio que assombra a forma como esse cronograma desenhado por mim e por minha equipe de pesquisa vai se desenrolar. Porque uma vez que eu não tenho agora em dezembro dinheiro para me deslocar até a Fiocruz, ou para me manter aqui em casa em relação a pagar contas, fica tudo mais difícil para executar as coisas. Como eu estou na espera desses meus camundongos nascerem e estarem aptos a serem trabalhados na minha pesquisa, no momento eu posso dizer que eu tenho sorte, pois não preciso estar indo até o laboratório.
Mas no futuro, janeiro ou fevereiro, é importante que eu vá e esteja presente para assegurar a qualidade desse experimento. Porque a gente precisa ter responsabilidade, não somente porque estaremos trabalhando com animais, mas devido à importância que esse trabalho possa vir a ter, no que diz respeito a novas abordagens e tratamentos que possam assegurar a qualidade de vida das pessoas que realmente precisam. E basicamente esse é o meu interesse, o interesse da Fiocruz e o interesse de todo pesquisador atrelado à saúde – se é que posso dizer – que vem desempenhando esse trabalho no presente e também ao longo desses quatro anos, mesmo com sucateamento atrás de sucateamento. É bastante difícil, mas é algo ao qual estamos sujeitos na realidade do Brasil.
Nós não contribuímos para a previdência, não temos direito a décimo terceiro, não temos férias, e não temos direito a diversos outros benefícios que teríamos caso a nossa profissão enquanto cientistas e principais engrenagens da ciência brasileira deveriam ter, se fosse oficializada e regulamentada de forma um pouco mais humana. […]
De que formas o corte nas bolsas CAPES afeta você e toda a sua renda durante o mês de dezembro? Além disso, o valor da bolsa — sem correção monetária desde 2013 — era o bastante para sua subsistência anteriormente?
Cláudio: Como eu disse, eu utilizo a bolsa como fonte para pagar contas, alimentação, coisas essenciais para que o ser humano tenha capacidade de exercer minimamente sua contribuição para a sociedade. Além disso, eu consigo utilizar o valor para despesas fúteis e também para aperfeiçoamento pessoal e profissional. Sei falar inglês, sei falar francês, e estou me aprimorando cada vez mais em função dessa estabilidade conferida pela bolsa até então. E por mais que seja um valor realmente baixo e injusto – frente a essa falta de correção desde 2013 –, ela ainda se mostrava útil para atender às minhas necessidades. Sendo que, uma vez que ela foi bloqueada e eu não tenho acesso à bolsa, meio que torna minha vida um pouco mais complicada.
Paralelamente a isso eu recebo um auxílio-permanência da Fiocruz, e graças a Deus esse auxílio foi emitido e eu consegui pagar grande parte das minhas despesas. Mas se não fosse por isso – como eu acredito que seja a realidade de diversos brasileiros cientistas que estão sujeitos a esses cortes – eu estaria completamente desesperado, sem saber de onde e como tirar o dinheiro necessário para arcar com minhas responsabilidades financeiras. [O valor da bolsa] Antes se tornava suficiente, frente às noções financeiras e poder de compra que atualmente possuo atualmente.
Mas isso não significa que o valor pago seja justo, não tendo nenhum direito trabalhista, pois apenas recebemos R$1.500,00 e pronto. Nós não contribuímos para a previdência, não temos direito a décimo terceiro, não temos férias, e não temos direito a diversos outros benefícios que teríamos caso a nossa profissão enquanto cientistas e principais engrenagens da ciência brasileira deveriam ter, se fosse oficializada e regulamentada de forma um pouco mais humana, e um pouco mais justa frente a importância que minha classe, que não se limita apenas à minha profissão enquanto biólogo.
Porque vai de biólogo, médico, farmacêutico, historiador, geógrafo, professor de português, inglês… Diversas outras profissões que ao se sujeitarem à pós-graduação, contribuem de maneira benéfica à construção do conhecimento científico do nosso país. Algo que é extremamente útil para o desenvolvimento da nação, uma vez em que a gente se depara com um país que deixa a ciência de lado e que não atende aos seus conselhos e orientações. Assim você consegue observar um ambiente em que tudo está fadado ao fracasso, e que pessoas morrem infelizmente por ineficiência e diversas outras incapacidades em gestões e por aí vai.
Esses cortes não impactam apenas na estrutura, ele impacta também no dinheiro que será repassado, no experimento que você pode fazer. Então coisas que são um pouco mais avançadas lá fora, aqui se tornam muito mais utópicas. Porque não temos questões estruturais, de estoque, mão de obra e gente capacitada. Nesse quesito falta oportunidade e um ambiente científico mais financiado.
Esses cortes te desmotivam a seguir a carreira científica no Brasil?
Cláudio: Desmotiva. Eu me formei numa universidade estadual de Pernambuco, que por mais tenha que me proporcionado uma base muito boa, do ponto de vista teórico e de conhecimentos, ela não teve a estrutura que deveria ser ofertada para os estudantes se capacitarem enquanto biólogos capazes de atuar de uma maneira um pouco mais impactante, pouco mais adaptados à realidade que a gente encontra no nosso Brasil. Então desde a minha base na graduação e iniciação científica, eu me acostumei a trabalhar sob péssimas condições, como utilizar equipamentos quebrados, ou ultrapassados, ao ponto de em 2021 revelar um gel de eletroforese através de um transiluminador cuja porta de entrada para salvamento de imagens era um disquete. Algo absurdo, mas infelizmente a realidade de muitas universidades federais e estaduais.
Agora que estou no mestrado, eu tive a oportunidade, sorte e capacidade – porque tenho que dar meu mérito –, de conseguir passar na Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco em que a estrutura é completamente diferente. Obviamente tem alguns problemas, mas acredito que foge do estado crítico e sucateado em que se encontra a ciência no Brasil. Então frente a essa minha situação um tanto privilegiada de fazer ciência com estrutura capacitada, eu me sinto motivado a continuar. Mas o que dificulta é o fato de que isso não é o suficiente. Esses cortes não impactam apenas na estrutura, ele impacta também no dinheiro que será repassado, no experimento que você pode fazer. Então coisas que são um pouco mais avançadas lá fora, aqui se tornam muito mais utópicas. Porque não temos questões estruturais, de estoque, mão de obra e gente capacitada. Nesse quesito falta oportunidade e um ambiente científico mais financiado.
O que não significa que nossos cientistas por atuarem numa situação como essa, sejam incapazes de exercer a sua função como maestria. Tanto que lá fora brasileiros são vistos como ótimos pesquisadores, por conseguirem mesmo sob péssimas condições criarem pesquisas extremamente úteis e valiosas para o mundo todo, ao ponto de oferecerem respostas, soluções e preencherem espaços nas lacunas da ciência. Pois o conhecimento é muito amplo, e cada tijolinho que podemos adicionar a esse muro da ciência é muito importante, porque a gente não faz nada sozinho, e sim em conjunto para que toda a sociedade possa gozar desses avanços científicos.
Assim, no futuro, vinculado à carreira acadêmica ou não, pretendo sair do país.
Você já pensou em desistir do mestrado ou buscar por melhores oportunidades no exterior, se essa fosse uma opção viável?
Cláudio: E não [pensei em desistir do mestrado], porque o mestrado para mim é importante mesmo nessas situações injustas. E eu tenho que continuar porque eu já até recebi algumas mensalidades, meu “salário”, entre várias aspas… Porque se eu decidir abandonar tudo, eu tenho que devolver aquilo que recebi. Para você ter uma noção de quão injusto algumas coisas se mostram para quem está fazendo ciência e ainda passa um calote como esse, além de não ter o dinheiro necessário, se eu não fizer o mestrado, infelizmente no Brasil não consigo emprego. Eu preciso do mestrado para que eu possa consolidar minha formação e assim ser capaz de correr para ambientes como o universitário, ou setor privado, ou qualquer outra área que possa fazer proveito dessa minha formação.
Mas no futuro, sobre buscar melhores oportunidades no exterior, sem dúvidas. Não somente após a vida acadêmica mas também acredito que durante. No doutorado, eu espero que no próximo governo, oportunidades de bolsas possam se tornar mais atrativas e acessíveis. No atual momento, me vejo um pouco tentado a, no doutorado, ser capaz de realizar parte das minhas pesquisas em um país francófono. Pois eu falo francês e inglês, e acho que essas são condições extremamente importantes para consolidar carreira científica. Assim, no futuro, vinculado à carreira acadêmica ou não, pretendo sair do país.