- Há Algo de Podre no Reino da D- no Reino Unido - 17 de janeiro de 2023
- Doente mental todo mundo é, mas ninguém quer admitir - 2 de setembro de 2022
- Resenha: Stray (2022) e o Inesperado Dilema Filosófico Por Trás do Jogo do Gato - 12 de agosto de 2022
Reino Unido e controvérsia são palavras que praticamente andam de mãos dadas. Mesmo vivendo na era da modernidade e da informação, a pequena ilha na Europa com síndrome de continente, parece ainda viver nos tempos medievais. E o foco aqui nem é sua monarquia ultrapassada – cheia de escândalos que não parecem ter fim e que, provavelmente, devia ter aprendido com os Habsburgo uma ou duas lições sobre relações familiares. Não, o assunto aqui é seu governo que, quando não está implodindo de forma vergonhosa, está causando problemas para sua população e para a população de países vizinhos.
O parlamento inglês, atualmente liderado pelo premiê Rishi Sunak – por quanto tempo ainda não sabemos, ainda mais considerando o precedente -, é responsável por gerenciar o país e monitorar o governo. É quem decide para onde o dinheiro dos impostos vai ser transferido, como para o Serviço de Saúde Nacional, segurança pública e o exército, fornecimento de energia, etc. É preciso lembrar que as contas de energia estão altíssimas, há uma estimativa de 3.2 milhões de pessoas sem crédito para pagar suas contas de energia e algumas pessoas estão sendo forçadas a mudar a forma de pagamento, mesmo incapazes disso.
As contas de energia não só cobrem o básico como luz e água, como também o aquecimento extremamente necessário no clima frio do inverno britânico. Um problema anunciado e recorrente, que deveria ter sido levado em consideração principalmente quando em setembro o próprio Charles III foi confrontado sobre isso. No geral, o parlamento inglês nem mesmo parece capaz de lidar com seus próprios problemas, mas ainda sim parece ter tempo para se intrometer nos negócios alheios.
Os países pertencentes ao Reino Unido – Escócia, Gales e o território da Irlanda do Norte – possuem seus próprios governos locais, democraticamente eleitos e responsáveis pelas políticas domésticas. Isso como parte da devolução do poder dado por Londres a esses países na década de 90. Desde então as nações britânicas tiveram liberdade para definir suas leis sem nenhuma interferência – até agora. Recentemente o governo escocês passou uma lei que diminui a idade mínima para mudança de gênero nos documentos oficiais de 18 anos para 16 e que elimina a necessidade de diagnóstico médico de disforia de gênero.
Essa lei torna muito mais fácil para pessoas trans terem seu gênero reconhecido legalmente, e, segundo o site do governo escocês, até mesmo tem medidas preventivas para o mau uso da lei. No caso, torna uma ofensa criminal o ato de falsa aplicação e toma precauções em relação a riscos de crimes sexuais. Mesmo assim, o governo inglês determinou o veto da lei, por entrar em conflito com a legislação vigente do Reino Unido. Em mais de vinte anos de História, é a primeira vez que Londres interfere diretamente na legislação de uma nação vizinha, por quê?
Não é surpresa para muitos, mas para aqueles que não estão familiarizados com a reputação britânica, é bom ressaltar que, especialmente no meio online, esta é conhecida popularmente por “TERF island”, ou “ilha TERF”. O termo é uma abreviação de Trans-Exclusionary Radical Feminist (Feminista Radical Exclusionista Trans, em tradução literal), que é como são conhecidas as pessoas que se dizem feministas, mas que possuem vieses preconceituosos.
A transfobia radical no Reino Unido presente em sua mídia, patrocinada por seus maiores influenciadores culturais – como uma certa escritora que não será nomeada – e apoiada pelo seu governo conservador torna o país um marco no retrocesso dos direitos sociais. E ao interferir diretamente em uma legislação progressista de outra nação só prova seu posicionamento em relação ao assunto. Resulta assim, no crescimento da discussão a independência escocesa. Desde o último referendo em 2014 que garantiu a permanência da Escócia no Reino Unido, a ideia da separação tem se tornado mais proeminente na nação.
Para começo de conversa, os escoceses foram contra a saída da União Europeia em 2016, votaram ativamente para ignorar o Brexit e manter as relações com os países da UE. A premiê escocesa, Nicola Sturgeon, vem firmemente defendendo a causa e batendo de frente com o governo de Londres. Ano passado, esteve envolvida no pedido de um novo referendo para decidir se haverá ou não independência, que também sofreu reprovação do governo inglês. E agora com o recente desenvolvimento com a lei de reconhecimento de gênero, a líder do parlamento escocês diz que “defenderá a legislação vigorosamente”.
Ou seja, mais uma vez enfrentando as decisões inglesas e deixa assim claro a insatisfação com o envolvimento na nação. Mais discussões sobre a possível independência se espalham e o que resta é esperar até outubro deste ano para ver os resultados. Mas é inegável que os conflitos internos na Grã-Bretanha continuarão a acontecer e o Reino Unido permanecerá caótico até que se desfaça. Resta ao mundo sentar e assistir, pois nas palavras do bardo: “A loucura dos grandes deve ser vigiada.”