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Uma história do cinema em Goiás
Assim como a maioria das inovações modernas que surgiram na virada do século XIX para o XX, o cinema foi rapidamente abraçado pela população e, principalmente, pela elite social da época. Em Goiás, a chegada dos primeiros filmes em 1909 foi um grande evento social. Eram curtas-metragens, mudos, exibidos enquanto bandas sinfônicas e orquestras tocavam nas salas de teatro desses primeiros espaços a serem ocupados por tela e projetor, como o Teatro São Joaquim – na antiga capital – palco do primeiro contato dos goianos com a sétima arte. [inserir] 24 anos depois da primeira exibição, o Estado ganha uma nova capital: Goiânia, que logo viria a ser povoada pelos cinemas de rua e celebrada como o polo cultural do interior do Brasil a partir de seu Batismo Cultural, em 1942, quase dez anos após sua fundação.
Segundo pesquisa feita para uma matéria pelo jornalista Marcus Vinícius Beck, do Diário da Manhã, o primeiro cinema da nova capital, Cine Teatro Campinas, abriu suas portas em 1936. Daí em diante até o Batismo surgiram outras salas: o Cine Popular, primeiro cinema no centro da cidade e o Cine-Teatro Goiânia, hoje Teatro Goiânia, inaugurado em 1942. Nos anos 1960, uma cena audiovisual local surge no Estado e ajuda a estabelecer ainda mais os cinemas de rua como espaços de lazer e de expressão de artistas locais. Não só grandes filmes eram rodados, mas a produção de jovens cineastas brasileiros e goianos era contemplada e chegava ao público nos anos mais duros da Ditadura Militar. Ir ao cinema, que no início era apenas para uma elite local, agora tinha se tornado programa cultural da população em geral. O espaço dos cinemas de rua tornou-se parte fundamental da vida das pessoas.
A partir dos anos 1980 e 1990, com o aumento do número de shoppings e galerias no Brasil, o surgimento de cinemas dentro desses espaços se tornou quase uma regra. Os cinemas de rua nas grandes cidades passaram a viver uma crise, como afirma Lisandro Nogueira, doutor em cinema e jornalismo pela PUC São Paulo e professor da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG: “Os cinemas de rua praticamente desapareceram na virada dos anos 2000 com a chegada dos cinemas nos shoppings. Em Goiânia ainda resistem dois: o Cine Ritz e o Cine Cultura.”
O Cine Cultura
O Cine Cultura, criado em 1989 e localizado na Praça Cívica, centro de Goiânia, é um cinema mantido pela Secretaria da Cultura do Estado de Goiás e compõe o Centro Cultural Marietta Telles Machado em um dos prédios mais antigos da capital. Construído em 1933, o edifício já abrigou diversos órgãos do Estado até se tornar o que é hoje. Em estilo art déco, abriga, além do Cine, o Museu da Imagem e do Som e duas bibliotecas estaduais. Quem chega ao Centro Cultural precisa se dirigir através de um corredor a uma porta de vidro que, do lado de dentro, possui a recepção e a entrada da Sala Eduardo Benfica – a sala de cinema com 97 lugares do Cine Cultura.
Para Fabrício Cordeiro, coordenador e programador do cine, “cada cinema de rua tem sua personalidade, como se fossem pessoas” e a personalidade do Cultura seria a fuga do caos urbano em uma aventura de descoberta do espaço: “carros não chegam aqui, só passantes, então você precisa entrar na praça, passar pelas árvores, caminhar um pouco até chegar aqui, ter contato com a arquitetura [da praça e do Centro Cultural] até entrar na sala.”
Com sessões de filmes geralmente fora do circuito comercial, o cinema realiza frequentes mostras de longas e curtas produzidos em Goiás, no Brasil e de fora. Mantém também parcerias com órgãos nacionais e internacionais, como o Instituto Goethe – Instituto Cultural da República Federal da Alemanha – além de colaborações com universidades e artistas presentes no Estado. Seu funcionamento segue uma lógica ininterrupta: todos os dias da semana, inclusive aos feriados. “Se o Cinemark abre todos os dias, nós vamos abrir também”, completa Fabrício.
O cenário atual dos cinemas no Brasil
Segundo dados do Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro de 2021, produzido e lançado no fim do ano passado pela ANCINE – Agência Nacional do Cinema, o Brasil possui hoje 3.266 salas de cinema em atividade em todo o país. Dessas, apenas 10% estão fora dos shoppings centers em cinemas de rua. O setor enfrentou uma forte crise no período da pandemia da Covid-19 e chegou a ter mais de 300 salas fechadas em todo o país, mas com o diminuição dos casos e a chegada da vacina, um novo aquecimento da área começou a ser evidenciado, tendo um salto de 25% no público de 2020 para 2021.
Nos cinemas de shopping, que representam 90% das salas do parque exibidor brasileiro, a presença das lojas e das praças de alimentação é constante e o espectador é bombardeado pela propaganda do consumo, além dos filmes em cartaz serem de características mais comerciais. As salas de rua mantêm características mais alternativas e se apoiam nas experiências de seus ambientes e dos filmes que exibem. “Nos cinemas de rua você está tendo uma relação com a cidade. Eles são uma garantia de que a gente vai ver filmes de boa qualidade. O shopping é outro espaço”, defende o professor Lisandro Nogueira.
Em fevereiro de 2022 o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei complementar 73/2021, a Lei Paulo Gustavo, que direciona R$ 3,86 bilhões de recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC) a estados e municípios afim de que estes fomentem atividades e produtos culturais para diminuir os efeitos econômicos causados pela pandemia da Covid-19 no setor. A utilização dos recursos, que ia até o fim de 2022, foi prorrogada pelo Congresso para durar até o final de 2023. Do montante nacional, aproximadamente R$ 450 milhões devem ser utilizados necessariamente em ações de reforma e restauro de salas de cinema públicas e privadas, inclusas as salas de rua e itinerantes que apresentem contrapartidas sociais pactuadas com os governos. Segundo dados da Secretaria da Cultura de Goiás publicados no site do órgão na última semana, o estado deve receber R$ 129 milhões.
O Cultura, sua programação e mística
Entre 60 e 70 filmes são exibidos no Cine Cultura anualmente. Na programação, curtas-metragens goianos ganham protagonismo antes dos longas e o público acaba assistindo várias produções pelo preço de um ingresso que, com custo bem abaixo do mercado comercial (R$10 a entrada inteira e R$5 a meia) facilitam o acesso da população à cultura no Estado. Além disso, o contexto em que se insere o Cultura privilegia esse acesso.
Sofia Costa, estudante de jornalismo da UFG, se mudou para Goiânia no início de 2022. Quando soube que a cidade contava com um cinema cultural, se interessou por conhecer o Cultura e se tornou frequentadora assídua. “Acredito que por ser entretenimento, mas ainda ser um cinema de resistência, com muitos filmes com temáticas sociais e por ser uma alternativa de fácil acesso pelo valor, acho que ele toca as pessoas com essas produções que sempre mudam algo em você. Tenho muito apreço pelo lugar, sinto que é um cantinho seguro. A mística é toda a ambientação e o apoio a produções menores e de pessoas que se dedicam mais à arte do que a produções massivas.”
“O cine Cultura tem um lugar privilegiadíssimo, que é estar dentro do Centro Cultural Marietta Telles, na principal praça de Goiânia. Você consegue ignorar o trânsito e o barulho da cidade que está em volta. Os filmes que a gente exibe aqui merecem essa calma, são produções mais densas. Aqui você tem tempo para pensar antes, durante e depois das sessões enquanto volta para a realidade, o que não acontece nos shoppings com o bombardeamento de informações visuais e sensoriais depois que se sai da sala de cinema”, afirma Fabrício Cordeiro.