- Praça Cívica completa mais uma década: veja sobre a história e destaques atuais do local - 12 de agosto de 2023
- Mulheres na Ciência: o que mostram as pesquisas - 7 de julho de 2023
- Mês do Orgulho em Goiânia: saiba onde celebrar - 16 de junho de 2023
Como começou?
O que hoje chamamos de delivery teve seu conceito esculpido há muitos anos atrás: de acordo com artigo da pesquisadora Lívia Meneghel Andrioli, a cultura da entrega de comida pode ter tido seu início aproximadamente em 1890, na cidade de Mumbai. Os provedores desse serviço eram conhecidos e atendem, até hoje, pelo nome de “dabbawalas“. Atualmente, suas entregas podem chegar em média diária de 400 mil, todas feitas em motos ou bicicletas.
Entretanto, apesar da importância que possuem na história do local e como facilitadores de milhares de vidas, esses trabalhadores encaram problemáticas que ameaçam sua atuação: em setembro de 2022, os dabbawalas se reuniram para escrever uma carta ao Ministro-Chefe, expondo o constante roubo de suas bicicletas (instrumento essencial para as entregas).
No Brasil
Em território brasileiro, a revista Veja São Paulo afirma que o momento decisivo para o delivery no Brasil foi a década de 80: o serviço disk pizza se tornou popular no meio paulista e não parou mais. Naquela época, haviam cerca de 200 locais que trabalhavam nessa modalidade, e hoje já ultrapassam 4.500.
Ainda que sua chegada tenha sido há décadas atrás, o hábito de pedir comida atingiu o pico após a pandemia do Coronavírus. A quarentena obrigatória complicou a ida em restaurantes e até mesmo em supermercados, para quem costumava cozinhar em casa. Aliado à frenética rotina do homeoffice, esse fato levou a plataforma de gerenciamento financeiro Mobills a levantar dados que ilustrassem a situação: no ano de 2020, quando foi decretada pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o delivery de alimentos aumentou 187% no Brasil e, entre os 46.000 usuários entrevistados, a média de gastos nesse serviço era de R$100. Além disso, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, as vendas nessa modalidade movimentaram cerca de R$35 bilhões.
Insegurança dos trabalhadores
O mercado de delivery não tem boa reputação no quesito de respeito aos seus trabalhadores. Madalena Carvelo, advogada trabalhista, comenta em entrevista as principais diferenças na vida dos entregadores em comparação a quem trabalha com carteira assinada:
A falta do vínculo efetivo faz com que o trabalhador seja impedido de acessar diversos benefícios: ele não tem férias, décimo terceiro salário, seguro desemprego, fundo de garantia. Além disso, em caso de adoecimento, o funcionário sai prejudicado, já que seu ganho é exclusivamente relacionado às entregas que faz. Um entregador de aplicativo não tem suporte no caso de acontecimentos inesperados, nesse sentido, ele é deixado no escuro.
Em abril de 2021, entregadores de diversos aplicativos foram às ruas de São Paulo protestar contra as condições de trabalho às quais são submetidos. O movimento acabou repercutindo em escala nacional, mas não pelo motivo esperado: o portal de notícias Agência Pública revelou documentos, fotos e relatos que comprovaram o envolvimento do Ifood (atualmente a maior empresa de delivery no Brasil) na contratação de agentes para infiltrarem e sabotarem as manifestações, no intuito de deslegitimar quaisquer discursos sendo expostos. A reputação da empresa já não andava positiva: em estudo coordenado pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Centre, que avaliou de 0 a 10 as condições de trabalho da marca em 27 países, o Ifood obteve nota 2. O que estava ruim piorou ainda mais com esse episódio, que causou revolta em seus funcionários: afinal, foi uma tentativa de silenciar as suas reivindicações.
Dessa forma, evidencia-se que, apesar da clara expansão das entregas no mercado, não se pode afirmar que os trabalhadores que executam o serviço se beneficiaram de forma equivalente, em termos financeiros e morais. Em entrevista ao LabNotícias, Carlos, que trabalha em Goiânia como entregador há pouco mais de um ano, expressou sua opinião sobre os prós e contras da profissão:
Não sou subordinado a ninguém e faço meu próprio horário, posso trabalhar de dia e de noite. Mas o trânsito é horrível, têm muitos acidentes e se alguma coisa acontecer nem o restaurante nem o aplicativo se responsabilizam.
Atualmente, os motoboys se dividem em dois tipos: os contratados e os terceirizados. Esses últimos, por serem trabalhadores independentes, não gozam de benefícios como salário mínimo ou seguro de saúde. Em 2022, o Departamento de Proteção ao Consumidor e ao Trabalhador da cidade de Nova York propuseram o estabelecimento de ganho mínimo por hora desses servidores, seguido de uma fala do prefeito: “os trabalhadores de delivery têm feito muito por Nova York, até mesmo durante a pandemia de Covid-19 – agora é hora de Nova York fazer por eles”. Em caso de aprovação, a cidade se tornaria uma das únicas no país a garantir esse benefício… mas seria suficiente?
A pesquisa “Cenário da Mortalidade de Motociclistas no Brasil” realizada pelo Observatório Nacional de Segurança Viária expõe que mais da metade dos acidentes de trânsito entre brasileiros possui o envolvimento de motocicletas, mas no caso dos motoboys, eles não são considerados acidentes de trabalho. O ramo do delivery é sim lucrativo, mas para os grandes empresários: os donos dos aplicativos que estabelecem a comunicação entre restaurantes e clientes são os verdadeiros “vencedores” da história, pois não apenas recebem a maior parte do dinheiro da refeição como não são obrigados a exercer qualquer responsabilidade sobre o bem-estar dos entregadores.
Ainda assim, Carlos, que afirma ter começado no delivery por causa da quarentena, lamenta não ter outra escolha frente às complicações:
Atualmente, esses benefícios só são encontrados em trabalhos de carteira assinada, e é muito difícil conseguir um. Então, mesmo com as dificuldades, vou ter que continuar no delivery.
Uma possível solução para a problemática é repetir os passos de Nova York: organizações como o Sindicato de Mototaxistas e Motoboys de Goiânia devem enviar propostas de formalização do trabalho dos entregadores, para garantir os direitos deles que, assim como os de qualquer outro cidadão, estão previstos na Constituição.