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Como começou?

O que hoje chamamos de delivery teve seu conceito esculpido há muitos anos atrás: de acordo com artigo da pesquisadora Lívia Meneghel Andrioli, a cultura da entrega de comida pode ter tido seu início aproximadamente em 1890, na cidade de Mumbai. Os provedores desse serviço eram conhecidos e atendem, até hoje, pelo nome de “dabbawalas“. Atualmente, suas entregas podem chegar em média diária de 400 mil, todas feitas em motos ou bicicletas.

Foto: Joe Zachs

Entretanto, apesar da importância que possuem na história do local e como facilitadores de milhares de vidas, esses trabalhadores encaram problemáticas que ameaçam sua atuação: em setembro de 2022, os dabbawalas se reuniram para escrever uma carta ao Ministro-Chefe, expondo o constante roubo de suas bicicletas (instrumento essencial para as entregas).

No Brasil

Em território brasileiro, a revista Veja São Paulo afirma que o momento decisivo para o delivery no Brasil foi a década de 80: o serviço disk pizza se tornou popular no meio paulista e não parou mais. Naquela época, haviam cerca de 200 locais que trabalhavam nessa modalidade, e hoje já ultrapassam 4.500.

Ainda que sua chegada tenha sido há décadas atrás, o hábito de pedir comida atingiu o pico após a pandemia do Coronavírus. A quarentena obrigatória complicou a ida em restaurantes e até mesmo em supermercados, para quem costumava cozinhar em casa. Aliado à frenética rotina do homeoffice, esse fato levou a plataforma de gerenciamento financeiro Mobills a levantar dados que ilustrassem a situação: no ano de 2020, quando foi decretada pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o delivery de alimentos aumentou 187% no Brasil e, entre os 46.000 usuários entrevistados, a média de gastos nesse serviço era de R$100. Além disso, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, as vendas nessa modalidade movimentaram cerca de R$35 bilhões.

Insegurança dos trabalhadores

O mercado de delivery não tem boa reputação no quesito de respeito aos seus trabalhadores. Madalena Carvelo, advogada trabalhista, comenta em entrevista as principais diferenças na vida dos entregadores em comparação a quem trabalha com carteira assinada:

A falta do vínculo efetivo faz com que o trabalhador seja impedido de acessar diversos benefícios: ele não tem férias, décimo terceiro salário, seguro desemprego, fundo de garantia. Além disso, em caso de adoecimento, o funcionário sai prejudicado, já que seu ganho é exclusivamente relacionado às entregas que faz. Um entregador de aplicativo não tem suporte no caso de acontecimentos inesperados, nesse sentido, ele é deixado no escuro.

Em abril de 2021, entregadores de diversos aplicativos foram às ruas de São Paulo protestar contra as condições de trabalho às quais são submetidos. O movimento acabou repercutindo em escala nacional, mas não pelo motivo esperado: o portal de notícias Agência Pública revelou documentos, fotos e relatos que comprovaram o envolvimento do Ifood (atualmente a maior empresa de delivery no Brasil) na contratação de agentes para infiltrarem e sabotarem as manifestações, no intuito de deslegitimar quaisquer discursos sendo expostos. A reputação da empresa já não andava positiva: em estudo coordenado pelo Oxford Internet Institute e pelo WZB Berlin Social Science Centre, que avaliou de 0 a 10 as condições de trabalho da marca em 27 países, o Ifood obteve nota 2. O que estava ruim piorou ainda mais com esse episódio, que causou revolta em seus funcionários: afinal, foi uma tentativa de silenciar as suas reivindicações.

Dessa forma, evidencia-se que, apesar da clara expansão das entregas no mercado, não se pode afirmar que os trabalhadores que executam o serviço se beneficiaram de forma equivalente, em termos financeiros e morais. Em entrevista ao LabNotícias, Carlos, que trabalha em Goiânia como entregador há pouco mais de um ano, expressou sua opinião sobre os prós e contras da profissão:

Não sou subordinado a ninguém e faço meu próprio horário, posso trabalhar de dia e de noite. Mas o trânsito é horrível, têm muitos acidentes e se alguma coisa acontecer nem o restaurante nem o aplicativo se responsabilizam.

Atualmente, os motoboys se dividem em dois tipos: os contratados e os terceirizados. Esses últimos, por serem trabalhadores independentes, não gozam de benefícios como salário mínimo ou seguro de saúde. Em 2022, o Departamento de Proteção ao Consumidor e ao Trabalhador da cidade de Nova York propuseram o estabelecimento de ganho mínimo por hora desses servidores, seguido de uma fala do prefeito: “os trabalhadores de delivery têm feito muito por Nova York, até mesmo durante a pandemia de Covid-19 – agora é hora de Nova York fazer por eles”. Em caso de aprovação, a cidade se tornaria uma das únicas no país a garantir esse benefício… mas seria suficiente?

Foto: Getty Images

A pesquisa “Cenário da Mortalidade de Motociclistas no Brasil” realizada pelo Observatório Nacional de Segurança Viária expõe que mais da metade dos acidentes de trânsito entre brasileiros possui o envolvimento de motocicletas, mas no caso dos motoboys, eles não são considerados acidentes de trabalho. O ramo do delivery é sim lucrativo, mas para os grandes empresários: os donos dos aplicativos que estabelecem a comunicação entre restaurantes e clientes são os verdadeiros “vencedores” da história, pois não apenas recebem a maior parte do dinheiro da refeição como não são obrigados a exercer qualquer responsabilidade sobre o bem-estar dos entregadores.

Ainda assim, Carlos, que afirma ter começado no delivery por causa da quarentena, lamenta não ter outra escolha frente às complicações:

Atualmente, esses benefícios só são encontrados em trabalhos de carteira assinada, e é muito difícil conseguir um. Então, mesmo com as dificuldades, vou ter que continuar no delivery.

Uma possível solução para a problemática é repetir os passos de Nova York: organizações como o Sindicato de Mototaxistas e Motoboys de Goiânia devem enviar propostas de formalização do trabalho dos entregadores, para garantir os direitos deles que, assim como os de qualquer outro cidadão, estão previstos na Constituição.

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