- ‘A transparência é regra, o sigilo exceção’: Os abandonados portais de transparência em pequenas prefeituras - 17 de fevereiro de 2023
- ‘O mercado financeiro não é um bom termômetro da economia’: As reações do mercado nas primeiras semanas do governo Lula - 16 de fevereiro de 2023
- O ‘Saldo da Pandemia’ para a educação brasileira: Professores e estudantes enfrentam desafios após dois anos de isolamento - 3 de fevereiro de 2023
A sociedade brasileira possui uma triste bagagem histórica de segregação e violência contra alguns grupos sociais. Expressões racistas, xenófobas e homofóbicas marcam muitas partidas de futebol no Brasil, seja por torcidas rivais ou até mesmo por atletas de times adversários. Os gritos e ataques ofensivos ecoam nos campos, agredindo verbalmente e fisicamente os grupos menosprezados do país.
As manifestações de atletas
Protestos realizados em campo têm se tornado frequentes no futebol, em momentos de conflitos e agressões preconceituosas os atletas buscam manifestar-se contra aquela situação, seja parando a partida, expressando apoio às vítimas e repúdio contra as discriminações nas coletivas de imprensa ou nas próprias redes sociais, como também manifestações com faixas e gritos nas partidas posteriores.
Luís Fernando é um atleta de futebol da categoria sub-20 do Trindade Atlético Clube. O jogador ressalta a importância dos clubes e dos atletas em realizar manifestações contra qualquer tipo de preconceito presente no mundo esportivo: “Acredito que um atleta de alta influência possa ajudar se posicionando contra e dando apoio às vítimas, dentro do esporte em que atua como o meu por exemplo que é o futebol, se posicionar antes dos jogos para conscientizar o torcedor”.
Mesmo com as manifestações, muitos torcedores e jogadores ainda reproduzem os preconceitos sociais. O atleta Luís Fernando relata algumas situações preconceituosas que presenciou no futebol e como ele reagiu: “Em um jogo de semifinal contra o Atlético, um torcedor do nosso time ‘Trindade Atlético Clube’ insultou um jogador do Atlético na minha frente, nós, eu e o Atlético, nos posicionamos, paramos o jogo e pedimos que a polícia prendesse o indivíduo. Além disso, também já estive no time que sofreu os ataques, em uma quartas de final o nosso goleiro foi vítima (por racismo) de um torcedor do time adversário, logo depois paramos conscientemente o jogo e com a ajuda dos próprios torcedores rivais, a polícia conseguiu prender o indivíduo em flagrante”.
Atletas de alto nível que jogam por times reconhecidos nacionalmente também presenciam situações discriminatórias em campo. Como por exemplo, o ex-jogador de futebol profissional e campeão brasileiro com o Botafogo em 1995, Wilson Goiano. O jogador reforça a importância do futebol em ser um meio para protestar e combater qualquer tipo de preconceito: “Eu acho que as pessoas que tem uma certa influência, principalmente os jogadores de futebol de alto nível ,que têm um apelo maior, a opinião deles tem muito peso na sociedade, então eles precisam estar preparados para não cometerem esses preconceitos e repudiar qualquer tipo de atitude que possa vir a acontecer nas arquibancadas, ou até mesmo algum companheiro de profissão que possa se exceder no momento do jogo. Não podemos fechar os olhos para esses preconceitos e discriminações, essas situações são inadmissíveis na sociedade”.
O jogador Wilson afirma que algumas expressões feitas por atletas em campo se transformaram ao passar do tempo: “No período que joguei (1983 – 2003) alguns comentários eram tratados como provocações para desestabilizar o adversário, uma tática de jogo mesmo. No entanto, essas mesmas provocações hoje são expressadas com ódio, tem como objetivo menosprezar o ser humano”.
As ofensas e os crimes de ódio cometidos em campos de futebol também são relatados por Lara Fabian, atleta pela Tagarela-UFG e jornalista esportiva. A esportista conta que presenciou uma triste cena de preconceito: “Presenciei recentemente, aliás, no Brasileirão 2022, vi parte da minha torcida, pessoas do meu lado, xingando a árbitra do jogo. A questão não é reclamar por um erro em campo, uma falta não marcada, a revolta por isso é normal. Porém, quando a ofensa não é disparada de forma a criticar a atuação do profissional ali e sim termos relacionados a ela ser uma mulher (coisas relacionadas a xingamentos que objetificam e impõem um machismo), é um grande problema. Há ainda uma confusão no nível de brincadeiras, o futebol é alegria e ‘zoação’, mas com limites. O exemplo de xingarem o Vinicius Junior de ‘macaco’ mostra também isso”.
A omissão das federações e entidades de futebol
As federações e entidades de futebol constantemente demonstram incompetência e negligência no combate a cenas preconceituosas em estádios e campos de futebol. Na grande maioria das ocorrências de crime de ódio em partidas, as organizações que coordenam o futebol não se manifestam sobre, não prestam apoio às vítimas, não colaboram no reconhecimento e punição dos agressores e dificilmente se posicionam sobre o ocorrido. É no silêncio desses órgãos que as cenas de xenofobia, racismo, homofobia e machismo se espalham e crescem no mundo esportivo.
De acordo com o Código de Ética da FIFA, especificamente no Artigo 23, “A discriminação de qualquer tipo contra um país, uma pessoa ou grupos de pessoas por causa da raça, cor da pele, etnia, origem social, gênero, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, saúde, local de nascimento ou qualquer estatuto, orientação sexual ou qualquer outra razão é estritamente proibida e passível de punição por suspensão ou expulsão”.
O ex-jogador profissional Wilson Goiano alega que em sua carreira vivenciou a omissão das entidades de futebol: “Nós vemos que as federações só se manifestam quando se torna público a situação e fica ruim para a entidade, não vejo campanhas no dia dia, apenas quando algo excede que eles agem e se manifestam. Eu vejo muita omissão nos órgãos que são responsáveis pelo Futebol”.
Enquanto isso, a atleta Lara Fabian já acredita em um avanço nos posicionamentos e ações realizadas pelas federações de futebol: “Hoje existem mais posicionamentos contra isso sim, mas é um processo e creio que estamos longe do ideal, mas caminhando. O caso do Vini Jr, que foi alvo de ataques racistas durante uma partida, mostra isso. O jogador se pronunciou e manifestou que o campeonato permanecia em silêncio sobre a situação. Ele foi rebatido e afirmaram que há sim um combate à situação, mas como o brasileiro disparou, os racistas continuam indo ao estádio e sem punição”.
A diversidade do futebol e a luta por conscientização
O futebol, lamentavelmente, é uma porta de entrada para que algumas pessoas externem suas discriminações, seja de gênero, raça, xenófobas ou de orientação sexual alheia. Isso porque, esses grupos marginalizados se tornam integrantes essenciais para o mundo do futebol e, infelizmente, são vítimas de tais crimes de ódio. As comunidades negra e feminina são, geralmente, as mais atacadas no futebol, os jogadores negros são frequentemente agredidos com comentários racistas e vivem a injúria racial nos times, tal como em partidas de futebol feminino as atletas são agredidas com gritos machistas que menosprezam a eficiência da mulher no esporte.
Para Wilson Goiano, o futebol atualmente é um exemplo da diversidade do povo brasileiro, é uma caminho para a ascensão social de classes, historicamente, segregadas no país; “O futebol é o esporte mais democrático que eu vejo no mundo, porque ele proporciona ao negro, pobre, rico, branco e a qualquer pessoa a ter uma ascensão social e ser respeitado na sociedade. O esporte em geral é muito importante para conter as discriminações sociais, a todo momento você vê um jovem da favela que consegue crescer no esporte e isso causa indignação nas classes superiores”.
O futebol se tornou um movimento maior que as partidas e torcidas, no Brasil o esporte é a representação de um povo, os jogadores, as entidades e as torcidas são influentes no corpo social, é com essa influência que vemos a necessidade de usar o futebol como uma ponte no combate aos preconceitos. A atleta Lara Fabian ressalta a importância do futebol no Brasil: “A questão é que o esporte sempre foi mais que as quatro linhas, pensando no futebol, justamente pelo alcance inegável que ele gera, pela existência das questões e pelo efeito espelho também gerado. Não é raro ouvir de uma criança “quero ser a Marta”, quero ser o “Neymar”. Por serem figuras públicas e pelo esporte ser o que é e representa, não é possível uma isenção de posicionamento contra essas injustiças”.
O jogador Luís Fernando também enfatiza o papel do futebol nessa luta contra as discriminações sociais: “Acho que como o futebol é um esporte com muita influência e o mais famoso do mundo, devemos passar essa mensagem em todas e quaisquer partidas! E sempre que acontecer até que acabe, devemos sempre dar o exemplo de parar o jogo, dar apoio à vítima, prender e penalizar quem cometeu o crime, os atletas precisam repudiar as discriminações sociais. Felizmente vejo que no futebol isso está ficando mais comum”.