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Dia 30 de janeiro de 1869, Ângelo Agostini publicava o primeiro quadrinho nacional de que se tem registro: “As Aventuras de Nhô-Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”. Em comemoração à data que completou recentemente 154 anos de existência, o Lab Notícias conversou com a quadrinista Cátia Ana Baldoino da Silva para falar sobre a cultura de quadrinhos que existe no país e comentar sobre o trabalho pelo qual ela é apaixonada.
Além de quadrinista, Cátia Ana é Programadora Visual da Universidade Federal de Goiás. Com a dissertação de título “O tempo multidimensional nos quadrinhos: um estudo das estratégias narrativas em Here, de Richard McGuire“, recebeu em 2020 o Prêmio HQMIX. Na universidade, juntamente com Cláudia Moura, é organizadora da exposição “História das histórias em quadrinhos no Brasil”, localizada na Biblioteca Central do Campus Samambaia (UFG).
Brasil e os quadrinhos
LN: Acho que para iniciar essa entrevista, eu gostaria de saber: como a construção desse acervo rico em histórias ajudou a construir o Brasil?
Cátia Ana: Creio que, especialmente quando o alcance dos quadrinhos era maior nas bancas de jornais, a leitura deles marcou a infância de muita gente. Além, claro, de inspirar as novas gerações de quadrinistas. Hoje há uma presença deles também nas escolas, que pode dar um sabor mais lúdico ao aprendizado das disciplinas.
LN: O impacto cultural é algo bem importante a ser levado em consideração, mas além dele, existe ou existiu algum impacto econômico proporcionado por esse fenômeno?
Cátia Ana: Durante muito tempo editoras como a Abril e a EBAL (anos 1960 a 1980) tinham uma presença econômica bem relevante. Hoje eu realmente não sei dizer. O mercado editorial vem passando por crises sucessivas, e isso afeta os quadrinhos também, pois sem o espaço físico das bancas de jornais, eles migraram para as livrarias.
LN: O Dia do Quadrinho Nacional é o suficiente para se manter vívida essa história tão importante que o Brasil possui?
Cátia Ana: Não é o fator principal, mas contribui. A pesquisa acadêmica também contribui para o registro e manutenção dessa história.
LN: O meio digital ajuda ou ajudou a tornar esses quadrinhos mais popularizados ou se pode falar de um “inimigo” da materialidade deles?
Cátia Ana: O meio digital é um baita suporte e meio de divulgação. Não existe no Brasil um mercado de quadrinhos; temos algumas publicações aqui e ali e quadrinistas que vivem exclusivamente disso. O que de fato ocorre é que a produção que temos hoje é de uma comunidade de quadrinistas independentes, que se auto publicam, e o meio digital é o espaço disponível para tal, por conta do custo ser menor ou quase zero e o alcance dos trabalhos poder ser ampliado.
LN: Existe alguma influência internacional no assunto ou estamos falando de algo nativo de terras brasileiras?
Cátia Ana: Os quadrinhos surgiram em diversos lugares, mais ou menos na mesma época. Isso porque lá pelo final do século XIX, as técnicas de impressão de imagens estavam sendo aprimoradas. Não há como negar a influência externa no início da nossa produção. Ângelo Agostini, por exemplo, era ítalo-brasileiro. Durante muito tempo os suplementos infantis publicados no Brasil, a partir dos anos 1900, publicavam cópias (muitas vezes não autorizadas) de personagens já publicados nos Estados Unidos. Nos anos 1990 também tivemos o “boom” da publicação de mangás traduzidos aqui, que com certeza influenciou e tem influenciado a produção de muitos quadrinistas.
Cátia Ana e a nona arte
LN: O reconhecimento da sua arte nesse meio foi algo difícil de ser conquistado? O meio é aberto para mulheres?
Cátia Ana: Eu acho que ainda estou tentando conquistar. O meio está se modificando aos poucos, especialmente porque temos muitas quadrinistas se auto publicando e também tocando na ferida do machismo nos quadrinhos. Talvez essa movimentação traga mudanças estruturais para as próximas gerações de mulheres.
LN: Como você escolheu essa área para atuação?
Cátia Ana: Ela me escolheu, acho. Sempre desenhei e gostei de ler histórias (não em quadrinhos). Durante a faculdade fui apresentada por uma amiga aos quadrinhos e desde então eles têm sido uma forma de auto expressão e também desenvolvimento artístico.
LN: Existe realmente algum dom para atuar nessa arte, ou sempre existiu uma vocação e você aprimorou ela?
Cátia Ana: Creio que seja mais vocação porque, como qualquer outra área, vai exigir dedicação e tempo para se aprimorar.
LN: Qual foi o seu primeiro contato com essa arte?
Cátia Ana: Foi durante a faculdade, através de uma amiga. Com ela, inclusive, fiz o TCC falando sobre quadrinhos e internet. A gente tinha um projeto de quadrinho e estudávamos muito, trocávamos ideia sobre o processo de se criar quadrinhos.
Ranking Baldoino
A quadrinista possui um site de produções de webcomics, onde lança suas HQs. Lá, ela utiliza do seu trabalho e arte para fazer reflexões cotidianas e filosóficas. A pedido do Lab Notícias, a artista separou quadrinhos nacionais que inspiraram e inspiram o seu trabalho. Confira:
Porto Alegre, anos 1920, uma cidade em plena febre de modernização. Vitória, uma jovem negra com grandes ambições e talento para a escrita, sonha em se tornar jornalista. Mas, para isso, precisa enfrentar os estigmas de uma sociedade racista e patriarcal. Esse é o mote de Beco do Rosário, romance gráfico de Ana Luiza Koehler.
De Gabriel Nascimento e João Belo, A menor distância entre dois pontos é uma fuga é uma ficção histórica sobre memória, resistência e sobrevivência. Através da forma como organizaram os capítulos e pensaram o projeto gráfico, esperam que o próprio suporte editorial seja parte importante e ajude a narrar a história que desejam contar.
Como a própria descrição diz, “com um traço divertido, cores vivas e um monte de referências aos anos 2000, Arlindo acompanha a vida de um adolescente do interior do Rio Grande do Norte, cheio de dúvidas e sonhos”. Sua autora é Ilustralu.
Seguindo os trilhos de um trem, um coelho foge do vazio cotidiano, à procura da peça que lhe falta. Esse é Além do Trilhos, de Mika Takahashi.
Em Bertha Lutz e a Carta da ONU, Angélica Kalil e Mariamma Fonseca partem das memórias da ativista brasileira para contar, em quadrinhos, a saga de Bertha na Conferência de São Francisco, onde a carta foi criada. Entre chás e tensas reuniões, a brasileira não se intimidou com a resistência de homens e mulheres ao tema e conseguiu pautar uma discussão fundamental no debate: a igualdade de gênero, garantindo que o documento citasse explicitamente “a igualdade de direitos de homens e mulheres”, entre outras questões.
Levei em conta aquelas mais bacanas que me lembrei e que servem para as pessoas conhecerem um pouco mais sobre a produção atual de quadrinhos – que não inclui apenas a Turma da Mônica (risos).
Cátia Ana Baldoino sobre os quadrinhos selecionados