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O futebol de 5, praticado por atletas cegos, surgiu por volta da década de 1920, na Espanha. Contudo, há indícios de que só chegou ao Brasil em 1950. Os jogadores jogavam com latas ou garrafas para simularem a bola, mais tarde com bolas envoltas em sacolas plásticas e o esporte era praticado nas instituições de ensino e de apoio a estes indivíduos.
Na América do Sul, o primeiro torneio reconhecido foi organizado pela Federação Internacional dos Desportos para Cegos, a ISBA. A modalidade foi para a Copa América de Assunção, em 1997, participaram as seleções: Argentina, Brasil, Colômbia e Paraguai, onde o Brasil se tornou campeão, posteriormente o Brasil venceu em 2001 e 2003. Em 1998, o Brasil se tornou campeão do primeiro Mundial, que foi realizado em Paulínia (SP). De lá para cá, a seleção conquistou a vitória outras quatro vezes, em 2000, 2010, 2014 e 2018.
Em entrevista à redação, o atleta dessa modalidade esportiva e aluno de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás, Pedro Paulo Lemes de 19 anos. Discorre sobre o que é o futebol de 5 e como ele funciona, e nas dificuldades que os atletas e times passam para ganhar investidores.
Lab Notícias: O que é o futebol de 5 e como ele funciona ?
Pedro Paulo Lemes: O futebol de 5 é um futsal, ele segue basicamente as regras do futsal, a quadra, as posições, com uma bola de guizo, ou seja: nele as pessoas que jogam são cegas, a única pessoa que enxerga dentro de quadra é o goleiro, os outros quatros jogadores usam uma venda para ficar tudo igual. Em regra, todos não podem enxergar da linha, só que aí como tem uns que enxergam mais e outros que enxergam menos, eles colocam uma venda em todo mundo pra ficar igualitário, aí o goleiro por ser o único que enxerga, tem área delimitada, então não é igual o futsal e nem ao futebol normal, onde o pessoal sai da área. Nele, o goleiro fica em uma área de dois metros por dois: é onde ele pode ficar e não pode sair ou se ele pegar a bola fora dessa área é pênalti. Como o goleiro enxerga, teoricamente teria vantagens, mas tem essa desvantagem dele ficar preso nessa área dele. Os jogos têm duração de 2 tempos de 15 minutos e sempre que a bola sai, o tempo para.
LN: O Brasil acabou sendo conhecido como o país do futebol. Como atleta, você percebe essa mesma visão a respeito do futebol de cegos?
Pedro Paulo: Depende, eu acho que em questão de ter talento, eu acho que o futebol de 5 tem, tanto que o futebol de 5 é realmente o esporte que o Brasil está invicto em olimpíada: não perdeu nenhum jogo. O Brasil está, sei lá, há três anos sem perder nenhum jogo oficial, a última vez que o Brasil perdeu um jogo, se eu não me engano, foi na copa América de 2019. [nota da redação: a informação foi checada e conforme o site de esportes do R7 a última derrota do Brasil foi em 03 de agosto de 2022.] Então o Brasil tem muito tempo sem perder, o Brasil é pentacampeão Mundial e pentacampeão olímpico.
Então, tipo o Brasil em questão de talento, tem muito talento, é realmente o país do futebol de cegos também, mas eu acho que o maior problema é no investimento. Se a gente olha pela perspectiva de investimento, de ter realmente patrocínio, de ter dinheiro mesmo entrando no negócio, não tem, porque a maioria dos times tem que se sustentar por conta própria. O time que eu jogo mesmo se sustenta por conta própria, tem um patrocínio ou outro, mas o presidente muitas vezes tem que botar dinheiro do próprio bolso.
Bom a gente ganha é uma bolsa, que o valor é muito baixo e, ela depende da colocação, ou seja, a gente não tem ajuda para treinar, não tem ajuda para ir para as competições e, só consegue ganhar se ficarmos em primeiro, segundo ou terceiro lugar do nacional. O valor da bolsa estudantil é de 250 reais. Às vezes você tem que comprar suplemento, pagar academia, pagar deslocamento para o treino e comprar material e ver que 250,00 reais por mês é nada. Então em questão de talento, é sim o país do futebol, mas em questão de investimento é bem complicado, bem fraco ainda mesmo, com tantos títulos e tantos jogadores bons conquistando o título de melhor do mundo todo ano.
LN: Quais caminhos podemos tomar para ampliar essa visibilidade?
Pedro Paulo: Hoje eu acho que seria mais essa questão de investimento mesmo, um patrocinador querer botar dinheiro nisso, a TV querer transmitir também. Acho que é muito semelhante ao que o futebol feminino passa porque o futebol feminino luta pelo mesmo espaço, de passar na televisão, de ter patrocínio, só que diferente do futebol feminino, para o futebol de cego hoje, ainda não existe nenhuma lei que obrigue os times a ter um clube feminino.
Já o futebol feminino hoje tem essa lei, na qual um time só pode funcionar teoricamente se tiver um time feminino, enquanto isso o time de futebol de cegos ainda não tem isso, não tem nada que faça com que o futebol de cego seja mais visto pelo governo, por investidores. Acho que enquanto não tiver uma ação de televisão, de governo, para fazer o esporte crescer vai ser meio difícil os investidores quererem, porque se não tem retorno para eles, eles não vão investir, acho que o maior problema é esse e precisaria de uma ação de cima, bem de cima, se a gente pensar em investimento ou algo do tipo.
LN: Como atleta, qual a importância da modalidade na sua vida?
Pedro Paulo: Então, a modalidade me ajudou muito como pessoa, um esporte, acho que sempre ajuda em questão de trabalhar em grupo, em questão de liderança, ajuda a cabeça muito. Então tipo assim, psicologicamente, acho que é imensurável para ajuda que tem, fora o benefício que é ter oportunidade de viajar para lugares que às vezes a gente não iria, né!? Tem oportunidades que a gente às vezes não teria então nesses quesitos foi bem importante e vem sendo até hoje.
LN: Ela influenciou sua escolha pelo jornalismo como foco esportivo?
Pedro Paulo: Eu acho que não, para te falar a verdade, não exatamente, porque desde moleque eu já gostava muito de esporte, eu sempre quis fazer algo na linha do esporte, então ou seria educação física, ou seria atleta, ou seria ser jornalista. Acho que o futebol americano me influenciou mais a ser jornalista esportivo do que realmente a modalidade que eu jogo, porque eu acho que o futebol foi um complemento. Contudo, eu não vejo os dois se interligando muito em questão, tipo, “vou ser Jornalista porque eu jogo, ou vou jogar por ser Jornalista”, eu acho que não tem muito a ver.
Em questão de profissão o futebol ajuda muito, porque para você ter uma opinião, para você ter uma análise tática, se torna muito mais fácil você ter a experiência de saber como é que é, por exemplo sei lá, às vezes eu dou uma opinião sobre alguma decisão de um jogador, ou alguma coisa que algum jogador faça, porque eu posso me colocar no lugar dele, posso falar: “o jogador tomou um tal decisão e talvez eu teria tomado a mesma decisão porque, às vezes, ele pode estar com a cabeça quente” e, sabendo como é esse ambiente de vestiário, esse ambiente de competição, esse ambiente tático mesmo.
Então nesse ponto ajuda muito, mas em questão de ter influenciado, eu acredito que não muito, justamente por isso que eu falei de ser uma coisa que o esporte sempre esteve na minha vida desde muito cedo, desde antes de eu perder a visão. Então é uma coisa que já estava meio que destinado desde sempre.
Somo realmente o país do futebol! Pena que o investimento no Futebol de 5 ainda seja aquém do necessário… Investir nesses atletas é uma forma única de demonstração de respeito não só aos deficientes visuais, mas à sociabilidade proposta pelo esporte.