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Com o crescimento das redes sociais, torna-se cada vez mais difícil separar o que é pessoal e o que é profissional. Quem nunca fez uma publicação reclamando ou comentando sobre um longo dia de trabalho nas redes sociais? A linha que separa o digital e o físico fica cada vez mais tênue. O que acontece na internet afeta diretamente as pessoas fora das telas e vice-versa.

Internet: Terra sem consequências?

Casos em que demissões são justificadas pelo comportamento exposto nas redes sociais de seus funcionários são uma realidade cada vez mais comum. A sensação de pseudo-segurança que vem sendo causada pelas redes sociais, nas quais se pode controlar as pessoas que podem ou não te seguir, além de ser possível utilizar ferramentas como o “amigos próximos” do Instagram, em que se decide quem verá seu conteúdo publicado. Entretanto, essa sensação que faz com que as pessoas se sintam mais livres para publicar o que quiserem também é seguida pelo contra-ponto: o monitoramento das redes.

Segundo a pesquisadora, consultora e professora nas áreas de mídias sociais e Relações Públicas Digitais, Carolina Terra: “As pessoas falam mal do chefe na rede social, mas não na cara dele, porque têm a pseudo-sensação de estarem protegidas, mas na verdade estão ultraexpostas e isso logicamente traz consequências”, declarou para o G1.

Ao desabafar nas redes sobre seu trabalho, o funcionário pode arriscar que seus superiores vejam a publicação e tomem providências, como expresso na CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), que regulamenta as relações de trabalho. No artigo 482, é dito que:

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

Assim, a punição é totalmente justificada por lei. Com a demissão por justa causa, o empregado perde o direito de receber seguro-desemprego, por exemplo.

Novas exigências para conseguir contratação e permanência

O mercado de trabalho busca cada vez mais integrar as redes sociais como fator decisivo de contratação. Segundo dados de 2017 realizados pela Careerbuilder, as redes sociais dos candidatos são conferidas por cerca de 70% dos contratadores. E mesmo após conseguir o emprego, ainda são submetidos a checagem: de acordo com o presidente do Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC),

Alexandre Diogo, em entrevista para a Revista Exame, diz que não se preocupar com as redes sociais após a contratação “é um equívoco que os profissionais cometem, porque a pesquisa [feita pela IBRC com 623 executivos] aponta que, para as empresas, as redes sociais têm um peso maior na demissão do que na promoção”.

Nem sempre o objetivo de vigiar é punir

Nas palavras de Andressa Montalvão, que tem experiência trabalhando com Recursos Humanos e é graduanda em Psicologia pela UNIP, nas empresas onde já participou, o monitoramento das redes sociais dos funcionários tinha um propósito diferente da busca por melhor desempenho: a preocupação da saúde mental. “Já vimos postagens que despertaram uma certa preocupação, não em relação a postagens ‘erradas’, mas que às vezes poderiam ser motivo de alerta para um problema de saúde não revelado, seja mental ou não”, relata.

Entre as medidas tomadas, Andressa diz que começaram a prestar mais atenção nas coisas postadas, mas que era complicado por ser algo mais pessoal e não poderem realizar uma abordagem direta, servindo então como uma forma de observação. Se alguma postagem fosse mais preocupante, aí sim seria motivo para tomarem uma atitude mais direta, reunindo-se com a pessoa para buscar auxiliar.

Redes sociais x Falta de ética

As fronteiras do que é ético ou não se tornam cada vez mais estreitas para os usuários. A sensação de que se está falando para um pequeno público faz com que muitas pessoas se sintam livres para fazer posts sem pensar nas represálias.

Um caso que gerou repercussão foi o das médicas que publicaram nos stories do Instagram um vídeo rindo enquanto uma criança gritava de dor no hospital. A comoção gerada pelos usuários foi enorme e ambas foram exoneradas do Hospital Raimunda Francisca Dinelli.

A visão da antropologia sobre a superexposição

De acordo com Matheus Gonçalves França, graduado em Ciências Sociais pela UFG, mestre em Antropologia pela UnB e doutor em Antropologia Social:

“Há uma percepção de que as pessoas intensificam algumas emoções nas redes, elas expressam às vezes com muito mais contundência quando estão nas redes sociais, porque há, sobretudo, quando a gente pensa em perfis anônimos, a noção de anonimato, a possibilidade de você não ser imediatamente reconhecido ou reconhecida, abre margem para você expressar aquilo que um código moral da sociedade te condenaria. Então, por exemplo, quando a gente tem perfis anônimos que falam barbaridades e ferem diversos direitos humanos, muito provavelmente a pessoa tem ciência dos códigos morais vigentes na nossa sociedade não falaria isso tão abertamente, mas o anonimato oferece essa possibilidade de se expressar sem exatamente e imediatamente receber algum tipo de sanção.”

Ele ainda complementa que:

“Quando a gente fala de perfis que não são anônimos, ainda assim a gente percebe que há uma intensificação de fato maior de expressões emocionais nas redes sociais. Porque mesmo que não seja anônimo que a pessoa que tenha a foto dela, tenha o nome dela, tenha todas as ideias dela, muitas vezes ela está se relacionando ali naquele momento num debate com pessoas que ela não conhece, que ela não vai ver de novo, então não faz parte de uma comunidade, não faz parte de um grupo de relações que ela vai dar continuidade. A ausência dessa continuidade nas relações permite com que algumas pessoas de fato se expressem com mais intensidade de algumas emoções”.

Para além dos fatores expostos, o doutor explica que existe o agravamento dessa percepção pelo grande fluxo de informações que é recebido diariamente através das redes sociais. Assim, o usuário sente que pode expor mais facilmente suas opiniões, já que sente que rapidamente serão descartadas como as demais outras.

Há sempre o risco de viralização, que é “o aumento exponencial do grau de exposição de determinado assunto”, o que afeta fora das redes sociais, como no caso das duas médicas do vídeo que foram demitidas devido ao comportamento delas nas redes sociais, fazendo piadas da criança com dor.

Infográfico

Buscando saber de forma aprofundada a relação de pessoas com as redes sociais em relação ao trabalho, o Lab Notícias reuniu dados através de um formulário sobre o tema, que foi respondido por 31 pessoas adultas:

Infográfico sobre a relação entre redes sociais e vida profissional. A pesquisa foi respondia por 12 homens e 19 mulheres. Dado 1: Você já fez publicações referentes a seu trabalho nas redes sociais, como desabafos? 17 pessoas responderam que sim, 13 que não e 2 não se recordavam. Dado 2: Você acha que as redes sociais pessoais devem ficar separadas da sua vida profissional? 1 não tinha opinião, 11 responderam que não e 19 que sim. Dado 3: Você já se sentiu coagido a utilizar suas redes sociais pessoais para o crescimento da empresa que trabalha?6 responderam que sim e 25 que não. Dado 4: Você considera antiético que profissionais façam publicações nas redes sociais sobre seus clientes ou pacientes, mesmo que não sejam citados os seus nomes? 51,5% responderam que sim, 12,9% responderam que não tem opinião e 35,5% responderam que não.

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