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RAFAEL DAVID NOLETO

A retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami e o risco da ocupação de outras áreas por falta de políticas de emprego para quem não sabe viver senão do garimpo.

Garimpo na Terra Indígena Tenharim do Igarapé (Foto: Vinícius Mendonça/IBAMA)

No dia 20 de janeiro o presidente Lula determinou, através de decreto presidencial, a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária, afim de solucionar a emergência humanitária instalada na Terra Indígena Yanomami, no norte do país, que abrange parte dos estados de Roraima e Amazonas. A crise se agravou nos últimos anos devido à presença massiva do garimpo ilegal na região e às ações de garimpeiros perto das aldeias. O governo federal estima que hajam 20 mil garimpeiros na região e iniciou força tarefa conjunta com diversos órgãos governamentais para expulsão dos destes e assistência a indígenas em vulnerabilidade que sofrem por doenças e fome.

Na última terça-feira, 14 de fevereiro, o Governo Federal, em uma tentativa de agilizar a saída dos garimpeiros que ocupam ilegalmente as terras, prorrogou o prazo da liberação para barqueiros entrarem no território até 6 de maio afim de buscar quem ainda estiver ocupando as áreas e quiser sair voluntariamente.

Para onde vão os garimpeiros?

Pedro Afonso, 60, mora atualmente em Boa Vista. Tem passagens por garimpos de diferentes minérios em diversos estados brasileiros e em países como Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Venezuela e Bolívia. Ele esteve, no ano passado, trabalhando em terras Yanomami e se mostra preocupado com os rumos do trabalho no estado de Roraima. “Sou garimpeiro há 40 anos e não sei fazer outra coisa”, diz Pedro, que frisa que a maioria de seus colegas no garimpo seguem o mesmo perfil.

Pedro começou sua vida no garimpo no norte do Tocantins, na época norte goiano, antes da emancipação do Estado. Esteve na Serra Pelada nos anos 1980, buscando ouro. Desde então trabalhou em diversos tipos de minas em busca de diversos metais e pedras, como diamante, ametista, cassiterita, além do ouro. Esteve pela primeira vez em Roraima para trabalhar nas minas em 1988. Com dois passaportes cheios de carimbos de passagens pelos países do norte da América do Sul, está hoje com sua terceira via do documento preenchida por diversas incursões à Guiana, onde, segundo ele, fez grande parte de sua trajetória.

Segundo conta, a maioria de seus colegas são homens de 18 a 50 anos que de fato não aprenderam outra ocupação para além do garimpo e não terão o que fazer quando forem expulsos das ocupações ilegais. “Quando eles chegarem aqui [em Boa Vista] só Deus sabe o que vai acontecer. 20 mil garimpeiros em uma cidade como essa, que já tem um problema sério de imigração [fala em referência à imigração venezuelana], é muito sério o problema.”

A Polícia Federal está investigando em inquérito aberto a pedido do Ministro Flávio Dino o crime de genocídio contra os Yanomami e crimes ambientais em seu território. Contudo, os garimpeiros que ocupam ilegalmente as áreas e apenas atuam como mão de obra, não possuindo propriedade sobre os equipamentos ou sobre as estruturas usadas nas minas e na rede de apoio à atividade, têm grandes chances de retornarem à prática por, assim como Afonso, não possuírem formação profissional em outra área. “Pelo que estou vendo, a pressão está grande. Vejo que vão fechar os garimpos por 6 meses a 1 ano, mas depois de um ano não sei o que pode acontecer”, diz Pedro.

Uma solução na educação

Maria Sueli de Aguiar, doutora em linguística e professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, tem trânsito frequente na região norte do país, em especial nos estados do Acre e Rondônia, onde desenvolve trabalhos com comunidades indígenas da região em seus territórios. Ao longo de mais de 40 anos atuando com diferentes povos, Maria Sueli afirma já ter ouvido diversos relatos dos indígenas sobre a atuação de garimpeiros na região. “Às vezes nós somos levados a situações que nos tiram a oportunidade de saber quem é o outro. Essas pessoas [garimpeiros] já vem de uma defasagem cultural e informacional. Têm um pensamento que para mim é muito forte, que é o de que quanto mais simples somos, mais cruéis podemos ser. Não se tem uma noção do peso que tem suas ações”, afirma a professora.

Para além do indiciamento dos financiadores do garimpo, a professora deixa evidente o papel da educação no processo de reinserção dos garimpeiros em outras atividades. “Tudo para mim se embasa na educação. Quando eu não dou instrução para as pessoas elas intuitivamente vão fazendo coisas”. Sobre ações específicas, afirma “precisamos que as Universidades e os serviços de aprendizagem profissional desenvolvam ações para que essas pessoas aprendam a desenvolver outras atividades”.


Esta reportagem investigou se o Trabalha Brasil (antigo SINE) e o SENAC Roraima planejam ações voltadas aos garimpeiros para oportunidades de emprego e qualificação profissional, mas não obteve resposta até o fim desta sexta-feira, 17 de fevereiro.

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