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A alimentação segura e adequada só se tornou um dever do Estado e direito social de todos os Brasileiros através da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional em 2010. Contudo, nos últimos anos, esse direito vem sendo atacado. Em 2022, 33 milhões de Brasileiros sofriam de insegurança alimentar segundo pesquisa da PENSSAN – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Além disso, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU – Organização das Nações Unidas, após 9 anos.
Devido a todas essas questões e problemáticas recentes, o LabNotícias convidou o Nutricionista Marcos Vinícius para comentar sobre o papel do SUS – Sistema Único de Saúde, em assegurar o direito à Alimentação. Marcos Vinícius além de Nutricionista é coordenador do NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família e trabalha na Secretaria de Saúde de Bela Vista de Goiás. Além disso, Marcos possui artigo publicado referente a este tema de alimentação e políticas públicas.
LabNotícias (LN): Marcos Vinícius, para começarmos, qual a importância de políticas públicas referentes à alimentação? E quais o Sistema Único de Saúde cobre ou deveria cobrir?
Marcos Vinícius: As políticas públicas elas são criadas, elaboradas, formuladas e implementadas para promover justiça social e equidade. E com alimentação e a nutrição não é diferente. A gente tem dois marcos históricos importantíssimo nessa luta pelo direito humano a Alimentação adequada e saudável, em 2006 a aprovação e criação da lei orgânica de segurança alimentar e em 2010 a inserção da alimentação como direito social. Então a partir de 2010, a alimentação se tornou um direito fundamental, então todos os brasileiros têm direito à Alimentação adequada e saudável, e isso também é um dever do Estado assim como o Sistema Único de Saúde.
Nós nutricionistas temos uma política que nos norteia para atuar dentro do Sistema Único de Saúde, que é a Política Nacional de Alimentação e Nutrição – PNSAN que foi aprovada em 2003. Essa política orienta como os nutricionista devem pautar sua atuação dentro do SUS respeitando os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde. Então hoje a gente tem algumas políticas públicas, que algumas foram desmontadas no último período, principalmente a partir de 2016. Porém a gente tem ainda o acompanhamento da condicionalidade da saúde, agora novamente com o bolsa família, então a gente verifica o peso e altura. A gente pode investigar possíveis carências nutricionais, obesidade em mulheres e crianças, e também a vacinação, que era uma condicionalidade muito forte até ali meados de 2018/2019.
Outra política pública fantástica que temos é o guia alimentar para a população brasileira, ele foi publicado em 2014 e ele traz e desmistifica muito da alimentação. Ele cita que comida vai muito além da ingestão de calorias e nutrientes, ressalta a importância da cultura alimentar, do comer em família e da importância dos alimentos In Natura – alimentos minimamente processados. Então eu acho que a gente precisaria de uma política pública mais efetiva para que a gente tenha pra população mais nutricionistas disponíveis dentro do Sistema Único de Saúde.
LN: Você comentou que apenas em 2010 a alimentação se tornou um direito assegurado pelo estado, isso contribuiu para que o País saísse do mapa da fome. Contudo nos últimos anos, voltamos a essa triste realidade. O que você atribui a este retorno?
Marcos Vinícius: Exatamente, sair do mapa da Fome em 2014 foi um grande avanço. E isso se deve ao meu ver principalmente a atuação do CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional que foi recriado em 2003. Então o CONSEA, ele atua muito próximo à sociedade civil, na formulação, execução, também propondo políticas públicas e por ser um conselho, ele é consultivo do Presidente da República. A gente é como se fosse a voz da população na figura do CONSEA falando para o Presidente da República o que precisa ser feito, e isso é muito importante, a participação social nas políticas públicas de alimentação e Nutrição.
Josué de Castro falava em 1940 que a fome era uma decisão política e resultado de desigualdade social, falar isso durante a ditadura, foi motivo para que ele fosse exilado, denunciar a fome era motivo de exílio. E a gente tem recentemente a extinção do CONSEA em 2019, como primeiro ato do ex-presidente da República. Como Josué de Castro disse na década de 40 e eu reafirmo aqui também que a volta do Brasil ao mapa da fome é atribuída a omissão política e a desigualdade social. Porque a gente teve no cenário de pandemia que tirou a vida de mais de 600.000 brasileiros e brasileiras, a PENSSAN dizendo que a pandemia estava intensificando ou deixando a fome tomar conta do nosso povo. E o chefe do executivo fechou e tapou os ouvidos para todas essas informações, a comunidade científica alertando e ele não ouvindo, não ouvindo a população.
LN: Você comentou um pouco sobre, mas pensando em uma alimentação mais saudável e sem agrotóxicos, que outros tipos de ações você esperaria do SUS para isso ocorrer?
Marcos Vinícius: O SUS é um espaço importantíssimo para a gente promover a segurança alimentar, nutricional e a Alimentação adequada e saudável conforme preconiza o guia alimentar para a população brasileira. E como eu disse, aumentar o aporte de nutricionistas nessas unidades é muito importante, e nutricionistas que tenham o viés de saúde coletiva, de saúde pública. Que a gente não atue dentro daquilo que a gente chama de nutricionismo – reduzir os alimentos apenas a nutrientes.
Então valorizar o Saber Popular ancestral dentro do Sistema Único de Saúde é muito importante, outra política pública que eu acho que seria bastante efetiva, seria as hortas comunitárias, além disso poderia utilizar os agentes comunitários de saúde das equipes da estratégia de saúde da família. Eu acho que seria um mecanismo muito importante para a gente inserir a alimentação adequada e saudável dentro dos territórios. Então eu acho que criar-se uma política pública a nível Nacional, comandado pelo Ministério da Saúde, da Educação e da Agricultura, seria muito importante para atuar dentro disso.
LN: Em Junho do ano passado a PENSSAN – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, divulgou uma pesquisa que mostrava que 33 milhões de pessoas no Brasil sofriam algum tipo de insegurança alimentar. Para você qual o papel o SUS têm para a diminuição deste número?
Marcos Vinícius: 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar é um número estarrecedor, o Betinho dizer que: “quem tem fome tem pressa”. Então a gente precisa atuar muito rápido e eu entendo que essa atuação ela precisa ser norteada e direcionada pelo Governo Federal. Muito já vem sendo feito, como a recriação do CONSEA, além disso, ano passado foi publicado um manual de identificação de domicílios com pessoas em segurança alimentar e como organizar a rede, então eu acredito que a gente tem que utilizar muito dos agentes comunitários de saúde que são os nossos olhos dentro do território.
E esse manual trás pra gente trabalhar sempre com a intersectoriedade, então o SUS sozinho não consegue. A gente precisa ter essa atuação junto ao assistente social por meio do SUAS – Sistema Único de Assistência Social.
O papel do SUS, papel da atenção primária, que é a porta de entrada dos usuários ao sistema, é identificar essas pessoas e atuar para que a fome não as mate, e como solução emergencial o fornecimento de alimentos por meio das secretarias de assistência social.
Marcos Vinícius, Nutricionista e Coordenador do NASF.
Porém a fome não é só a pessoa não comer, existe mazelas bem mais profundas, raízes que precisam ser mais abordadas. Como geração de emprego, renda, programas de transferências, também é muito importante, então eu identifiquei uma pessoa em segurança alimentar no meu território, passando fome logo eu vou direcionar ela dentro da rede. O que a gente tem dentro da nossa carta de serviços, então aqui no meu Município a gente identifica uma pessoa nessa situação, e já encaminha para secretaria, para ação social, ver como é que está a questão do cadastro único. Já organiza para que ela pegue essas cestas de alimentos, e algumas vezes direcionamos também para organizações não governamentais.
O SUS tem esse papel, muito de acolhimento e de direcionamento.
Marcos Vinícius, Nutricionista e Coordenador do NASF.
LN: Marcos Vinícius, você é nutricionista e servidor da secretaria municipal de saúde no interior Goiano. Como é a realidade do SUS no interior?
Marcos Vinícius: Arthur, infelizmente a realidade de muitos municípios, não é a mesma do meu Município. Eu observo isso conversando com colegas que atuam em outras cidades, no meu Município a gente tem uma rede muito forte, muito consolidada, uma carta de serviços muito ampla. Então a gente tem um hospital municipal novo, recém inaugurado com uma gama de serviço, a gente tem uma clínica de Saúde da Mulher, a gente tem dentro da atenção secundária no Centro de Especialidades médicas com diversos especialidades. Tem: Pediatria, Cardiologia, Urologia, Oftalmologia dentre vários outros e a gente tem um centro de atenção psicossocial que é o CAPS. Além disso, o NASF que era um programa Federal, agora ele é um programa que é mantido com recursos próprios da Prefeitura e não é nada barato manter um serviço desse.
Mas a gente compreende que saúde é investimento, a gente tem 10 unidades básicas de saúde, em um município com 30 mil habitantes, 10 unidades básicas de saúde consegue contemplar muito. Sendo que uma dessas unidades ela é rural, então a gente trabalha com a equidade, se no município onde tem uma zona territorial rural muito grande, ter uma UBS Rural é de um simbolismo muito grande também. Um pouco sobre o meu trabalho aqui, a gente tem uma equipe multidisciplinar no NASF, com psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, três fisioterapeutas e uma equipe muito importante por trás que são serviços gerais.
Então a gente tem uma pessoa responsável pela limpeza, uma outra que cuida da cozinha, porque quando a gente faz essas atividades coletivas que são em grupo. A gente tem atualmente grupo de atividade física, de saúde mental, grupo nas unidades básicas de saúde e hiper dia onde a gente trabalha com hipertenso, diabéticos. E preconizando a alimentação adequada e saudável conforme determina o guia ao final dessas atividades, sempre é servido um lanche, um lanche saudável. E esse lanche é produzido na cozinha do NASF. Então é uma equipe muito grande, tem um centro Municipal de fisioterapia que tem uma demanda alta, porém ano passado foram atendidos quase 600 pessoas e foram realizadas mais de 7.000 sessões de fisioterapia, e a gente tem seis fisioterapeuta. Então é uma realidade aqui que ela é diferente, e é óbvio que tem fila de espera, é óbvio que tem uma demanda grande, é uma realidade. Porém tentamos atuar dentro dos princípios da humanização do atendimento, pra que essa fila seja cada dia escoada de maneira mais rápida, dentro do serviço de reabilitação.
Dentro do NASF além dessas atividades coletivas, temos um atendimento em domicílio. Vamos na casa do paciente daqueles que não podem ir até a unidade básica de saúde, nós vamos até eles e acontece esse atendimento domiciliar também pelo NASF. Infelizmente isso não é a realidade de todo o município, é como eu disse, o investimento não é barato para municípios de pequeno porte, aqui em Bela Vista em média é investido R$ 30.000. E apenas no NASF, fora o centro municipal de fisioterapia, então a realidade do meu município não é a mesma dos outros.
LN: Para terminarmos, como ampliar esses Núcleos de Atendimento à Família e Saúde pelo Brasil, de forma que garanta o direito à alimentação por meio do SUS?
Marcos Vinícius: Paulo Freire disse pra gente ter esperança e a esperança do verbo esperançar. Então nós estamos com essa esperança, essa expectativa que essa nova gestão do Ministério da Saúde, olhe para essa questão. A importância de equipes multidisciplinares dentro da atenção primária à saúde, a nova ministra da saúde é uma ministra que vem da Fiocruz, uma instituição tão renomada e que tanto contribui para o SUS. Então acreditamos que tão logo traga aqui boas notícias de que esses núcleos foram não só recriados, mas ampliados e pra isso perpassa por um novo modelo de financiamento do SUS.
Atualmente temos o Previne que foca no financiamento do indivíduo, não em grupos populacionais, então confiamos que essa nova gestão do Ministério da Saúde, tem a cara do SUS, que é a participação, o controle social, a população dizendo o que precisa ser feito. Para que tenha um acesso à saúde, no mais eu acredito que dentro do SUS, conseguimos sim atuar para que promovamos segurança alimentar nutricional, para atuar na redução da desigualdade social. A fome como eu disse, tem diversos determinantes sociais, a negligência e a negação do acesso à saúde é uma delas. Então podemos atuar com um SUS que contemple cada dia mais brasileiros e brasileiras.