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O mês de março começou agitado na política brasileira, com a revelação feita pelo jornal O Estado de São Paulo da tentativa de entrada ilegal de joias durante o governo Bolsonaro. Segundo o governo do ex-presidente, as joias – avaliadas em 16,5 milhões de reais – eram um presente à ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro, do chefe de Estado da Arábia Saudita.
O episódio aconteceu em outubro de 2021, e virou destaque devido às tentativas de burlar a declaração de bens da Receita Federal.
De acordo com o decreto nº 4344/2002, em situações de presente entre chefes de Estado, é necessária a declaração desses como bens de interesse público pertencentes ao país e não ao presidente, compondo o patrimônio cultural brasileiro. No caso em questão, não foi feita essa declaração, e as peças continuam detidas pela Receita Federal.
Ao todo, houve oito tentativas de liberação das joias, com envolvimento de três órgãos públicos.
Linha do tempo
2021
Em outubro, o ex-ministro de Minas e Energias, Bento Albuquerque, era chefe de comitiva em viagem à Arábia Saudita, na qual não se encontravam Bolsonaro e a esposa.
Ao final da viagem, foram entregues por oficiais do governo saudita dois pacotes a Albuquerque, que foram acomodados nas bagagens de seus assessores. A entrega ocorreu sem cerimônia oficial, contando apenas com a assinatura de um recibo pelo ex-ministro.
Ao chegar em Guarulhos, os membros da comitiva passaram pela revista e raio-X da Receita Federal, na qual a bagagem de um dos assessores – que havia afirmado não ter nada a declarar à Receita – foi revistada pelos agentes. Nela, estava uma mochila, contendo a escultura do cavalo e um dos estojos com as joias destinadas – segundo ele – a Michelle.
No avião havia outro assessor portando o segundo estojo de joias sauditas, dessa vez masculinas, que não foi parado.
2022
O segundo pacote foi entregue à presidência apenas em novembro do ano seguinte, após ficar mais de 12 meses parado no Ministério de Minas e Energia.
A defesa de Bolsonaro confirma que as joias em questão, estimadas em mais de 200 mil reais, estão em seu acervo privado e foram devidamente declaradas. Essa informação contradiz o documento que afirma a entrega das peças ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica pelo assessor de Albuquerque.
A Receita Federal investigará se segundo pacote foi corretamente declarado perante a lei.
As 8 tentativas falhas de liberação das joias
Ainda em 2021
A primeira tentativa foi a feita pelo assessor de Albuquerque, ao afirmar no aeroporto que nao havia bens a serem declarados à Receita. Essa atitude fez com que os investigadores suspeitassem da tentativa governamental de esconder a entrada das peças no Brasil.
A segunda tentativa foi a “carteirada” de Bento Albuquerque, ainda no aeroporto de Guarulhos. O ex-ministro tentou, utilizando de seu cargo público, liberar as joias mesmo após ser orientado pelos agentes sobre a legislação brasileira a ser respeitada, cena registrada pelas câmeras de segurança do local.
A terceira, por sua vez, foi o envio de um ofício, pelo chefe de gabinete adjunto de Documentação Histórica do gabinete pessoal do presidente da República, para o chefe de gabinete do então ministro de Minas e Energia, pedindo o encaminhamento das joias para análise em relação à incorporação ao acervo privado ou o acervo público.
A quarta envolveu o Itamaraty. O Ministério das Relações Exteriores pediu à Receita Federal que tomasse “as providencias necessárias para a liberação dos bens retidos”, a resposta foi que só seriam liberados mediante o pagamento da multa e do imposto devidos. A chefia do órgão fiscal tentou liberar o material, mas os servidores negaram.
A quinta contou com a pressão do gabinete de Albuquerque sobre a Receita, pedindo “liberação e decorrente destinação legal adequada de presentes retidos por esse Órgão”. O ex-ministro também disse que seriam destinados ao acervo, mas sem especificar qual.
Já em 2022
A sexta tentativa ocorreu às vésperas do fim do mandato de Bolsonaro. O então secretário da Receita Federal tentou liberar as joias, enviando um ofício a alfândega do aeroporto de Guarulhos. Novamente, os fiscais só permitiriam a liberação com o pagamento dos impostos.
A penúltima estratégia foi o envio de um ofício do gabinete do então presidente à Receita, cobrando a devolução. O pedido foi negado mais uma vez.
Finalmente, o último esforço foi pelo Emissário da Ajudância de Ordens do presidente. O sargento da Marinha utilizou o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para ir a Guarulhos recuperar as joias com a justificativa de que “não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo”.
O que dizem os envolvidos
Ambos Jair e Michelle Bolsonaro defenderam-se em relação às joias.
“(As joias) iriam para o acervo e seriam entregues à primeira-dama. E o que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo“, declarou o ex-presidente a jornalistas após participar da Conferência Conservadora de Direita Americana, nos Estados Unidos.
À CNN, Bolsonaro declarou ser inocente.
“Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade“, disse em entrevista.
A ex-primeira-dama, por sua vez, fez seu pronunciamento pelo Twitter, afirmando não ter conhecimento sobre as joias e atacando a imprensa.
Quer dizer que, “eu tenho tudo isso” e não estava sabendo ? Meu Deus!
— Michelle Bolsonaro Infos (@MichelleBolso22) March 4, 2023
Vocês vão longe mesmo hein ?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa vexatória. pic.twitter.com/3EkfofzVQo
Os crimes pelos quais o governo Bolsonaro pode ser indiciado
A Polícia Federal, a pedido do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, abriu inquérito sobre o caso nessa segunda-feira (6).
“Os fatos, da forma como se apresentam, podem configurar crimes contra a Administração Pública tipificados no Código Penal, entre outros. No caso, havendo lesões a serviços e interesses da União, assim como à vista da repercussão internacional do itinerário em tese criminoso, impõe-se a atuação investigativa da Polícia Federal”, declarou Dino em ofício encaminhado à PF.
Dino também especificou os três crimes a serem investigados: descaminho, peculato e lavagem de dinheiro.
Descaminho é quando há a tentativa de desvio do pagamento do imposto sobre saída, entrada ou consumo de uma mercadoria.
Peculato refere-se à tentativa ou a efetiva apropriação “de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo” por parte de um funcionário público.
A lavagem de dinheiro corresponde à tentativa de ocultação de origem ilegal de um bem.
Segundo a PF, o caso corre em sigilo e tem 30 dias para a conclusão, com possibilidade de prorrogação, e será conduzida pela Delegacia Especializada de Combate a Crimes Fazendários da Superintendência em São Paulo.
Imagem em destaque: Isac Nóbrega/PR/Divulgação.
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