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Temperaturas do oceano Pacífico aumentaram durante a passagem do forte El Niño em Janeiro de 2016. Imagem: National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA)
As coisas estão esquentando. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou neste mês que a temperatura global deve aumentar em 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais até 2027. Tal mudança climática lideraria eventos extremos que já conhecemos bem: grandes secas, inundações, escassez de alimentos e incêndios incontroláveis.
Os cientistas envolvidos na pesquisa consideram que chegamos ao ponto limítrofe na história da humanidade. Existe 98% de chance que os próximos anos sejam os mais quentes da história, enquanto os últimos oito quebraram recordes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos 15 mil pessoas na Europa morreram em decorrência das ondas de calor em 2022. Nos próximos cinco anos, só nos EUA, 13 milhões de pessoas podem ter que migrar para outras áreas por causa do aumento do nível do mar. Já no Brasil, a crise climática atinge desde o cidadão que não tem água potável em casa porque a fonte secou, até aquele que liga o ar condicionado do seu conversível com mais frequência ou intensidade.
Depois de tantos anúncios pré-apocalípticos, era esperado que o pânico tomasse conta da população mundial tal como a pandemia de Covid-19 provocou, em 2020. Afinal de contas, é de nossa casa que estamos falando. Não seria normal vê-la pegando fogo, cruzar os braços e pensar “É, talvez eu devesse me mudar daqui”. O certo seria que, depois do choque, viessem as ações de contenção: evacuar a área, alcançar um extintor e ligar para o corpo de bombeiros e cobrar assistência. Depois disso, seria preciso reconstruir a casa e repensar o sistema elétrico para prevenir que novos acidentes aconteçam, a nós e aos nossos vizinhos também.
Por mais que as previsões para a próxima meia década pareçam uma brincadeira de mau gosto, para os bilionários Elon Musk e Jeff Bezos podem soar como o tilintar de moedas. Enrolados em uma disputa judicial pela autoria da construção de um sistema de pouso na Lua, os responsáveis pelas empresas interplanetárias SpaceX e Blue Origin querem, juntamente à NASA, possibilitar que astronautas retornem ao satélite natural do planeta Terra até 2024, em uma missão que não ocorre desde a Guerra Fria, há mais de 50 anos. Afinal de contas, tempo sempre foi dinheiro.
Ao todo foram assinados, até maio deste ano, contratos que somam mais de US$ 5 bilhões, o equivalente a 24,7 bilhões de reais, exclusivamente para a construção do módulo lunar. Enquanto alguns defendem os “propósitos científicos” na exploração interespacial, há quem prefira desembolsar R$ 664 mil em uma viagem comercial de 6 horas pela órbita terrestre.
Enquanto isso… O Fundo Amazônia conta com meros R$ 3 bilhões desde a posse de Lula. O último a anunciar incentivos foi o premiê britânico Rishi Sunak, que julgou 500 milhões de reais o capital adequado à tarefa de prevenir, monitorar e combater o desmatamento da maior e mais imponente floresta do mundo. Acompanhado dos chefes de Estado de países como a Noruega, a Alemanha e os Estados Unidos, o Reino Unido faz parte do quadro de investidores da economia verde do Brasil. No entanto, esses mesmos países são os produtores e vendedores de tecnologia avançada para projetos como os da Nasa.
Por que isso importa? Quando boa parte do mundo cola seus olhos no que existe lá fora, menos atenção este planeta aqui recebe. E não é como se o assunto pudesse ser evitado. É caso de vida ou morte, literalmente. A redução de danos à Terra e a restauração do que já foi perdido não parece ser prioridade quando olhamos para os cifrões. Afinal, se é pelo dinheiro que se destrói, no fim das contas é por ele que se pode reconstruir.
E a quem mais interessa que os avanços tecnológicos e científicos alcancem o clímax do descobrimento ou da invenção de um estilo de sobrevivência, um caminho possível para a existência e permanência humana em outro planeta? Desde a emergência da “globalização”, esta é a única rota de fuga sabida pelos super-bi-trilionários.
A violenta explosão de desigualdades no mundo faz parte do projeto de negacionismo climático. O antropólogo Bruno Latour, em seu livro Onde Aterrar? – Como se orientar politicamente no Antropoceno, elabora que o Novo Regime Climático é uma narrativa dominada pelos mais ricos, uma classe que desde os anos 80 não pretende mais liderar, mas encontrar refúgio fora do mundo. “É caro ficar aqui e por isso vamos injetar todo nosso dinheiro em um exoplaneta e o oásis será somente nosso”, pensam. A ausência de um lugar comum que possa existir para todos e com o uso responsável do que a natureza é capaz de oferecer é entoado pela desregulamentação de políticas sociais e sustentáveis.
Por exemplo, a atração pela criação de barreiras anti-imigrantes durante o governo Trump nos EUA pode ser vista também como sintoma comum a todas as pessoas: o de se descobrir privados de terra. Já a política “libera tudo” dos agrotóxicos no tão longínquo governo Bolsonaro, não pode passar de um oba-oba para atender os interesses do agronegócio, passando por cima de qualquer argumento que contenham as palavras “saúde pública” ou “sustentabilidade”.
Mas o amanhã não está à venda e a Terra não conta com “recursos naturais”, Ailton Krenak diz. Não se trata de um almoxarifado. Um mundo compartilhado é possível, uma vida pública é necessária e se dizem o contrário é porque estamos em queda livre rumo a decadência da humanidade. Diante de uma crise irremediável, talvez um pouco de desespero faça bem. Medidas muito mais urgentes precisam ser capazes de segurar a ameaça global.
Os governos, as empresas, os super bilionários devem assumir responsabilidade e protagonismo na hora de reduzir emissões de gases do efeitos estufa, investir em energias renováveis e promover a sustentabilidade em todas as áreas da vida. É crucial educar as crianças incentivando a mudança de comportamento e de pensamento a respeito desse assunto, além da adoção de práticas sustentáveis em níveis individuais e coletivos. Participar de assembleias, associações, organizações, cobrar e lutar por efetividade como se não houvesse amanhã, pois ao que tudo indica não haverá mesmo.
Enquanto seres modernos, queremos controlar a natureza, os astros, tudo e a todo custo. Mas nos esquecemos que também somos nós a natureza. O pó de estrelas. Me parece que faríamos um bem maior e melhor se despertássemos desse sonho, controlando as nossas próprias ambições. Quem sabe assim podemos adiar o fim do mundo.