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Historicamente a população negra sofreu diversas atrocidades na construção de nossa sociedade, mediadas pela escravidão e submissão forçada. Há muito tempo tivemos a assinatura de abolição e leis que assegurem a igualdade para todos, na intenção de promover respeito e igualdade nas relações de convivência. No entanto, as cicatrizes desta conduta ainda latejam e são revividas nos dias atuais, como no que o jogador Vinicius Junior sofreu recentemente.

A discriminação ou ofensa a um grupo ou indivíduo por sua etnia, cor e raça é denominado racismo, considerado crime prescrito no código penal brasileiro, na Lei 7.716, de 1989. Penalidades brandas ou até nulas são presentes nos processos julgados sobre as denúncias, provocado por um sistema que carrega consigo, traços enraizados da colonização. Por conta desse fato, muitas vítimas se calaram por anos, por acharem que sua voz não seria ouvida.

Aliado a esse fator, a “liberdade” de expressão que as plataformas disponibilizam aos seus usuários, provocam mudanças no modelo de cometer e praticar o Racismo. As redes sociais fomentam diversos debates a respeito do crime, enquanto diversas pessoas combatem e não aceitam mais que sejam menosprezados ou xingados apenas por sua cor de pele. Outros diminuem e rotulam a luta como “mimimi” ou censura de opinião.

Alguns anos atrás vimos o desfecho de um caso midiático movido pela cantora Ludmilla contra um comentário racista da socialite Val Marchiori, relacionando seu cabelo afro-brasileiro a um produto de limpeza. O caso ocorreu em 2016, porém em 2021 foi julgado e o juiz decidiu a favor da comentarista, alegando a liberdade de opinião, direito assegurado também no código penal brasileiro.

Esse resultado e ofensivo, deprimente e desmotivador a diversas pessoas que se inspiram e lutam contra o crime. situações assim, amedronto vitimas, que comparam-se a experiencia da Ludmilla, famosa com condições de mover ações, perdendo para uma mulher privilegiada na sociedade, e se acomodam por temerem o mesmo resultado. Este caso deferia servi de esperança de justiça, mas acabou sendo a reafirmação do sistema colonial que sempre privilegia os seus.

Casos como esse invalidam a luta, pois vemos que sempre terão pessoas brancas que se utilizam das “brechas” das leis para cometer e praticar sua discriminação, com a segurança de que nada lhe acontecerá. Além desse fator, as mídias sociais proporcionam o anonimato, o que também ajuda a proliferação das ofensas e “opiniões” formadas, sobretudo, sem embasamento ou pesquisa de comprovação.

Caso Vinicius Jr

Recentemente, presenciamos nos últimos dias mais um caso de racismo explícito sofrido pelo jogador de futebol Vinicius Junior na partida do Real Madrid e Valencia, na competição da LaLiga (Primeira divisão da liga espanhola de futebol profissional entre clubes da Espanha), onde recebeu diversas ofensas ligadas à sua cor de pele, antes e durante a partida, o chamando de macaco, no objetivo de desestabilizá-lo.

Ao perceber os insultos, o jogador indignado se dirigiu à arquibancada e confrontou as pessoas que identificou cometendo-os. Cansado da situação, pois não se tratava da 1ª, 2ª e nem a 3ª vez que passava por essa situação, mas sim a 10ª, em um intervalo de mais ou menos 2 anos jogando na Europa. Vinícius protestou, o que culminou em uma confusão em campo e injustamente foi expulso da partida.

Desolado com o ocorrido, Vini Jr. usou suas redes sociais, com um depoimento emocionante, para lamentar que apesar de todo o avanço, ainda ver que muitos da direção do evento não fazem nada em relação a esse crime. Sua atitude, é um grito de uma população cansada de ficar calada e que não abaixa mais sua cabeça em servidão a ninguém.

A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi, hoje é dos racistas.
Vinicius junior

Ao final da partida, a situação provocou uma enorme movimentação nas mídias internacionais, levando o debate para todos os âmbitos políticos e sociais do momento, escancarando o racismo presente na sociedade. El País, jornal de grande repercussão internacional, afirma que Vini Jr. colocou em foco discussões sobre a tolerância e o racismo na Espanha.

Através desse episódio, o assunto novamente tomou evidência e mostrou a todos que não importa sua posição social e profissional, em relação a chances de sofrer esses ataques, pois apesar do Vini Jr. ser um jogador de sucesso, não ficou imune ao racismo. Temos diversas personalidades negras que acenderam financiamento na mídia, através de seus trabalhos, levando consigo as vivências de descaso sofrido por seus antepassados.

Para uns pode soar que foi uma atitude exagerada, levantando argumentos de que seria mais fácil ignorar a situação, mas aquele momento refletia o cansaço de um homem preto em reiterar a todo o momento que queria apenas ser respeitado, principalmente em seu local de trabalho. Não dá mais para aguentar situações como esta: são todos os dias meninos que sofrem o mesmo e não possuem a voz para retrucar.

São feridas da sua criação que são abertas toda vez que presencia essa situação, principalmente por vir de um país como nosso, que possui uma população majoritariamente negra, marginalizada e que é tratada de forma desigual no quesito representação em todos os segmentos sociais. Em uma conversa com a Globo News, a advogada Fayda Belo, conhecida na web e especialista em Direito Antidiscriminatório, fala sobre o caso.

Apesar de se tratar de um caso revoltante, atitudes como a de Vinicius, incentivam a denúncia e fomentam o debate por se tratar de uma figura em destaque na mídia. Um exemplo disso é a proporção que o assunto tomou nos últimos dias, furando a bolha esportiva e ecoando em departamentos políticos e midiáticos de todo planeta, chegando a lugares para provocar a reflexão.

Por se tratar de um tema muito complexo, que é tratado como inexistente por algumas autoridades que negam que aconteça, também presenciamos outra fase na web, menosprezando e até jogando a reação do jogador. Quando nada é feito de efetivo para solucionar o problema, abrem-se lacunas  para novamente ele ser replicado.

A comunidade preta está exausta de ouvir insultos disfarçados de opinião ou liberdade de expressão. E o melhor jeito de combatê-lo é introduzir o quanto antes na educação social de convivências, tanto no âmbito escolar quanto familiar, que certos comentários não são mais aceitos em nossa sociedade e que eles sim podem machucar quem os escuta.

Não é engraçado xingar o coleguinha; todos são iguais independente da cor; o racismo existe sim e precisa ser combatido — são tópicos que devemos ensinar a nossas crianças. A formação de caráter é primordial para o combate a essa prática criminosa. Temos que normalizar a ascensão da periferia, e mostrar que eles são sinônimo de superação e esperança.

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