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O livro Holocausto Brasileiro, escrito por Daniela Arbex, completou no último dia 6, dez anos desde a sua primeira publicação. Lá em 2013, as notícias que giravam o mundo falavam sobre a eleição do novo Papa da Igreja Católica, a Guerra Civil se intensificando na Síria, o surto de Ebola na África Ocidental e as manifestações no Brasil em resposta aos investimentos transferidos para a Copa de 2014.
Em 2023, ainda não é possível, com facilidade, localizar nos jornais e nas pequenas conversas do dia-a-dia assuntos relacionados à transtornos psiquiátricos, saúde mental ou loucura versus sanidade. É um tema pesado, que pinica a pele e deixa um rubor nas bochechas de vergonha. O assunto até hoje permeia preconceitos, cutucando setores da sociedade há muito marginalizados.
No século passado, era ainda pior. É essa a história desconhecida por nós, brasileiros, e que Holocausto Brasileiro procura resgatar. Publicado originalmente em 2013, o livro apresenta uma investigação minuciosa sobre o Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, que funcionou de 1903 à 1980 como um depósito humano e campo de extermínio para milhares de pacientes psiquiátricos, mostrando o quão desumano e cruel foi o tratamento dispensado a essas pessoas vulneráveis.
A dimensão da tragédia aqui não é medida pelos mandos e desmandos de Hitler, mas pelos 77 anos de omissão da sociedade e dos poderes políticos do Brasil. A obra de Arbex é uma dolorosa lembrança de como o sistema de saúde mental brasileiro é negligenciado. A autora conduz o leitor através de uma narrativa sóbria e envolvente, revelando os horrores e as atrocidades que ocorreram nas dependências do Colônia. O leitor é confrontado com relatos de pacientes submetidos a tratamentos de choque, alimentação precária, convivência com urina, fezes, cadáveres e urubus. Condições insalubres e a completa ausência de cuidados médicos adequados.
Ao longo do livro, Arbex habilmente reconstitui os eventos e oferece uma visão panorâmica da história do hospital, desde sua inauguração até seu fechamento. Ela faz isso com base em extensa pesquisa documental, entrevistas com sobreviventes e familiares das vítimas, além de cruzar informações com outros registros históricos. Essa abordagem meticulosa e bem fundamentada aumentou a credibilidade da já consagrada autora de livros-reportagem do país.
O aspecto mais impressionante do livro é a forma como a autora humaniza as vítimas, resgatando suas histórias, sonhos e sofrimentos. Ao trazer à tona as experiências individuais de tantas pessoas que ainda convivem com o estigma, Arbex faz o convite à reflexão sobre a natureza do que significa, realmente, ser humano. O crime foi tão hediondo que atraiu a atenção de acadêmicos como o francês Michel Foucault e o italiano Franco Basaglia, além do autor brasileiro Ferreira Gullar.
Estive hoje em um campo de concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo, presenciei uma tragédia como esta.” – Franco Basaglia, em visita ao Brasil em 1979.
Contudo, embora pudesse ser considerada uma leitura obrigatória, Holocausto Brasileiro não é para todos. São muitas páginas de descrição gráfica dos abusos, o que pode ser traumatizante para alguns leitores. Apesar deste aspecto desafiador, o convite feito no livro é de que confrontemos nosso passado sombrio para construir um futuro mais justo e humanitário. Daniela Arbex realizou um trabalho magistral ao dar voz aos silenciados e ao revelar verdades incômodas sobre o tratamento da saúde mental no Brasil.