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Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Elza Soares cantou e todos nós entendemos. A carne mais barata do mercado é a carne negra. Thiago Menezes Flausino. 13 anos. Negro. Jogador de futebol. Apenas mais um jovem com sonhos. Uma vida interrompida pela brutalidade policial. Cinco tiros foram mais do que o suficiente para exterminar os desejos de um garoto periférico que ansiava por um futuro, agora, obstruído.
É difícil lidar com as injustiças, ainda mais quando elas caminham junto à sua trajetória antes mesmo do nascimento. É difícil encarar a sua própria dor quando te fazem acreditar que aquilo que sente não é digno de atenção. É difícil ver mais um dos seus encarar o mesmo destino trágico, pela mesma bala e pela mesma razão.
É fácil se sentir imponente diante ao abismo promovido pelas disparidades sociais. É fácil se cobrar demais quando o padrão está tão distante da sua realidade. É fácil se sentir silenciado em um país que sufoca os seus gritos, suas necessidades e existência. É fácil se submeter a um papel de coadjuvante quando te ensinaram a vida toda que a sua história não era importante o bastante para ser contada.
O país das diferenças nos difere em cor, status e ocupação. Por trezentos anos o nosso existir foi pago com sangue e suor. A carta de alforria trouxe uma nova perspectiva, mas a narrativa continua a mesma, ainda somos vistos como mercadoria de baixo preço, deixados à margem da sociedade para (sobre)viver entre as barreiras sociais, políticas e econômicas que nos foram impostas. Estamos presos a correntes invisíveis, segregados em favelas estruturais, em ambientes configurados pela violência e pela fome.
O país do negligencialismo nos mata. As balas de fuzil ultrapassam o peito, dilaceram a alma, encerram percursos. A banalização do genocídio do povo negro nos torna reféns da violência branca e nos obriga a traçar uma luta interminável pelo direito de existir enquanto cidadãos. Queremos poder caminhar na rua sem precisarmos nos preocupar com o trajeto de uma bala perdida que, por acaso, encontra direção.
João Pedro, Ágatha, Thiago. Tantos nomes, tantas idades e trajetórias distintas, mas todos com um denominador em comum: marcados pela cor e manchados por sangue. O alvo persegue os corpos inocentes e o tiro acerta em cheio, extermina, enterra, e abre feridas irreparáveis. A dor e a indignação andam juntas, enquanto do outro lado, a (in)justiça e a necropolítica batem o martelo, decidem o valor de cada morte e fomentam a proliferação de um mal inconfundível: o racismo.
Eu clamo pelo dia que a indignação não será mais um sentimento familiar. Eu temo pelos meus, pois quando um se vai, todos nós somos partidos em pedaços incontáveis. Não há reversão para aqueles que ficam, a mãe que perde o seu filho, para o pai, irmãos e amigos. A morte não atinge apenas um, desencadeia um ciclo de dor. Todos nós morremos um pouco a cada dia.