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Infográfico: Isis Borges
De acordo com a pesquisa “Elucidando a prevalência de estupro no Brasil a partir de diferentes bases de dados”, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e divulgada em março de 2023, há 822 mil casos de estupro por ano no país, aproximadamente dois casos por minuto. Mas desse total, apenas 8,5% são identificados pela polícia, com meramente 4,2% chegando ao conhecimento dos sistemas de saúde.
As taxas de atrito, ou seja, total de informações sobre estupro que nunca são notificadas para a segurança pública ou hospitais, variam em cada estado. Baseando-se em estimativas, a maior prevalência de subnotificações está no norte do Brasil, mais especificamente nos estados do Acre e Tocantins. Nesses lugares, estima-se que a taxa de atrito varie entre 19,33% a 12,83% (Acre), e 20,11% a 14,29% (Tocantins). Em Goiás, isso compreende de 3,18% a 2,37% das ocorrências.
Imagem: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
Embora dados fornecidos pela Pesquisa Nacional da Saúde (PNS/IBGE) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/Ministério da Saúde) divirjam ligeiramente, ambos estabelecem o consenso de que mais de 80% das vítimas do crime de estupro são mulheres. Outra informação ainda mais alarmante é que, ao que tange os agressores, 45,6% são cônjuges, parceiros ou ex-namorados das vítimas.
Mas ao mesmo tempo, no ano de 2022, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 20 de julho de 2023, houve um recorde no registro dos casos de estupro desde que os dados começaram há ser documentados, há dezessete anos. Segundo o relatório em questão, houve 74.930 estupros no país em 2022, crescimento de 8,2% em relação a 2021. Os números correspondem ao total de vítimas que formalizaram denúncias em delegacias, indicando que, se não fosse pela subnotificação, os dados seriam ainda mais expressivos.
Imagem: Ramiro Furquim
Rakell Moreira, advogada e docente estagiária da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (FIC/UFG), cuja linha de pesquisa atual segue a culpabilização das mulheres vítimas de estupro nas sentenças judiciais, destaca os problemas do Código Penal Brasileiro na resolução dos casos pelo país — que inclusive ajudam a alimentar “cultura do estupro, naturalizando a violência sexual e passando a ideia de que é algo comum na sociedade e que dificilmente pode ser combatido.”
Ela aponta que uma das principais causas dessa subnotificação se trata da falta de apoio para a vítima e a falta de consequências para o agressor. “Evidências apontam que a principal causa da subnotificação é a certeza de que a denúncia não dará em nada para o estuprador. Além da exposição, muitas vezes degradante, e da culpabilização da vítima que, especialmente por essas razões, opta pelo silêncio”, diz Moreira.
Rakell também destaca as ineficiências contidas no próprio Código Penal Brasileiro, uma vez que é através disso que o operador do direito será guiado desde o boletim de ocorrência até a sentença. “Infelizmente, no nosso Código de Processo Penal atual e o que tudo indica que no novo código penal (em andamento) também haverá previsão legal que transfere a culpa do agressor para a vítima – o que pode gerar absolvição do estuprador ou uma pena insignificante. Isso evidencia para alguns problemas como o esvaziamento da eficácia das políticas públicas, das leis protetivas como a Maria da Penha, etc.”.
Contudo, Rakell enfatiza que não será uma mera revisão no Código Penal que irá mudar essa realidade. De acordo com as suas pesquisas, Moreira acredita que “a simples revisão do Código Penal não irá resolver todos os problemas de eficácia das políticas públicas e leis, porque também é necessário mudar o pensamento das pessoas que aplicam essas leis. Mas, sem sombra de dúvida, a revisão é necessária e deixa de ser um problema a menos a ser combatido. Ou seja, essa revisão passará a ser parte da solução e não do problema (como ocorre na atualidade)”.
Imagem: Guilherme Santos
Mas o recorde no registro dos casos de estupro em 2022 pode ser um sinal que, apesar da realidade violenta, gradativamente as coisas estão mudando. Letícia Michalczyk, mestranda e autora do livro-reportagem ‘Resiliência: a rede virtual de mulheres contra relacionamentos abusivos’ (2018), em suas pesquisas para a construção do livro, comenta que o aumento no número de denúncias pode estar também relacionado ao aumento do espaço para discussão sobre relacionamentos abusivos.
Desse modo, a internet então desempenha um papel fundamental como um lugar de conhecimento, acolhimento e desabafo para essas vítimas. Michalczyk define o vídeo “NÃO TIRA O BATOM VERMELHO” da youtuber JoutJout (Júlia Tolezano), lançado em 2015, como um ponto de virada e ganho de consciência para as mulheres entrevistadas para o seu livro-reportagem, algo que todas elas coincidentemente tinham em comum. “Esse dado me chamou a atenção e me levou a estudar mais sobre, o que faço até hoje. Porém, além da abertura encontrada na internet nos últimos anos, vale destacar também o avanço avassalador que nossas interações online sofreram em decorrência da pandemia”, afirma Michalczyk.
Mas Letícia também destaca que a internet pode ser uma faca de dois gumes para vítimas de estupro: “Vale pontuar, ainda, que a internet não é só benéfica. A exposição a qual as mulheres por vezes se submetem para ter seus pontos validados e suas denúncias reconhecidas é cada vez maior. Exposição essa que configura mais uma forma de violência que não se encerra e que faz com que as mulheres se sintam desmotivadas a enfrentar todo o processo.”
Imagem: Wikimedia Commons
O próprio relatório do IPEA destaca a necessidade de mais pesquisas voltadas ao tema e de uma melhoria na qualidade dos registros e sobretudo, no atendimento às vítimas relacionados à segurança, saúde e o julgamento dos seus agressores; de modo que o Estado possa estabelecer políticas públicas realmente efetivas na solução desse problema endêmico em praticamente quase todas as culturas do mundo. Apesar das informações atualmente disponíveis, as diversidades e complexidades de um tema tão sensível ainda permanecem ocultas sob o tapete, com as vítimas sendo obrigadas a constantemente revelar suas dores para o mundo caso desejem credibilidade, enquanto os agressores são protegidos pelos sistemas que regem a sociedade.
Nas recomendações do relatório, se destaca ser “crucial que o Estado produza a primeira pesquisa nacional sobre violência doméstica e sexual, para balizar de forma mais efetiva as políticas públicas de enfrentamento ao problema” — algo que, até a presente data, ainda não há previsões de ser feito.