Expedição Meia Ponte: Revelações sobre a saúde de um manancial crucial para Goiânia

A Expedição Meia Ponte, projeto da Câmara Municipal, percorreu o rio Meia Ponte para verificar seus problemas e encontrar possíveis soluções de recuperação e conservação do manancial
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A bacia hidrográfica do Meia Ponte representa mais da metade da água captada para abastecer a população da Região Metropolitana de Goiânia. É um rio de extrema importância e que cumpre função estratégica do ponto de vista socioeconômico e ambiental. Infelizmente, ao atravessar a cidade, ele enfrenta problemas de poluição e degradação.

De acordo com a Trata Brasil, Goiânia mantém posições pouco favoráveis no Ranking de Saneamento que eles fazem todo ano.

Gráfico feito pelo Canva

Por isso, entre os dias 22 e 27 de março, um grupo de pesquisadores liderados pela vereadora Kátia Maria, do Partido dos Trabalhadores, navegou pelo rio em toda a sua extensão no município de Goiânia, observando e coletando amostras da água, solo, vegetação e animais. O objetivo era fazer o maior diagnóstico já realizado sobre as condições do Meia Ponte.

Durante os dias da expedição, os pesquisadores observaram uma série de irregularidades que contribuem para a degradação do manancial, como o descarte de lixo e esgoto, erosões, assoreamento, extração irregular de areia, captação de água sem outorga e, até mesmo, mortandade de peixes devido à poluição e às péssimas condições da água.

A Expedição Rio Meia Ponte contou com a participação de mais de 50 pessoas, entre pesquisadores da Universidade Federal de Goiás e do Instituto Federal de Goiás, técnicos da SANEAGO e do Centro de Zoonoses, além das equipes do Batalhão Ambiental e Corpo de Bombeiros.

Esgoto sendo liberado diretamente no Rio Meia Ponte/ Foto disponibilizada pelo ex-vereador Paulinho Graus do seu acervo pessoal

A partir do material coletado e das observações realizadas, foi traçado um grande diagnóstico sobre as condições do rio Meia Ponte. O relatório, apresentado em 12 de junho na Câmara Municipal, recebeu o nome de “Carta das Águas”. O documento será base para legisladores e para os poderes executivos municipal e estadual definirem ações de recuperação e conservação do Meia Ponte.

Para entender melhor os resultados apresentados na “Carta das Águas”, o LabNotícias entrou em contato com a vereadora Kátia Maria. Esta deu a seguinte declaração: 

“O rio Meia Ponte é um dos rios mais importantes do estado de Goiás. Ele corta 39 municípios, mas infelizmente é exatamente no trecho que atravessa a Goiânia que ele apresenta o maior índice de poluição e de degradação. É por isso que o nosso mandato de vereador apresentou na Câmara Municipal de Goiânia um requerimento que foi aprovado por unanimidade para a realização da primeira expedição pelo rio Meia Ponte. Esse levantamento que nós fizemos na primeira etapa da expedição, ele resultou num relatório preliminar, que é a ‘Cartas das Águas’, que já tem surtido um efeito grandioso, porque nós mapeamos e recebemos denúncias. A AMMA já conseguiu barrar um aterramento que estava sendo feito por um empreendimento particular, assim como 13 pontos detectados de lançamento de esgoto in natura, sem o tratamento. Também está sendo feito aí todo o encaneamento por parte da Agência Municipal de Meio Ambiente, fazendo com que a gente possa cuidar do rio Meia Ponte com o zelo devido que ele merece. O Meia Ponte é o rio que abastece, junto com a bacia do Meia Ponte, 100% das casas da grande Goiânia. Então, salvar o rio é garantir água tratada na casa de todas essas pessoas. E nós vamos fazer, no próximo dia 19 e 22 de setembro, a segunda etapa da expedição, fazendo nova coleta, novas amostras, para fazer um comparativo com todos os dados que foram levantados no mês de março. E fizemos também agora a apresentação de um projeto de lei garantindo o direito de vida do rio Meia Ponte, para que nós possamos, assim como é garantido o direito de vida das pessoas, o direito dos animais, nós podemos resguardar também o direito do rio Meia Ponte, tendo ele água de qualidade, a recomposição da sua mata ciliar e fazendo com que toda a biodiversidade que está ali, as margens do rio, possa ser recuperada e preservada, garantindo assim uma qualidade de vida maior para a população de Goiânia”.

Vereadora Kátia Maria
Foto: Samuel Straioto- Sagres Online.

Além do depoimento da Kátia Maria, o ex-vereador Paulo César de Souza (também conhecido como Paulinho Graus), que era ex-coordenador do grupo Pró-Meia Ponte, esclareceu para o LabNotícias suas opiniões sobre a história do rio:

“Nos anos 90, nós fizemos um diagnóstico do rio também. Fizemos até alguns eventos, como o salto de um motociclista sobre o rio Meia Ponte para mostrar que o rio estava morrendo de sede; levamos alunos de colégios para mostrar a realidade do rio em loco e muito mais. Nós identificamos alguns pontos críticos que ele passava nos anos 90 e anos 2000. Havia lançamento de esgotos por de órgãos públicos, órgãos privados e lançamentos até por pessoas que estavam morando perto do rio.”

 

Quando questionamos César de Souza sobre o que pode contribuir para ajudar o rio, ele afirmou que “o conhecimento seria um auxiliar”. Para ele, quando as pessoas buscam informações, elas procuram saídas para resolver graves problemas. Além disso, ele declarou que “o rio não é nosso, é das futuras gerações. Nós temos o dever de proteger e recuperar ele. Trazer o que era antes. Nós usamos a água, jogamos esgoto, fazemos de tudo, destruímos as matas ciliares, e nós não queremos reconstruir isso aí. É o nosso dever reconstruir o que o passado destruiu e o que o presente está destruindo”.

Ademais, a opinião que ele possui sobre a atitude da vereadora Kátia Maria é de que “o diagnóstico e essa expedição são muito válidos. Agora eles tem que transformar o conteúdo que ela buscou na prática. A grande saída do rio é essa: transformar o discurso em prática”.

Com o intuito de fornecer a visão de um profissional, o professor da Universidade Federal de Goiás, Fausto Nomura (formado em Ciências Biológicas) também foi entrevistado pelo LabNotícias. Isto foi o que ele tinha a dizer: 

“Eu tenho alguns estudos associados a esses bolsões de águas que se formam durante os ciclos do Meia ponte, em geral associados ao comportamento animal. Eu considero que um dos grandes acertos é que esse diagnóstico que eles querem fazer é para levantar informações. Quando a gente pensa em políticas públicas, qualquer tomada de decisão que se faça com pouco embasamento empírico, objetivo, técnico, é uma tomada de decisão frágil. As tomadas de decisões ficam muito à mercê dos vieses e das impressões dos gestores. Então, uma das principais funções da extensão da academia deveria ser justamente oferecer informações sobre isso para que os gestores, então, possam tomar decisões. E nesse caso, então, eu considero extremamente acertada. Aplaudo aí a decisão da vereadora e da equipe que ela juntou para isso, para essa tomada de decisão. Embora uma crítica pontual seria de que esse diagnóstico ambiental, em particular para um rio tão importante para a cidade de Goiânia e a região metropolitana como um todo, é de que deveria ser uma atividade permanente e não uma atividade restrita no tempo. É uma única expedição. A gente sabe que os impactos ambientais como um todo, eles flutuam em intensidade, em duração. Por exemplo, no cerrado a gente tem um período que os produtores queimam as pastagens, isso também pode ter impacto na qualidade do rio, da água e dos organismos que vivem dentro do rio. Então imagino que essa iniciativa é tão boa que ela deveria ser transformada em um programa permanente, quer dizer, seria necessário fazer um diagnóstico contínuo das condições do rio, até como uma forma para avaliar se as políticas públicas estão sendo eficientes para a qualidade da água, que a população tem acesso, e também para as condições ecológicas do rio Meia Ponte.”

Além disso, questionamos o professor Nomura sobre as principais causas da degradação do rio. Ele explicou que “o principal problema é a atividade humana. Desde formas muito indiretas, como por exemplo, uma queimada faz com que as cinzas se espalhem, quando essa cinza cai no rio, isso disponibiliza novos nutrientes aos organismos aquáticos, o que pode levar a uma hiperproliferação de algas, deixando as águas mais escuras, curvas. Tem efeitos mais diretos, como por exemplo, com as águas da chuva, as atividades agrícolas carreiam os excessos de agrotóxicos e de fertilizantes também para esses ambientes aquáticos. Então esses agrotóxicos podem contaminar os organismos aquáticos, matando algum desses organismos ou deixando esses organismos com dificuldades comportamentais de natação, de escapar de predadores, com uma série de outros efeitos. Além disso, ao se lançar esgoto in natura dentro dos ambientes aquáticos, a gente também está lançando uma série de outros contaminantes ambientais, os quais os efeitos não são totalmente ainda conhecidos para muitos organismos aquáticos, peixes, árvores de lino, invertebrados, etc. Então, por exemplo, nas nossas excretas, tudo aquilo que a gente consome, a gente metaboliza e elimina isso por meio das excretas, o que inclui, por exemplo, medicamentos que a gente está consumindo. Então, a maior parte das substâncias que precisam ser controladas, reguladas, não inclui muitos medicamentos. Então a gente não tem, por exemplo, um indicador do qual seria uma quantidade de resíduo medicamentoso aceitável em ambientes aquáticos, em particular também no Meia Ponte. Para rios como ele, que estão inseridos em regiões metropolitanas, isso é muito mais grave. Além do que, outros efeitos associados ao desmatamento das margens desses rios, levam à proliferação de mosquitos, que são vetores de doenças tropicais como dengue, chikungunya, febre amarela. Muitas populações humanas ainda tem o costume de descartar lixo também às margens desse rio. Então, antigamente, quando não existia um sistema de saneamento, os rios tinham essa função, a gente lançava os dejetos lá. Mas com o avanço populacional, isso se torna um grande problema. Esse lixo lá descartado acaba se tornando um local para a proliferação de outros insetos, baratas, ratos, com todos os problemas também disso associado. A gente tem uma parte da nossa população no Brasil de quase 50% da população que não tem água encanada e esgoto encanado nas suas casas. Então algumas populações não têm nem essa outra alternativa, se não descartar esses resíduos de alguma forma. Então tem muitos efeitos associados ao uso humano dos ambientes aquáticos. Além disso, um outro problema que se agrava principalmente nas estações secas é que nós usamos a água do rio Meia Ponte tanto para o consumo humano e para o abastecimento de outras atividades agrícolas industriais”.  

Uma nova expedição em setembro, com a vazão do rio menor, também será efetuada para realizar um comparativo entre a situação do rio cheio, na época de chuva, e do rio vazio.

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