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As tradicionais bancas de revistas sempre foram ponto de encontro e agentes passionais da História. Por elas passaram conflitos, pandemias, tratados de paz. Em uma delas, alguém notou que os tempos haviam mudado, outro descobriu que foi aprovado no vestibular. São lugares que sabem escrever por tablóides, revistas e quadrinhos a história de gente que nunca terá sua história escrita.
Neste lugar trabalha Eduardo, simpático, que sorri ao me ver. “Lembro de você”, ele diz. Bem, é verdade, daquele espaço revestido em metal fui ávido cliente, e a nostalgia do momento me fez crer em ter escolhido o local certo. O centro da cidade ferve, mas ali dentro – em meio a revistas, livros, apostilas e a um freezer com picolés – existe alívio, como um refúgio da selvageria urbana que ruge lá fora.
Inicio perguntando há quanto tempo ele tem o empreendimento, “ Há mais de 30 anos, quando meus pais adquiriram do antigo dono…” Somos interrompidos por uma senhora que veio recarregar sua carteirinha de transporte coletivo. Após a transação, perco o foco, confesso, havia me lembrado de seu pai, senhor de alto astral que sempre me parava pra falar do Goiás:
– E seu pai, Eduardo, como está?
“Muito bem, vive no interior, tem uma vida tranquila… Olha aqui! Ele traz algumas coisas pra complementar por aqui”, diz apontando para o balcão, com ovos caipira, mel e açafrão da terra. “Vende bem, pessoal sabe da qualidade”
Percebendo que aquela pergunta, que não era propriamente do planejamento inicial da entrevista, de fato se tornou essencial para se entender o contexto daquele local, contemplei enquanto um senhor comprava uma Coca-Cola.
– Nesses 30 anos por aqui, o senhor notou uma mudança grande na clientela?
“Sabe, tenho percebido uma grande queda no público feminino, as revistas de variedades e celebridades não têm a mesma força de antes. Notei que os homens já mais maduros são grande parte do movimento, eles costumam colecionar quadrinhos ou coleções vendidas em fascículos. Os jovens gostam de literatura japonesa, tem boa saída. Já os idosos gostam bastante desses desafios de palavras-cruzadas e sudoku”. Ainda com um olho na garrafa de açafrão, pergunto:
– Mas a variedade de produtos aqui aumentou não é?
“É, temos que nos virar, hoje, além da literatura e os produtos da roça, temos um compromisso como conveniência, oferecemos refrigerante, picolé, Xerox, carregador de celular, fone, apostas esportivas…já me fizeram proposta até de colocar jogo do bicho, mas não quis arriscar”.
Enquanto um policial militar buscava alguma revista com um ‘youtuber’ na capa para levar para filha, Eduardo me chama a atenção: ‘Isso é interessante, um símbolo da mídia digital traz a leitura para uma nova geração. As crianças estão tão ligadas às telas que é necessário essa desintoxicação, mesmo que seja trazendo um ícone do Youtube ou do TikTok”. Concordei, mas quis saber se ele teria uma solução também para os jornais: “De forma simples, oferecendo brindes há quem acompanha diariamente; mas creio que a grande sacada seria focar em opiniões, com grandes cientistas políticos e especialistas em cada área’” – como o rádio, o interrompi. “Como o rádio… Com a internet tão acessível e com a velocidade de levar informação, a notícia já chega velha ao jornal, não há porque focar no gênero noticioso, seria melhor focar em opiniões e crônicas”.
A visão de Eduardo sobre alguns temas havia, de certa forma, mudado o modo pelo qual eu os veria dali para a frente: sua perspectiva alargava o meu olhar. Estava àquela altura muito à vontade com ele e, talvez por isso, me permiti uma indiscrição, quase uma indelicadeza:
– Mas não tem medo do futuro? há cada vez menos bancas por aí..
“ A gente se vira como dá, mas medo não tenho não. O ser humano sempre vai ser centrado em ter, possuir, não basta ler Harry Potter no Kindle, o fã quer ter a coletânea de livros na prateleira. Você pode abrir o streaming e ver todos os filmes de o Poderoso Chefão quando quiser, mas basta ter gostado da obra para querer ter o box com os três filmes em seu aparador… É para isso que estamos aqui” Mais uma vez, senti minha vida mudar um bocadinho naquele espacinho no centro de Goiânia e, após dar uma última boa olhada na grande oferta de produtos da Banca Três Irmãos,despedi-me de Eduardo, enquanto uma senhora comprava um maço de cigarros.