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As Universidades Federais recebem, todos os anos, centenas de alunos por intermédio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). De acordo com a plataforma Analisa UFG, que examina dados públicos da Universidade, 55% dos estudantes provêm de escolas públicas e têm uma média salarial de 1,29 salários mínimos. Parte considerável desses jovens vem do interior ou através da migração estudantil interestadual. Essas são demandas que implicam às instituições de ensino superior, compreender e acolher esses estudantes, os quais podem estar sob vulnerabilidade financeira, mental, linguística, entre outras inúmeras dificuldades que podem vir a serem enfrentadas.
Entende-se que a migração estudantil vem se estruturando enquanto política educacional devido à conjunção de diversas ferramentas de ingresso, como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Sistema de Seleção Unificada (SiSU), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e a Lei de Cotas.
Segundo a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a migração é um fenômeno que transcende fronteiras e molda a dinâmica populacional, além de revelar-se como uma transformação complexa e multifacetada. A intrincada teia da migração se desdobra em deslocamentos entre países, estados e municípios, manifestando-se em trajetórias de longa ou curta duração. Trata-se de um processo cujos caminhos vão além dos movimentos pendulares, ao abrangeresferas como turismo e intercâmbios estudantis. Ela imerge na subjetividade dos migrantes, entrelaçando-se com questões culturais e afetivas que moldam suas experiências.
Na complexa trama da educação, a origem geográfica emerge como um fator crucial na jornada acadêmica dos estudantes. A escassez de universidades em regiões economicamente desfavorecidas torna-se um obstáculo significativo, limitando o acesso das classes populares ao ensino superior. Os modos de vida e as expectativas de futuro traçam um panorama que reflete diretamente as oportunidades de ingresso e permanência nas instituições de ensino superior.
Dados da migração na UFG
A tese defendida em 2023 por Higo Gabriel Santos Alves, assistente social da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE/UFG), disserta sobre as migrações estudantis para acesso à educação superior em Goiás, relativas aos anos de 2014 a 2019. Estudantes que migraram para a UFG através do SISU neste intervalo, tiveram um período para decidir sobre seu deslocamento. A lacuna entre as provas e o início das aulas é aproveitada para análise e negociação. Apesar de curto, durante cerca de quatro meses, esse processo é elaborado previamente, considerando não apenas aspectos financeiros e familiares, mas também acordos relacionados à escolha do curso e da instituição.
Na UFG, considerando os cinco anos pesquisados, em 2019, 83,47% dos estudantes migrantes possuíam idade entre 18 a 29 anos.
Com relação ao gênero, a quantidade de homens migrantes foi superior à de mulheres. Ao longo dos cinco anos pesquisados, foram contabilizados 1.406 homens e 1.165 mulheres, o que representou 54,69% e 45,31%, respectivamente. Este número é diferente da pesquisa realizada por Cardoso et al (2022), em que as mulheres foram maioria, tanto entre não migrantes, 58,5% ante 41,5% dos homens, quanto entre migrantes, na qual representavam 53,8% e os homens, 46,2%. De acordo com os autores, os homens cotistas possuem maior probabilidade de migrar, fato que se verifica nesse estudo, pois eles representam 54,7%.
Em 2015, 42,24% se auto declaravam brancos, 41,57% pardos e 7,68% pretos. Em 2019, os números representam 41,24%, 43,3% e 11,55% respectivamente. Apesar da possível estabilidade no número de brancos, em 2015, 253 auto declararam ser brancos e em 2019, foram 200, o que representa uma redução de quase 21% de estudantes. Por outro lado, 249 estudantes se auto declaram pardos em 2015, chegando em 2019 a 210. Em ambos os casos, houve uma redução de auto declarados brancos e pardos.
Destaca-se que, em 2015, 7,51% dos estudantes não quiseram ou não responderam a autodeclaração de cor/ etnia. Esse número caiu para 2,89% em 2019. No que se refere aos estudantes pretos, em 2015, eles somavam 7,68%, subindo para 11,55% em 2019. Apesar da elevação de 21,74% dos auto declarados pretos, foram 46 estudantes em 2015 e 56 em 2019, ainda assim são números que indicam uma sub-representação de migrantes auto declarados pretos na educação superior. Esse aspecto pode indicar que, além das políticas de ações afirmativas as quais asseguram o direito às cotas, é fundamental que sejam difundidas ações de auto reconhecimento e de autoestima para as pessoas pretas.
Recursos e Auxílios financeiros
Visto que, na maioria dos casos, o ingresso é por intermédio das cotas de baixa renda, as Universidades amparam esses jovens de diversas formas. A priori, é ofertado aos ingressantes a “Bolsa Acolhe” no valor de 500 reais em um período de cinco meses consecutivos.
Ademais, são oferecidas bolsas para permanência na universidade em duas modalidades, a primeira é a vaga nas Casas de Estudantes Universitários (CEUs), e, além da moradia, é concedido ao aluno o mesmo valor anteriormente citado de 500 reais destinada à alimentação nos finais de semana, combinada à isenção total do Restaurante Universitário (RU), que também pode ser disponibilizada a outros alunos da universidade.
A segunda medida é a bolsa moradia, a qual é destinada a estudantes que não preenchem todos os requisitos para conseguir uma vaga na CEU ou que, por opção, preferem receber o valor de 700 reais para gastos como aluguel.
O Programa UFGInclui gera uma vaga extra em cada curso onde houver demanda indígena e quilombola, bem como para candidatos surdos na graduação Letras Libras, quando oriundos de escola pública. O acadêmico do UFGInclui dispõe de uma bolsa permanência do Ministério da Educação de 900 reais, bem como de acompanhamento acadêmico por parte da UFG, com a finalidade minimizar as desigualdades sociais, étnico-raciais e contribuir para permanência e diplomação dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica das instituições federais de ensino superior.
Redes de Apoio, Saúde Psicológica e Desafios
Segundo a psicóloga Viviane Ferro, do programa Saudavelmente, criado com a finalidade de atender alunos que necessitam de atenção psicológica, as redes de suporte sociais tem um papel fundamental no processo de adaptação do estudante. Para a profissional,quanto mais fortalecido o suporte, mais segurança e estabilidade ele vai ter para poder lidar com as mudanças que são próprias dessa fase da vida. A constância e a segurança nas relações favorecem a construção de estratégias para lidar com as mudanças, facilitando o manejo dos estressores e das dificuldades que podem surgir nesse processo de adaptação à vida acadêmica.
É importante o universitário entender que esse é um período de adaptação e que algumas coisas vão fugir do que ele estava habituado, por isso é importante tentar conciliar vida acadêmica e vida pessoal, respeitar os momentos de descanso, das refeições, de estudos e lazer. Quanto mais restrito vai ficando as vivências do estudante, maior é o estresse e o impacto na saúde física e mental. Então, o importante é saber cuidar das outras áreas da vida, entender que a adaptação é um processo que não acontece do dia para noite, assim, é necessário compreender essa nova realidade que é diferente da que estava acostumado. A informação é uma estratégia importante, então quanto mais eu sei sobre a universidade, quanto mais se conhece os lugares, mais se entende o funcionamento dessa realidade. Construir redes de apoio e contar com as existentes equilibra as necessidades pessoais e as demandas da universidade auxilia no enfrentamento e na adaptação.
Ainda sobre o ajuste nessa nova realidade, a doutora ressalta
A psicologia é auxiliar nesse processo de adaptação, ajuda o estudante a descobrir quais são os recursos que ele tem e como pode identificar o que está angustiando e quais são as dificuldades que se tem enfrentado com a mudança, coisas que mais tem o incomodado, deixado ansioso e estressado. O acompanhamento psicológico ajuda a compreender como ele está lidando diante dessa nova realidade e, a partir disso, é possível pensar, construir e utilizar outras estratégias para lidar com esse novo contexto.
Ao sair de casa em busca de estudos, podem surgir muitos desafios. Quando o jovem ingressa na universidade, geralmente esse ingresso vem acompanhado de muitas mudanças, que demandam administrar essa vida pessoal que agora é uma, feita mais solitária porque saiu desse contexto familiar e ao mesmo tempo se deparar com essa realidade da universidade que é diferente do que nós pensamos, que planejamos no ensino médio com fantasias, muitos sonhos, expectativas e nem sempre isso é correspondido de imediato, então, essa frustração vai causando um sofrimento e um desgaste. No entanto, ainda tem que lidar com toda parte operacional da vida (deslocamento, alimentação, contas, etc.), assim, o acompanhamento psicológico favorece o autoconhecimento, além de ser um espaço de acolhimento, de escuta, de fortalecimento do indivíduo para ele poder lidar com as demandas do dia a dia.
Sinais de Estresse
Os desgastes emocionais decorrentes do processo de adaptação podem se manifestar de formas diferentes de pessoa para pessoa, mas é muito comum observar que os sintomas começam de forma sutil, com pequenas dificuldades cotidianas e vão evoluindo para o isolamento, sentimento persistente de tristeza e angústia, pensamentos mais catastróficos de que não vai conseguir, que tudo vai dar errado, alterações de sono e/ou apetite, oscilação de humor e irritabilidade.
Na maior parte dos casos, os estudantes começam a buscar ajuda e a tentar entender um pouco melhor o que está acontecendo quando percebe-se uma queda regular no rendimento acadêmico. O estresse afeta a concentração e a atenção, a memória é prejudicada por causa dos altos índices e níveis de estresse. É importante observar toda e qualquer alteração emocional, comportamental e tudo o que foge daquilo que se está acostumado.
Ao identificar esses sintomas, é fundamental buscar ajuda, seja com a rede de suporte ou profissional, para poder manejar as dificuldades e conduzir melhor a adaptação e o estresse que é decorrente desse momento.
Diferenças Culturais e Sociais
As mudanças culturais e ambientais vão interferir muito no processo de adaptação, quanto mais distante do contexto de vida anterior são as novas circunstâncias, mais demandas e dificuldades você pode ter nesse processo de adaptação, assim, se o jovem tem uma cultura distinta, isso pode ser confrontado futuramente. O estudante pode se sentir inseguro e confuso porque é uma realidade a qual foge do contexto que ele estava inserido: o ambiente familiar.
A interferência dessa mudança é comum, mas acrescenta também transformações que são impostas pela vida universitária nessa nova rotina, então isso potencializa o nível de estresse. Quanto mais demandas se tem na adaptação, maior vai ser o nível de estresse, mais estratégias e ferramentas o aluno terá de enfrentar para poder manejar essas situações. Logo, as questões culturais pesam e potencializam esse estresse.
O ponto de vista dos estudantes
Na jornada acadêmica, alunos provenientes de outros estados enfrentam desafios singulares ao ingressarem na UFG. Exploramos os altos e baixos dessa jornada, destacando pontos positivos e críticas genuínas. Alunos salientamos esforços da UFG em proporcionar um ambiente inclusivo, mas ressaltam dificuldades na integração social. A falta de atividades específicas para acolher os alunos de fora é mencionada como um ponto sensível.
Infraestrutura e Alojamento
Os aspectos físicos da universidade e a oferta de moradia são elogiados, mas depoimentos de discentes consultados apontam para a necessidade de uma maior quantidade de alojamentos e melhorias na manutenção das instalações existentes, uma vez que se encontram em situações de vulnerabilidade, como por exemplo na CEU V, na qual a maioria das reclamações advindas dos moradores se referem à estrutura física da casa, com vidros quebrados, apenas duas máquinas de lavar em funcionamento, mesmo levando em conta que são mais de 100 moradores e a falta de papéis higiênicos.
Apoio Acadêmico
Alguns estudantes destacam a excelência do suporte acadêmico oferecido pela UFG, enquanto outros expressam insatisfação com a disponibilidade de tutores e orientadores, apontando para possíveis lacunas na assistência.
Custo de Vida
Os desafios financeiros são uma preocupação comum. Alunos compartilham suas experiências sobre o custo de vida em Goiânia e apontam para a importância de aprimorar os programas de auxílio financeiro de modo a garantir uma experiência mais acessível. Há reclamações acerca dos valores disponibilizados pelas bolsas, que, para muitos, não são suficientes para cobrir gastos como alimentação, aluguel e, em alguns casos, remédios controlados.
Transporte e Acessibilidade
A adaptação não se restringe apenas à sala de aula. O desafio de utilizar o transporte público transforma-se em uma saga diária para muitos estudantes, impactando não apenas a pontualidade, mas também o bem-estar emocional e social desses universitários.
Estudantes do interior que não têm familiaridade com o transporte público em Goiânia podem enfrentar obstáculos adicionais. A falta de experiência prévia com sistemas de transporte urbano é capaz deresultar no desconforto, afetando seu desempenho acadêmico. Críticas são levantadas sobre a infraestrutura dos meios de locomação coletiva na região, afetando a mobilidade dos estudantes. Alguns sugerem parcerias com empresas locais para facilitar o deslocamento.