Rompendo Cadeias Invisíveis: Uma Reflexão sobre a Intolerância Religiosa e o 21 de janeiro

O tabu da sociedade em relação à religiões de matriz africana e a semana do combate à intolerância religiosa
jan 17, 2024
Tempo de leitura: 9 min

Na encruzilhada das crenças, onde a diversidade espiritual deveria ser um caminho para a compreensão mútua, emerge a sombra persistente da intolerância religiosa. No Dia Nacional da Intolerância Religiosa, lançamos luz sobre um fenômeno que desafia a harmonia que deveria prevalecer em uma sociedade multicultural como a nossa. Ao explorarmos os desafios enfrentados por diferentes comunidades de fé, buscamos entender não apenas as correntes da discriminação, mas também as pontes que podem ser construídas para conectar corações e mentes. Esta reportagem mergulha nas histórias, perspectivas e esforços de líderes religiosos e praticantes, que, mesmo diante das adversidades, persistem na busca por um mundo onde a diversidade espiritual seja não apenas tolerada, mas celebrada.

A constante demanda de denúncias em relação ao ato de preconceito com religiões diferentes do cristianismo está crescendo no Brasil. Religiões como candomblé e umbanda mesmo estando entre às 5 mais seguidas do Brasil, são às que recebem mais ataques.

História do candomblé

Candomblé é uma religião monoteísta que acredita na existência da alma e na vida após a morte.

A palavra “candomblé” significa “dança” ou “dança com atabaques” e cultua os orixás, normalmente reverenciados por meio de danças, cantos e oferendas. O Candomblé é a prática das crenças africanas trazidas para o Brasil pelas pessoas escravizadas. Portanto, não é uma religião africana e sim afro-brasileira.

Então pode-se dizer que a história do candomblé se assemelha e mistura-se bastante com o catolicismo. Durante à escravidão, os escravos foram proibidos de cultuar seus orixás, os mesmos optaram por recorrer ao sincretismo (fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas, com reinterpretação de seus elementos), já que a Igreja Católica já estava no processo de catequização e não aceitava de forma alguma que eles prestassem adoração aos seus deuses que segundo os padres eram entidades demoníacas.

Nos dias de hoje, porém, muitas casas de candomblé não aceitam o sincretismo e buscam retornar às origens africanas. Igualmente, na versão brasileira, temos uma mistura de orixás de várias regiões do continente africano. Cada Orixá representa uma força ou personificação da natureza e também um povo ou uma nação. Pode-se dizer que a Bahia foi um dos primeiros lugares do Brasil que a religião foi instaurada e nitidamente definida.

Os Orixás cultuados são os seguintes:

Oxum: é uma orixá, é a rainha da água doce, dona dos rios e cachoeiras, cultuada no candomblé e também na umbanda, religiões de origem africana.

Obá: Obá é conhecida como um orixá muito poderoso e que, mesmo sendo feminina, tinha força suficiente para vencer vários orixás masculinos durante uma luta.

Iansã: Orixá feminino que tem sob seu domínio os ventos e as tempestades. Também mencionada como Oiá, é personificada como uma divindade altiva, guerreira, valente e ousada, tendo ligações amorosas, segundo sua mitologia, com os orixás Ogum e Xangô – associando-se, como este, ao controle do fogo.

Iemanjá: É considerada aqui a orixá dos mares, sendo também a protetora dos pescadores. 

Oxumaré: Oxumaré é o senhor do movimento que transforma e perpetua a vida. É o mensageiro divino que traz a água das nuvens para semear a prosperidade entre os seres humanos. 

Ossaim: Assim como Oxóssi, Ossaim é um orixá que tem a sua história ligada às matas e florestas. Sua cor pode ser ligada ao verde.

Obaluaê: Obaluaê era filho de uma divindade chamada Nanã, mas foi rejeitado por sua mãe e quem o criou foi Iemanjá. A rejeição se deu porque ele era muito feio, manco e tinha o corpo coberto de feridas. Ele sempre é representado com o corpo coberto por palhas com a finalidade de encobrir as marcas da varíola.

Nanã: Nanã é um importante orixá feminino relacionado com a origem do homem na Terra. O seu domínio se relaciona com as águas paradas, os pântanos e a terra úmida.

Logum: Não poderia ser por menos: ele é filho de Orixá Oxóssi e Oxum, a deusa do amor. De Oxum, ele herdou o jeito doce e a astúcia. De Oxóssi, a força e o espírito caçador. Por esse motivo, dizem que Logun Edé traz em suas características as expressões femininas e masculinas ao mesmo tempo.

Mas o que são orixás? no candomblé, os Orixás são entidades que representam a energia e a força da natureza. Desempenham um papel fundamental no culto quando são incorporados pelos praticantes mais experientes.

Além do Candomblé, há outra religião de matriz africana que sofre bastante preconceito no Brasil. Segundo o Mapa das Religiões divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o número de pessoas que se declaram umbandistas se resumem a 0,23% da população brasileira.

Umbanda e sua história de resiliência no Brasil

Segundo Rubens Saraceni, Médium e escritor brasileiro, a umbanda “é uma religião eminentemente espiritista e espiritualizadora. Portanto, a fé é professada pelos seus praticantes, médiuns em sua maioria exige uma crença forte em Deus e na existência do mundo espiritual que interage o tempo todo com o plano material“. Também é uma religião brasileira que sintetiza vários elementos das religiões africanas e cristãs, porém sem ser definidas por eles.

Ela foi formada no começo do século XX no sudeste do Brasil, a partir da síntese com movimentos religiosos como o Candomblé, o Catolicismo e o Espiritismo. Assim como o candomblé, a umbanda para seus rituais religiosos, acessam o mundo espiritual com seus guias espirituais e orixás, que são até mesmo semelhantes ou os mesmos do candomblé. Os 9 orixás cultuados na Umbanda são: Oxalá, Ogum, Oxossi, Xangô, Iemanjá, Oxum, Iansã, Nana Buruquê e Obaluaê/Omulú, mas, tal como o cristianismo, há anjos, querubins, serafins e entre outros.

Saraceni também diz que “para entender a fé na Umbanda é preciso mergulhar fundo em sua essência religiosa, porque um umbandista convicto não é uma pessoa contemplativa e interage o tempo todo com o mundo espiritual…”. O Lab Notícias conseguiu uma entrevista com uma seguidora da fé, Isís Vilela Ribeiro, ela diz um pouco de como foi sua trajetória com a sua religião, os preconceitos que enfrenta e o que a sua fé é para ela,

Lab Notícias: Como você descreveria a sua experiência pessoal na prática da Umbanda?

Isís Vilela: Bom, a minha experiência na Umbanda é simplesmente como se aquele espaço fosse a minha segunda casa, eu me encontrava num momento de muita dor, sem caminhos e sem esperança e eu fui acolhida naquela casa como uma filha , só tenho gratidão por tudo que a espiritualidade fez e faz por mim.

Lab Notícias: Quais são os princípios fundamentais da Umbanda que você segue em sua vida cotidiana?

Isís Vilela: Tem um trecho do Hino da Umbanda que reflete bem essa pergunta e diz “ Umbanda é paz e amor “ então passei a ver o mundo e tudo a minha volta com mais compaixão. A caridade não só material como espiritualmente falando pois existem muitas pessoas não só necessitando de amparos físicos mas como espirituais.

Lab Notícias: Pode compartilhar alguma história significativa que exemplifique a importância da Umbanda em sua vida?

Isís Vilela: Não faz tanto tempo, mas uma parente da minha mãe estava em coma devido a uma infecção generalizada, vendo tamanha situação levei o nome da parente no meu terreiro e pedi para que ajudassem ela. Pedi para que Jesus e Omôlu (Orixá da Cura) fizesse o que tivesse que ser feito.
Depois de 2 dias ela acordou.

Lab Notícias: Como a Umbanda influencia suas relações interpessoais e sua perspectiva em relação ao mundo?

Isís Vilela: A umbanda influência de uma maneira positiva, pois mostra que devemos ter fé, orar e termos mais amor na humanidade apesar de sermos tão cruéis com nós mesmos.

Lab Notícias: Você já enfrentou situações de intolerância religiosa devido à sua prática da Umbanda? Se sim, como lidou com isso?

Isís Vilela: Sim. Na minha própria família algumas pessoas são de outras religiões e acham que a Umbanda / Candomblé são coisas do Diabo. Sendo que nós acreditamos em Deus e Jesus. Eu lidei da melhor maneira possível, afastando-se deles.

Lab Notícias: Qual é o papel dos rituais e celebrações na Umbanda e como eles impactam sua espiritualidade?

Isís Vilela: O papel dos rituais e celebrações na Umbanda são para cultuar os Orixás ( Forças da natureza ) e suas falanges que vem para ajudar a nós, pessoas encarnadas, a como lidarmos melhor com nossos problemas, qual melhor caminho seguir mas sempre lembrando que nós temos o nosso livre arbítrio sempre.

Lab Notícias: Como a Umbanda aborda a diversidade de crenças e práticas dentro da própria religião?

Isís Vilela: A umbanda não discrimina qualquer religião, assim como não discrimina qualquer raça, etnia, gênero e cor. Somos abertos para discutir outras religiões, suas crenças.

Lab Notícias: Na sua opinião, quais são os maiores desafios enfrentados pela comunidade umbandista em termos de intolerância religiosa?

Isís Vilela: Em minha opinião, os maiores desafios são: sermos comparados a pessoas que fazem “ macumba “ numa conotação de fazer o mal ao próximo; Dizer que Exu é o diabo (alguém já viu o diabo pra falar que Exu é ele?); Destruir templos religiosos e figuras religiosas como forma de preconceito e ódio.

Isís Vilela prestando culto no terreiro (foto: Acervo Pessoal / Isís Vilela)

Com esse foco, é observado que a Umbanda é sagrada porque é uma religião onde os mistérios de Deus têm uma feição humanitária e estão voltados para nossa evolução e nosso amparo espiritual, assim como de todas as pessoas que frequentam seus templos, também denominadas de tendas (SARACENI, Rubens).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *