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Foto: José Cruz / Agência Brasil / CP

O período eleitoral, que deveria ser a expressão máxima da liberdade democrática, tem sido, cada vez mais, marcado por uma prática vergonhosa e perversa: o assédio eleitoral. Longe de ser um simples abuso de poder, essa prática configura uma violação direta da liberdade individual, comprometendo a integridade do processo eleitoral e subvertendo o princípio básico da democracia — o direito de escolha.

Dados recentes do Ministério Público do Trabalho (MPT) revelam que, em 2024, as denúncias de assédio eleitoral já superam em 13% as registradas no mesmo período de 2022. Esses números escancaram o crescimento de uma prática que vem se infiltrando em diversos espaços, mas que é especialmente nociva no ambiente de trabalho. O assédio eleitoral se manifesta de várias formas, desde ameaças de demissão e retaliação até a promessa de benefícios, como aumentos salariais ou promoções, em troca de apoio a determinado candidato ou partido.

No entanto, não podemos subestimar o impacto psicológico e emocional dessas pressões. Trabalhadores são colocados em uma posição de extrema vulnerabilidade, obrigados a escolher entre manter seu emprego ou votar de acordo com sua consciência. O local de trabalho, que deveria ser um espaço de respeito e ética, torna-se um ambiente tóxico, onde a coerção política subjuga a dignidade e a liberdade individual.

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E o problema não se limita ao ambiente de trabalho. Como aponta o especialista em Direito Constitucional, Antonio Carlos de Freitas Jr., o assédio eleitoral pode ocorrer em qualquer contexto onde haja uma relação hierárquica, seja em escolas, universidades, igrejas ou mesmo dentro das famílias. Onde quer que exista abuso de poder, há o risco de essa prática antidemocrática se manifestar. E o que está em jogo não é apenas o direito ao voto, mas a própria essência do que significa ser um cidadão livre.

A legislação brasileira trata o assédio eleitoral como crime previsto no Código Eleitoral, com penas de até quatro anos de reclusão e multa. No entanto, as sanções legais, por si só, têm se mostrado insuficientes para conter o avanço dessa prática. A realidade é que muitas dessas situações permanecem invisíveis, submersas no silêncio das vítimas que, por medo de represálias, não se sentem seguras para denunciar. Mesmo com iniciativas importantes, como o aplicativo lançado pelo MPT para facilitar as denúncias, a cultura do medo e da intimidação ainda impera.

O que torna o assédio eleitoral particularmente repulsivo é sua dissimulação. Ele se esconde atrás de “orientações” políticas, quando na verdade são tentativas deliberadas de controle e manipulação. Um empregador que “sugere” em quem seus funcionários devem votar, ou que distribui material de campanha no ambiente de trabalho, está, na prática, sequestrando a liberdade política de seus empregados. Trata-se de uma chantagem moral que explora as relações de dependência, subjugando o direito individual à conveniência de interesses particulares.

Foto: Banco de imagens

É inaceitável que, em pleno século XXI, ainda enfrentemos essa forma de violência política. Empresas que praticam assédio eleitoral estão não apenas violando leis trabalhistas, mas também subvertendo os princípios democráticos. Elas precisam ser responsabilizadas de maneira mais rigorosa, não apenas judicialmente, mas também socialmente.

Ainda mais grave é a tentativa de relativizar o assédio eleitoral, como se fosse uma “orientação inofensiva”. Isso ignora o impacto destrutivo que essas práticas têm sobre os trabalhadores, que já vivem em um cenário de precarização do mercado de trabalho. Coagir alguém a votar contra sua vontade, sob pena de perder seu sustento, é uma forma cruel de opressão. E minimizar essa prática é, no mínimo, compactuar com a perpetuação da violência.

O combate ao assédio eleitoral exige mais do que a aplicação da lei. Precisamos de uma mudança profunda na cultura organizacional e social, onde empregadores compreendam que não têm o direito de interferir nas escolhas políticas de seus funcionários. A democracia só se sustenta quando o voto é livre de qualquer forma de coação. Empresas que recorrem a essa prática precisam ser expostas e responsabilizadas, servindo como exemplo do que não pode ser tolerado.

No fim das contas, o assédio eleitoral é uma agressão não apenas contra o trabalhador, mas contra a própria democracia. Se queremos um processo eleitoral verdadeiramente livre e justo, é imperativo que essa prática seja denunciada, combatida e erradicada. O silêncio diante dessa violência só perpetua um ciclo de opressão que compromete a liberdade individual e a integridade do nosso sistema democrático.

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