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A violência no futebol não é algo novo, mas o que se destaca atualmente é o movimento social de jovens em torno de organizações que introduzem novas dimensões culturais e simbólicas no cotidiano urbano, influenciando o comportamento dos torcedores. Desde os anos 80, o comportamento dos torcedores no Brasil mudou com o surgimento das “torcidas organizadas”, que possuem características burocráticas e militares, criando uma nova categoria de torcedor.

A violência entre “torcidas organizadas” está ligada aos aspectos políticos, econômicos e socioculturais da sociedade brasileira. O estilo de vida dos jovens, considerados novos sujeitos sociais, está relacionado com as mudanças políticas e econômicas que influenciam o jogo social. 

No Brasil, as torcidas organizadas, que existiam desde a década de 1940, eram apenas grupos de torcedores com bandeiras e camisas personalizadas, que viajavam por conta própria para dar apoio ao clube onde quer que ele jogasse.  

Quando Corinthians e Flamengo jogavam no Rio de Janeiro, por exemplo, as torcidas cantavam juntas o refrão “Timão e Mengão, amizade de irmãos”. Era comum que, em clássicos que reuniam mais de 100 mil pessoas, torcedores dos times que se enfrentavam sentassem lado a lado nas arquibancadas. Tudo isso mudou na medida em que as torcidas organizadas começaram a ser controladas por pessoas ligadas ao crime. 

Início da violência

 Em 23 de janeiro de 1992, em um jogo entre Corinthians e São Paulo válido pela Copa São Paulo de Futebol Júnior, o garoto Rodrigo de Gasperi, de 13 anos, morreu atingido por uma bomba de fabricação caseira lançada pela torcida tricolor. Em 20 de agosto de 1995, Marcio Gasparin, de 16 anos, foi morto a pauladas durante um confronto entre torcedores de São Paulo e Palmeiras, no estádio do Pacaembu,  a batalha deixou 102 feridos.  

Desde então, a violência se tornou corriqueira. Em Pernambuco, torcedores do Santa Cruz se envolveram em casos de violência em março, julho e outubro de 2018 e março de 2019.  Em novembro do mesmo ano, um jovem de 17 anos foi morto a pancadas em Goiânia, durante um clássico entre Goiás e Vila Nova. Em julho de 2018, torcedores do Cruzeiro invadiram um ônibus e usaram pedaços de madeira para espancar um torcedor do Atlético Mineiro, em Belo Horizonte. 

Em 1995, ocorreu um dos episódios de violência mais marcantes da história do Brasil.  Onde integrantes da torcida organizada de Palmeiras e São Paulo invadiram o gramado e entraram em confronto, a briga deixou mais de 100 feridos e um torcedor alviverde foi morto com pauladas na cabeça por um são-paulino.

Visão das autoridades

O Ministério Público solicitou a extinção de ambas as torcidas. Além disso, os membros das organizadas estavam proibidos de entrar nos estádios com os uniformes de cada organização. Porém, os fanáticos seguiam indo aos jogos sem o traje proibido e os confrontos continuaram acontecendo. Em 2003, foi criado o Estatuto do Torcedor para garantir direitos e deveres aos torcedores. Algumas das leis e proibições que vigoram hoje, estão presentes no Estatuto desde sua criação. Os membros de torcidas organizadas, por exemplo, só podem entrar com seus uniformes, instrumentos musicais e faixas em uma parte do estádio. 

Em 2016, Palmeiras e Corinthians se enfrentaram no Pacaembu, um torcedor foi morto no confronto e 57 foram detidos. Entretanto, todos os detidos foram liberados após prestar depoimento. 

Esse novo caso motivou o Ministério Público a solicitar à FPF (Federação Paulista de Futebol) que os clássicos da capital paulista fossem disputados apenas com uma torcida no estádio. A FPF acatou ao pedido e determinou que somente a torcida do time mandante do confronto estaria no estádio em dias de clássico. No entanto, casos de violência entre as organizadas continuaram sendo relatados. Porém, agora, os torcedores entravam em confronto longe dos estádios.

O delegado César Antônio Borges Saad, da Delegacia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva – (DRADE), do Dope, comenta sobre a continuação de confrontos entre torcidas mesmo com a medida de torcida única. de acordo com o César, a falta de punição é a principal causa de reincidência de confrontos entre torcedores.  “O endurecimento das leis, facilitaria uma maior punição a esses torcedores e, consequentemente, os casos de violência diminuíram.”, acredita. 

Esses atos são sinais do aumento da intolerância do torcedor, como aponta Bernardo Buarque de Hollanda, professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Bernardo também acredita que as punições não surtem os efeitos esperados. Ele aponta que o universo das torcidas organizadas envolve entre 2 milhões e 2,5 milhões de pessoas. Dentro desse grupo, aqueles que cometem atos criminosos são uma parcela pequena e que fica livre quando as sanções são coletivas.   

Advogado da Associação das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg), Renan Bohus alerta para outro risco da proibição das organizadas. Para ele, o ato de torná-las ilegais interrompe o contato com os clubes. As punições às torcidas organizadas e a seus integrantes pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) ou pela justiça comum ocorrem com tanta frequência quanto as brigas nos arredores e dentro dos estádios.  Porém, o cumprimento das penas esbarra na falta de fiscalização seja por parte do clube ou do poder público. 

O líder de torcida organizada do Atlético Clube Goianiense, Mauro Batista, não acha justo jogar todo o contexto da criminalidade em cima das torcidas de futebol. Essa falta de punição acaba atraindo para dentro de nossas torcidas organizadas pessoas de má intenção que utilizam das mesmas para promoverem a criminalidade. Segundo o líder de torcida, é de causar indignação o fato de colocar a culpa em pessoas que, gostariam que o estádio fosse apenas um local de lazer.

Opinião

Não cabe atribuir as causas da violência, exclusivamente, às questões de classe social ou fatores econômicos. porque quem produz a violência, não é só a pessoa de baixo poder aquisitivo, pobre, negro ou mestiço. Na composição de uma “torcida” participam pessoas que respondem a processos criminais, viciados, estudantes, trabalhadores das mais diversas profissões, pais de família, mulheres, jovens. 

Pode-se dizer que os sócios das “organizadas” são pessoas normais que gostam de futebol, e vão aos estádios de futebol pela diversão, pela viagem, pela bebida, pela excitação do jogo e, até, pelo prazer de atos de violência.

A violência entre torcidas no Brasil não pode ser analisado isoladamente. O esvaziamento político do sujeito social, especialmente entre os jovens, contribui para a formação de uma “sociedade atomizada”, onde os indivíduos se sentem desconectados das estruturas sociais e políticas que deveriam representar seus interesses e demandas. 

Nesse sentido, observa-se que os atos de violência são um reflexo desses acontecimentos e circulam além das questões de classe social ou de efeitos do econômico, ou seja, no novo sujeito social, no caso o “torcedor organizado”, o prazer gerado pela prática de violência podem ser elementos importantes na interpretação do comportamento dos jovens que se tornam cada vez mais esvaziado de sua capacidade de ser sujeito coletivo. 

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