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Lançado no início de outubro, a série documental “Monstros: Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais” é o documentário mais grotesco que já assisti. Apesar da atuação ser quase impecável, o cenário bem construído e a trilha sonora contemporânea, a série não passa de uma distorção para incriminar dois irmãos já presos, pagando por um crime injustamente.
Essa desinformação colocou os irmãos como verdadeiros monstros, como sugere o título. Sendo do gênero true crime, a obrigação que a série tinha seria informar de forma verdadeira, e não adicionar ficções que comprometem a real situação do caso. Em um tópico muito absurdo e mentiroso, os irmãos são vistos numa relação incestuosa, que deixa o telespectador confuso e afeta o julgamento sobre a situação, pois isso seria usado como uma motivação para o crime que cometeram.
Antes de apresentar os argumentos, há duas coisas muito distintas que precisamos nos atentar: o que acontece no caso real, e o que ocorre no documentário. Sendo assim, o texto contém muitos spoilers.
O caso real
O caso acontece em 1989, na cidade de Beverly Hills. É uma família de ótimas condições financeiras. Jose Menendez, o pai da família, assistia televisão junto com sua esposa, Kitty Menendez, estavam na própria casa quando foram surpreendidos pelos filhos, Erik de 18 anos e Lyle de 21. Ambos surgiram na sala com duas espingardas e atiraram contra seus pais de forma brutal e cruel. Demorou um tempo até os irmãos serem presos, pois não haviam suspeitas que eles teriam cometido o homicídio. Após a audiência, houve uma relevação assustadora: os irmãos Menendez praticaram o crime pois eram abusados pelo próprio pai.
Irei poupar os detalhes escandalosos, mas durante os depoimentos, Lyle contou que os abusos começaram após seus 6 anos, e que Jose usava objetos em si. Em Erik, os abusos duraram por mais de uma década. Em determinada época, não se sabe exatamente quando, Lyle pediu ao pai que aquilo não acontecesse mais, e foi nesse período que Jose parou de abusar do filho mais velho, e começou as práticas com o caçula. No decorrer da infância, Lyle chegou a reproduzir os mesmos atos com Erik. Ele se desculpou em lágrimas com o irmão, durante a audiência. Erik também deu seu relato na audiência, disse que a esperança era a faculdade, pois assim sairia de casa e poderia viver nos dormitórios, longe dos abusos. No entanto, Jose não permitiu, deixando Erik desesperado e a ponto de cometer suicídio.
Houve diversos debates, como “por que após a morte dos pais, eles gastaram tanto dinheiro como se estivessem aproveitando o luxo? Não deveriam estar vivendo o luto? O quão sangue frio eles são?”, ou, “Por que matar a mãe se ela não tinha nada haver com isso”. Muitos duvidaram da veracidade do caso, e mesmo com relatos de familiares comprovando as agressões e as fotos íntimas dos garotos na infância, ainda não era suficiente para as pessoas acreditarem. Uma crença antiga, tal qual a época, estava presente ali: meninos não são abusados.
Claro, a defesa dos Menendez tinha uma resposta na ponta da língua para tudo. O luxo que tiveram após a morte dos pais era a forma de alívio ao se verem livres das garras do pai. Mataram a mãe pois ela era cúmplice e nunca ajudou os filhos. Pela falta de provas que os favoreciam, Lyle e Erik Menendez pegaram prisão perpétua.
O documentário
Em resumo, o documentário abordou o caso da mesma forma acima, mas adicionou pontos que faziam Lyle e Erik parecerem mais culpados do que realmente são. Os argumentos, apesar de serem poucos, foram de grande influência para o público -particulamente jovem- se revoltar e concordar com a distorção.
1) Agressividade de Lyle. No documentário, ele é retratado como o irmão mais velho com problemas de raiva, que surta com a mãe pelas perguntas bobas que ela faz. No entanto, familiares sempre descreveram Lyle como “um menino doce e educado”. Na prisão, ambos os irmãos tiveram bom comportamento a ponto de terem algumas liberdades, como aulas de yoga e artes. É um fato que o site “Aventuras nas Histórias” apresentou.
2) Relação incestuosa. Os irmãos são retratados com muita intimidade, de forma sensual, sendo que foi apenas um boato que apareceu na época do julgamento, onde não há qualquer comprovação de que uma relação tenha mesmo acontecido.
3) Sexualidade de Erik Menendez. Durante o documentário, Erik foi apresentado como um rapaz gay, que inclusive teve relações com outro presidiário. Isso seria uma forma de “justificar”, ou dar razão para Jose Menendez, como se Erik gostasse dos abusos. Em uma entrevista com Barbara Walters, ele afirmou claramente que não era gay.
4) “Inocência” de Kitty Menendez. A mãe é retratada em sua verdadeira essência: alcoólatra e viciada em drogas. No entanto, no documentário ela é apenas a cúmplice do crime, sendo que ela também era abusiva com os filhos, mas não de forma sexual. Um exemplo, é o relato de Lyle dizendo que, quando pequeno, costumava fazer xixi na cama, e a mãe esfregava o lençol no rosto dele, o fazendo dormir no chão logo depois. Não é um caso isolado: Kitty tinha várias atitudes abusivas com os filhos, em uma demonstração quase ciumenta pelos filhos, ainda crianças, terem a atenção de seu marido.
Outras classificações
Com uma nota de 3,9, os críticos da “Adoro Cinema” no geral amaram a lógica do filme de misturar a ficção com o verídico. No meu ver, e no de vários outros críticos amadores do TikTok, isso é perigoso. Numa geração atual onde nada se confirma e tudo se acredita, a atuação de Nicholas Chavez (Lyle), seria suficiente para sentir desgosto pelo Lyle real, considerando que o gênero é true crime.
Outro documentário de true crime é o de Jeffrey Dahmer, que assim como a dos Irmãos Menendez, foi dirigida por Ryan Murphy. O documentário de Dahmer apresenta ficções desnecessárias, como fazer uma das vítimas de Dahmer entrar com um relacionamento afetivo com o assassino, situação que o próprio Jeffrey admitiu que nunca aconteceu.
Adicionar ficção em um true crime é, de tal forma, uma liberdade, mas que afeta diretamente os envolvidos. Poderia ser uma ideia genial se não fosse tão agressiva e maléfica, distorcendo fatos e lançando informações de mau tom. “Monstros: Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais”, é um dos true crimes que mais gerou revolta no público jovem e meia idade, que agora se juntam em 2024 para acompanhar o novo julgamento, que pode definir se os irmãos continuam na prisão, ou podem viver em liberdade.