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Podemos dizer que o sotaque é um mapa. Não daqueles que traçamos com linhas, retas e pontos cardeais, mas um mapa sonoro, desenhado pelas palavras e vozes. É repleto de traços que revelam nossa origem, nosso percurso e, às vezes, quem realmente somos.
Descobri essa geografia do falar em uma manhã no aeroporto de Congonhas, São Paulo. Sentado no saguão, aguardando meu voo, percebi a sinfonia de vozes ao meu redor. Bem perto, dois caboclos conversavam naquele “carioquês” cheio de chiados. Era impossível não notar o jeito de “chiar” tão único dos cariocas. Fiquei admirado, quase hipnotizado. Pouco depois, chegou uma família. Não sabia de onde eram, até que um deles, comentando sobre o frio que fazia naquela manhã, falou: “bah, mas hoje tá um frio de renguear cusco, tchê!”. Sorri internamente e pensei: uai, esse povo só pode ser lá do Rio Grande do Sul.
Por um momento, aquele aeroporto deixou de ser apenas um lugar de chegadas e partidas. Transformou-se em um espetáculo de fonética cultural. Era fascinante ouvir como cada palavra carregava não apenas seu significado, mas também um pedaço do lugar de onde veio. Cada sotaque refletia o som de um local, formando uma geografia singular, onde a origem não se perdia, mas se misturava com os caminhos percorridos. Assim como no mapa, as divisões do sotaque não são muros, mas caminhos que revelam a riqueza da diversidade humana.
Quando fui entrar no avião, fiquei observando as pessoas que, juntas comigo, embarcavam, cada um com um jeito diferente de falar e me dei conta: o sotaque não se trata de apenas um reflexo de onde nascemos, mas também de quem nos influencia. Cada lugar que visitamos, cada pessoa que encontramos, deixa uma marca, mesmo que sutil. Ele é a prova de que somos viajantes, mesmo quando nunca saímos de casa.
Sotaque é memória coletiva em forma de som. Ele entrega nossas raízes, às vezes contra a nossa vontade. Quem tenta disfarçá-lo logo percebe sua força. Ele pode sumir em palavras formais, mas escapa nas gírias, no jeito de rir, e até mesmo na entonação de uma pergunta. Deixei para trás o aeroporto e as vozes que ali ouvi. Mas sabia que, de alguma forma, todas elas viajariam comigo, ecoando na memória. Porque o sotaque não é só o jeito de falar, é o jeito de existir no mundo.