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Trailer de “Anora”, atualmente em cartaz nos cinemas
Com as votações para o Oscar oficialmente encerradas e a temporada de premiação chegando ao fim, Mikey Madison se destaca como uma das principais concorrentes ao prêmio de Melhor Atriz. Após sua vitória no Independent Spirit Awards, uma das últimas grandes premiações antes do Oscar, onde também venceu na categoria de Melhor Filme, “Anora” (2024), de Sean Baker, solidifica-se como um dos grandes favoritos à estatueta dourada.
“Anora”, uma comédia dramática escrita, dirigida e editada por Sean Baker, tem atraído grande atenção desde sua estreia no 77º Festival de Cinema de Cannes, em maio de 2024. No evento, a obra foi laureada com a Palma de Ouro, tornando-se o primeiro filme produzido nos Estados Unidos a receber essa honraria desde A Árvore da Vida (2011).

Anora (Mikey Madison). Imagem: Universal Pictures.
Desde então, o longa se tornou um fenômeno da temporada de premiações, acumulando diversas indicações. No Oscar, recebeu seis nomeações, incluindo Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Atriz para Mikey Madison. No Globo de Ouro, apesar de ter sido indicado a cinco categorias, incluindo Melhor Filme de Comédia ou Musical, saiu de mãos vazias. Já no BAFTA, a obra conquistou sete indicações e venceu duas delas: Melhor Atriz e Melhor Escolha de Elenco.
No site Rotten Tomatoes, a recepção da crítica é expressiva, com 97% das 71 resenhas sendo positivas, com uma classificação média de 8.9/10. Desse modo, apesar de “Anora” não ser a obra cinematográfica mais dominante na temporada de premiações, ainda sim se destaca como um dos trabalhos mais queridos pelos críticos de cinema. Parte disso, sem dúvida, se deve à atuação da sua protagonista. Mikey Madison traz à vida a personagem Anora – ou Ani, como prefere ser chamada – Mikheeva, uma jovem adulta de 23 anos que trabalha como stripper e garota de programa.
A vida de Ani sofre uma reviravolta quando ela conhece Ivan “Vanya” Zakharov (Mark Eydelshteyn), um herdeiro russo inconsequente, mas divertido e aparentemente ingênuo. Mikheeva, uma uzbeque-americana de Brighton Beach, um enclave russófono na cidade de Nova Iorque, é enviada para atender Vanya devido a sua pouca fluência nessa língua. Assim, a relação de ambos, que se inicia de forma “profissional” conforme Zakharov contrata cada vez mais os serviços de Ani para mantê-la por perto, se desenvolve para um romance que parece um verdadeiro conto de fadas quando ele a pede em casamento numa viagem para Las Vegas.

Anora e Ivan “Vanya” Zakharov (Mark Eydelshteyn). Reprodução: Universal Pictures.
Apesar de cética a princípio, Anora acaba aceitando o pedido e se deixando envolver pelo sonho de finalmente deixar para trás sua realidade decadente, em que precisa vender o seu corpo diariamente para sobreviver. No entanto, essa ilusão de conto de fadas é despedaçada no momento que os pais de Vanya tomam ciência do casamento e viajam para Nova Iorque com a intenção de forçar a sua anulação. O que se segue, a partir daqui, é uma exibição tragicômica de como Ani nunca esteve no controle de sua própria narrativa.
Aviso: Esta resenha contém spoilers sobre o filme.
O longa-metragem utiliza a comédia para suavizar a angústia de sua trajetória, acabando por evitar explorar profundamente os dilemas internos de sua protagonista. Apesar de ser a personagem-título da obra em questão, Anora é sempre relegada a segundo plano, um peão jogado de um lado para o outro de acordo com os mandos e desmandos daqueles mais poderosos do que ela.
A crítica social de Sean Baker é evidente: o filme expõe as disparidades de poder entre classes sociais e como, desde o início, Vanya nunca considerou Anora como algo além de um capricho passageiro. O jovem herdeiro sempre soube como o enlace acabaria, tendo aquela como sua última aventura antes de ser obrigado a voltar para a Rússia e assumir uma posição na empresa do pai.

Anora e Igor (Yura Borisov). Reprodução: Universal Pictures.
Sua atitude de completa apatia provoca um comentário do personagem Igor (Yura Borisov), próximo do final, quando os papéis de anulação do casamento estão assinados, que evoca os sentimentos de quem está assistindo: “Acho que seria apropriado se Ivan se desculpasse”. Mas mesmo antes que Galina Zakharov (Darya Ekamasova), a mãe de Vanya se pronuncie, dizendo que seu filho não se desculparia com ninguém, é óbvio que isso não aconteceria desde o princípio. Ani, uma “prostituta nojenta” nas palavras de Galina, não vale tanto.
Assim, um dos méritos de “Anora” é sua abordagem humanizadora das profissionais do sexo. No discurso de agradecimento ao receber o prêmio de Melhor Atriz no BAFTA, Mikey Madison enfatizou essa questão, afirmando que “trabalhadoras do sexo também merecem respeito e dignidade humana”. No filme, Igor é um dos poucos personagens que demonstram alguma empatia por Ani, tornando-se um contraponto à frieza e indiferença de todos os outros.
Portanto, fiel ao estilo realista de Sean Baker, Anora desconstrói as ilusões do sonho americano. A cinematografia, assinada por Drew Daniels, aposta numa paleta de cores que transita entre tons quentes e frios, acompanhando as variações de emoção e tom ao longo da narrativa. A edição, também assinada por Baker, mantém um ritmo dinâmico, especialmente nos momentos cômicos. O design de som, comandado por Matthew Heron-Smith, é sutil, mas eficaz, capturando o ruído urbano e a melancolia da protagonista. Em cenas específicas, a trilha sonora ressalta o otimismo ilusório dos personagens, como durante o casamento relâmpago em Las Vegas, em que Greatest Days, do Take That, destaca o momento.

Reprodução: Universal Pictures.
Mas apesar da experiência divertida que o filme proporciona por um tempo, é inevitável chegar ao fim dele com um sentimento de frustração. Um sentimento de que, apesar das 2 horas e 19 minutos passados diante da tela, Anora não chegou a lugar nenhum. Isso se deve ao final completamente desesperançoso, é claro.
Porque apesar de Ani voltar ao ponto inicial onde ela estivera no início do longa, ela não é mais a mesma pessoa. Quando Anora se permite um choro desesperado nos minutos finais, dentro do carro de Igor, enquanto a neve se acumula do lado de fora, se percebe uma personagem mais quebrada do que antes, sem esperança nenhuma de um futuro melhor. Talvez sem conseguir acreditar de novo num escape para aquela vida, e sem ser capaz de se dar um valor que não seja atrelado ao sexo.
É desolador.
★★★★☆