‘Coffee Prince’ na Netflix é o resgate da era de ouro da teledramaturgia sul-coreana

Com roteiro original e caracterização detalhada, o drama repagina de forma realista o clássico da heroína que finge ser homem
Tempo de leitura: 8 min
Tayná Freitas

Quem é da vanguarda dos dramas sul-coreanos está em êxtase: no domingo (16), a Netflix incluiu no catálogo Coffee Prince, drama de 2007 da emissora MBC que atingiu os maiores índices da TV coreana no ano de lançamento. A série conta a história de Go Eun-Chan, interpretada por Yoon Eun Hye (Princess Hours), uma moleca que finge ser homem para trabalhar na cafeteria de Choi Han-Gyeol, interpretado por Gong Yoo (Round 6, Goblin e The Trunk). 

Confira o trailer! (sem legendas)

A trama da novela tem por base a grande confusão que Han Gyeol faz de Eun Chan: pela moça ter jeitos e vestimentas masculinas, o mocinho supõe que ela é homem e contrata a jovem para fingir ser seu “namorado”, uma tática para fugir dos encontros às cegas que a avó arma para cima do herdeiro de uma das maiores empresas do país, a Dongin Foods.

Quando o plano da avó vai por água abaixo, Han Gyeol se vê no ultimato de renovar uma cafeteria de bairro velha e triplicar o investimento gasto no pequeno negócio em três meses. Vendo na situação a oportunidade de um emprego que possa ajudar a sustentar a família, Eun Chan assume a identidade masculina para trabalhar no local que só aceita homens para serem os “príncipes” (garçons) do estabelecimento.

O problema é que a partir daí, os personagens desenvolvem um relacionamento de cão e gato, que mais tarde evolui para um romance. No entanto, Han Gyeol duvida de tudo o que conhece ao começar a se apaixonar por Eun Chan, um homem, enquanto o segredo sobre a verdadeira identidade da moça não é revelado.

Com roupas masculinas e modos nada adequados ao padrão feminino da época, Eun Chan foi confundida como homem por Han Gyeol. Fonte: MBC.

Embarcando na Hallyu Wave (Onda coreana, fenômeno onde a cultura pop da Coreia do Sul começou a ser exportada para fora do tigre asiático), Coffee Prince se tornou um grande sucesso ao alcançar os ratings de 29,9% no ibope da TV sul-coreana. O drama consegue dar uma repaginada no padrão narrativo onde a heroína finge ser homem, e a história vai até um pouco além, causando em Han Gyeol uma grande crise de identidade.

A inclusão da série no catálogo da Netflix é um exemplo de como a Hallyu Wave se fortificou no mercado ocidental e principalmente brasileiro, já que diversos outros dramas dos anos 2000 e 2010 também foram recentemente incluídos no streaming, como é o caso de Rooftop Prince (2012), Secret Garden (2010), You’re Beautiful (2009), Full House (2004), entre outros. Para quem está acostumado a assistir os dramas mais atuais, as novelas antigas são uma novidade muito bem vinda.

Diferente das superproduções mais recentes, como é o caso de Vincenzo (2021), Coffee Prince tem uma estética mais rotineira, muito parecida com produções antigas da nossa conhecida TV Globo. A qualidade das imagens e o estilo de roupas e cabelos apela à nostalgia de quem assiste e nutre pelo fim dos anos 2000 um carinho de quando o mundo não era tão acelerado quanto é hoje. A ausência de música de fundo na maioria das cenas torna o diálogo da série mais dramático, ornando bem com o silêncio ou os barulhos reais dos ambientes onde a cena foi gravada, deixando todo o texto mais orgânico por apelar à vida real, onde discussões e assuntos sérios não são acompanhados de uma trilha sonora.

Cena de conflito entre Eun Chan e seus colegas de trabalho na cafeteira. A caracterização da personagem realmente passa a impressão de que ela é um homem, justificando a confusão que centra a narrativa do drama. Fonte: Netflix.

O drama conserva uma característica marcante das produções sul-coreanas, que é a presença de um casal secundário. Em uma história que se entremeia com a dos personagens principais, os heróis secundários não agem como lobos em pele de cordeiro, o que a indústria chamaria de white-lotus. Os roteiristas souberam administrar personagens que representassem uma concorrência de interesses amorosos, mas sem tornar a história uma grande farofa, como em Boys Over Flowers (2009), que tem uma narrativa cansativa e inconsistente.

Mesmo sendo 2007, quando os clichês de dramas estavam em alta, os produtores da série decidiram não apelar para a avó de Han Gyeol oferecendo o famoso envelope com dinheiro e jogando copo de água na cabeça da protagonista. Pelo contrário: a equipe executiva conseguiu inserir o tema de sexualidade na série de forma que ficasse à frente do seu tempo, abordando explicitamente a crise de identidade passada pelo Chaebol (herdeiro) ao confrontar seus sentimentos de paixão por Eun Chan. 

Alerta de Spoiler

A partir de um certo momento, Han Gyeol decide parar de lutar contra seu coração e admite que está apaixonado por um “homem” e escolhe estar com Eun Chan mesmo contra sua família e a sociedade. Sabendo disso, a jovem quer dar um basta na enganação, que aconteceu de maneira involuntária a início, e resolve por contar toda a verdade para o par. Porém, um de seus colegas na cafeteria descobre e conta o segredo primeiro, causando aos personagens principais uma boa dose de dor de cotovelo.

A situação é difícil para ambos — Han Gyeol abriu mão de todos os seus princípios para estar com Eun Chan, mas a garota precisava do emprego para pagar as contas da família, já que a jovem é quem sustenta a mãe e a irmã mais nova. O problema entre o casal não é resolvido da noite para o dia, e Eun Chan faz sua parte ao ir atrás de Han Gyeol e pedir desculpas, que são aceitas após uma boa dose de frieza do herói. No entanto, o problema não fica se arrastando até o último episódio, para ser resolvido de forma brusca — na metade do episódio seguinte, os protagonistas já resolvem suas diferenças e se perdoam, após momentos dolorosos de separação e uma boa conversa honesta.

coffee prince dorama netflix
Cena de Coffee Prince, após Go Eun Chan e Choi Han Gyeol terem resolvidos seus problemas. Fonte: MBC.

Grande parte disso se deve ao drama ter conseguido um episódio a mais, contrariando o padrão de 16 episódios por série. Apesar de ser apenas sessenta minutos adicionados ao tempo de tela, o resultado foi um drama com bom ritmo sem apressar a resolução de conflitos ou o tempo de evolução do relacionamento dos personagens, conseguindo dar enfoque também aos coadjuvantes.

Fim dos Spoilers

A equipe de casting conseguiu tomar ótimas decisões: Gong Yoo é um ator que consegue expressar bem os sentimentos conflituosos e a dualidade infantil e madura de Han Gyeol, que cresceu em uma bolha. Por meio de suas expressões faciais, linguagem corporal e tom de voz, é quase impossível não cair em seus charmes. 

Enquanto isso, Eun Hye é tão bem portada e caracterizada que Go Eun Chan realmente se parece com um homem, o que torna a história realista e não uma fantasia cômica que termina em fracasso, como aconteceu em You’re Beautiful (2009) e em To The Beautiful You (2012), ambas novelas onde a protagonista finge ser homem, mas se parece demais com uma mulher para enganar os telespectadores. 

coffee prince dorama netflix
Go Eun Chan na esquerda, Han Gyeol na direita. Com uma química irresistível, dinâmica entre protagonistas prende o telespectador do início ao fim. Fonte: MBC.

Com um roteiro sólido e sem pontas soltas, Coffee Prince é um dos melhores produtos da Coreia no fim dos anos 2000, equilibrando uma narrativa original e atores brilhantes tanto como protagonistas, no caso de Gong Yoo, quanto nos coadjuvantes, como Kim Jae Wook (Your Private LIfe, 2019), que interpreta um dos garçons da cafeteria. Com elementos mais naturais à cultura coreana, sem ser muito afetado pela importação de costumes do ocidente, a novela é uma boa porta de entrada para quem deseja conhecer mais da teledramaturgia coreana antes da popularização dos dramas na escala de hoje.

Ficha Técnica:

  • Nome: Coffee Prince
  • Gênero: romance, comédia, drama
  • Origem: 2007, Coreia do Sul
  • Episódios: 17
  • Disponível em: Netflix e Viki
One thought on “‘Coffee Prince’ na Netflix é o resgate da era de ouro da teledramaturgia sul-coreana”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *