‘Conclave’: o filme antecipou o futuro do Vaticano pós-Francisco?

Com uma abordagem envolvente e crítica, 'Conclave' mistura ficção e realidade para explorar os bastidores da eleição papal, levantando questões sobre poder, moralidade e mudanças na Igreja Católica, trazendo reflexões sobre os próximos passos do Vaticano.
Tempo de leitura: 7 min
Luisa Medeiros
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Sendo uma das maiores apostas para o Oscar de 2025, será que Conclave surge como uma previsão de um futuro próximo em um momento de instabilidade católica? Talvez.

Com a saúde do pontífice frequentemente em pauta e a Igreja enfrentando dilemas internos e externos, Conclave propõe uma reflexão instigante sobre os bastidores do poder religioso e os possíveis rumos da instituição. A perda de fiéis, os escândalos de corrupção, as disputas entre conservadores e progressistas e a resistência a reformas pressionam a estrutura da Igreja por mudanças. Ao mesmo tempo, fatores externos como o avanço do secularismo, a relação com governos e a crescente cobrança por posicionamentos sobre temas contemporâneos desafiam sua influência no mundo moderno.

Embora fictício, o filme ressoa com essas tensões reais, tornando-se quase uma antecipação simbólica do que está por vir.

Com um título bastante direto — nome dado ao processo de escolha do líder máximo da Igreja Católica —, o filme, lançado em 25 de outubro de 2024, revela os bastidores da eleição de um novo Papa após a morte repentina de seu antecessor. No centro da trama está o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), responsável por conduzir o conclave, que, ao se ver confinado no Vaticano com os demais cardeais, começa a desvendar segredos cada vez mais perturbadores.

Além de Fiennes, o elenco reúne Stanley Tucci (cardeal Aldo Bellini), John Lithgow (cardeal Joseph Tremblay), Lucian Msamati (cardeal Joshua Adeyemi), Isabella Rossellini (irmã Agnes), Sergio Castellitto (cardeal X Tedesco) e Carlos Diehz (cardeal Vincent Benítez) — todos figuras-chave na complexa disputa pelo poder.

Sob a direção de Edward Berger, Conclave impressionou críticos e audiência ao fugir do óbvio terror quando se trata de um filme baseado no catolicismo. Com 93% de aprovação dos especialistas e 86% do público no Rotten Tomatoes, a obra pensou cuidadosamente em todos os detalhes, desde a atuação a ambientação – a Capela Cistina do filme, por exemplo, foi recriada em exaustiva semelhança com a real, nos estúdios Cinecittà, em Roma – criando uma atmosfera imersiva que faz o espectador se sentir parte do clero. Outra coisa que prende a atenção é o intenso thriller político sustentado pela intonação nas falas, trilha sonora instigantes e jogos de iluminação que o faz ainda mais intrigante, aumentando a curiosidade de quem assiste.

Apesar de não ser a primeira obra a recentemente trazer à tona o processo de troca de Papas, Conclave difere-se bruscamente da trama Dois Papas, produzida pela Netflix e indicada ao Oscar em 2019. Dois Papas traz um ar quase documental sobre a trajetória clerical de Jorge Mario Bergoglio, atual Papa Francisco, baseando-se numa suposta conversa entre ele e o controverso antecessor, Papa Bento XVI, primeiro Papa a renunciar em séculos. Conclave, mesmo com uma história fictícia, traz diversos pontos reais e uma narrativa tão convincente quanto o filme de 2019, focando em uma história sobre a estrutura atual da Igreja que vai além dos cardeais Lawrence, Trembley e Benítez.

Existem, porém, alguns pontos de convergência entre os filmes. O principal encontro entre eles se dá na disputa de ideologias para o papado: progressistas versus conservadores. Isso faz com que os dois, mesmo que de forma superficial – em ambos, o assunto é abordado apenas como uma ilustração de quem é favorável ou contra, sem prolongar num debate de fato -, dialoguem sobre algumas questões de críticas à Igreja, como homossexualidade, igualdade de gênero, desigualdade social e diferenças de crenças, aproximando o espectador, que convive com esses temas, dos discursos defendidos pelas personagens, independente do lado da moeda. A produção também garantiu uma nova visão de imoralidades da Igreja, que fogem dos conhecidos casos de escândalos sexuais e abusos infantis.

Diante disso, comparando-o a uma obra que traz a história do Papa Francisco, Conclave surge como um exercício de projeção, ou uma espiadinha, dos próximos acontecimentos no Vaticano, com a possível renúncia ou morte do pontífice. Se Dois Papas explorou os debates morais e políticos que moldaram o atual papado, a nova produção sugere um futuro de transformações ainda mais profundas, onde a disputa entre conservadores e progressistas se intensifica e desafios antes inimagináveis chegam ao cerne da fé católica.

Ralph Fiennes como cardeal Thomas Lawrence em ‘Conclave’. Imagem: Divulgação

Atenção: a partir daqui o texto contém spoilers.

A trama ganha intensidade quando Lawrence descobre segredos comprometedores sobre os cardeais Adeyemi e Trembley, os principais concorrentes ao papado contra Tedesco. Este último é visto como uma ameaça ao progresso da Igreja, defendendo ideais xenofóbicos e intolerantes que podem representar um grande retrocesso.

Durante uma conversa com as freiras, Lawrence descobre que, décadas antes, Adeyemi teve um relacionamento com uma delas, resultando no nascimento de um filho que foi entregue para adoção. A revelação compromete sua reputação dentro da Cúria, destruindo suas chances de se tornar o primeiro Papa negro da história. Com Adeyemi fora da disputa, a decisão fica entre as mãos brancas de Trembley, Lawrence e Tedesco.

Seguindo pistas deixadas pelo falecido Papa, Lawrence encontra documentos que comprovam um esquema de simonia arquitetado por Trembley, que buscava manipular a eleição por meio de acordos e promessas de favores. A descoberta expõe o lado sombrio da Igreja, onde líderes, que deveriam zelar pela fé e pelos fiéis, colocam interesses pessoais acima de seus deveres morais.

Com a queda do cardeal corrupto, uma nova esperança surge na figura de Benítez — um cardeal recém-nomeado em sigilo pelo Papa anterior para protegê-lo, já que atuava em regiões devastadas por grandes conflitos religiosos. Mexicano e ordenado em Cabul, Benítez se torna símbolo de renovação, defendendo a importância do respeito às diferenças culturais e religiosas. Seu discurso enfatiza que o verdadeiro propósito da Igreja é auxiliar os necessitados, independentemente de sua fé. Assim, é eleito Papa, assumindo o nome de Innocente.

A ascensão de Benítez inspira esperança na Igreja, mas também traz uma revelação inesperada: ele é intersexo. Para Lawrence, que inicialmente sente alívio por evitar a eleição de candidatos corruptos, a descoberta gera um novo conflito: o desafio das normas de gênero da Igreja. O choque logo se transforma em reflexão, fazendo-o reavaliar sua própria fé e o futuro da Igreja diante da quebra de paradigmas. 

Há um paralelo entre o atual Papa Francisco e o fictício Papa Innocente: ambos desafiaram a Cúria e as normas regulares de soberania da Igreja. Francisco sempre defendeu os direitos dos pobres, a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, pregando a propagação da paz do catolicismo, e não do medo. Innocente segue os mesmos princípios, colocando-se como parte dos “diferentes” feitos por Deus, opondo-se à perfeição impossível – e defendida apenas por extremistas – imposta pelos homens.

Enquanto Dois Papas trouxe o passado e a ascensão ao poder religioso de Francisco, Conclave se arrisca a especular sobre o que virá após sua saída. Não apenas dramatizando o processo sucessório, mas levantando questões cruciais sobre os caminhos que a Igreja pode seguir, a eleição de um Papa que desafia tradições milenares reflete debates contemporâneos sobre inclusão, diversidade e renovação institucional, o que torna Conclave não apenas um thriller político religioso, mas um espelho de tensões que já estão em ebulição no mundo real.

Além disso, propõe uma reflexão profunda sobre a necessidade de evolução dentro das instituições religiosas sem, no entanto, impor uma conversão ou julgamento moral aos espectadores.

Em um mundo onde guerras religiosas e discursos intolerantes ainda moldam decisões políticas e sociais, o filme provoca se a fé deve ser um instrumento de opressão ou um caminho para a inclusão. Ao invés de apenas denunciar as falhas da Igreja, a narrativa sugere que a verdadeira transformação não vem da destruição das tradições, mas da coragem de reinterpretá-las à luz da compaixão e da justiça.

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