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Em meio a confecção de máscaras, de plumas e de lantejoulas para as fantasias de carnaval, a leitura de Tempo de Graça, tempo de Dor, da Frances de Pontes Peebles, convida foliões a refletirem sobre as raízes do samba (música que, nos próximos dias, tomará as ruas brasileiras). Com pouco mais de trezentas páginas, o romance se revela essencial para quem deseja entender as origens desse gênero musical, uma das manifestações culturais mais populares do país.

A história acompanha a jornada de Das Dores, que narra sua infância no interior de Pernambuco nos anos 1930 e o motivo que a levou a fugir para o Rio de Janeiro ao lado de sua amiga Graça. Juntas, elas enfrentam os desafios de serem mulheres em uma época em que não era aceitável explorar o mundo apenas na companhia uma da outra. A trama toma rumos inesperados quando elas entram no universo das rodas de samba, em uma trajetória marcada por lutas e por descobertas.
Para os fãs do filme Ainda Estou Aqui (2024), a obra também oferece uma rica contextualização histórica ao abordar o impacto da ditadura militar, explorando as vidas de comunidades marginalizadas e de artistas exilados que permaneceram no exterior diante da censura. Esse pano de fundo de resistência e de arte, vivido por inúmeros sambistas, tece uma narrativa vibrante que pode mover o leitor.
A autora Frances de Pontes Peebles, nascida em Recife e criada em Miami, traduz com maestria o impacto cultural da Política da Boa Vizinhança entre Brasil e Estados Unidos, criando uma obra que reflete sua própria conexão emocional com o Brasil. Em uma conversa com a Editora Arqueiro, a autora afirmou que, para ela, “o Brasil é um lugar real, não um sonho (…) mesmo morando nos Estados Unidos, o Brasil que é a terra das minhas emoções, da minha imaginação”, e essa sensação permeia toda a narrativa, que se desvia de estereótipos para explorar com sensibilidade as culturas das baianas, as tradições das rodas de samba e os dilemas enfrentados pelas mulheres e pela indústria musical da época.

A escritora apresenta, com sutileza, a evolução da protagonista e sua reflexão sobre o que significa ser sambista, principalmente quando esse título é atribuído a mulheres. Vale destacar que a obra, de certa forma, funciona como uma biografia não autorizada de Carmen Miranda, com a personagem Maria da Graça representando a trajetória da luso-brasileira, desde sua infância em um colégio de freiras até seu estrelato no Cassino da Urca, e a consagração como “Brazilian Bombshell”. A autora faz homenagens diretas à cantora, incluindo a música Disseram que virei gringa, uma referência explícita à verdadeira canção Disseram que voltei americanizada.
No entanto, apesar da admirável reconstrução do Brasil dos anos 30 e 40, a obra apresenta algumas fraquezas no arco dos personagens. A escolha de Das Dores como única narradora limita a visão da história, enquanto Graça, que trilha sua carreira nos palcos internacionais, vive um caminho separado da amiga, sem o mesmo protagonismo narrativo. A obra poderia ter se beneficiado de uma maior multiplicidade de pontos de vista, trazendo também a perspectiva de Graça e de Vinícius, outro sambista central.
Ademais, a conclusão da narrativa deixa um certo sabor agridoce. Embora a jornada de Das Dores pareça ser uma busca por autoconhecimento e por confiança, o final frustra ao revelar que ela permanece à sombra de Graça, sem a transformação esperada. Esse desfecho, que poderia ser mais assertivo, cria um certo distanciamento entre o leitor e o clímax da trama.
No geral, Tempo de Graça, Tempo de Dor é uma obra que marca pela profundidade de suas reflexões culturais e históricas. Embora o desfecho não corresponda completamente às expectativas geradas pela jornada das personagens, o livro se revela como uma experiência literária intensa e envolvente, especialmente para aqueles que buscam compreender a complexa história do samba.