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O despertador toca antes do sol nascer. Ainda sonolenta, ela se arrasta até o banheiro, joga água no rosto, escova os dentes e veste o uniforme. O relógio marca 5h30. Enquanto a cidade acorda, ela já está a caminho do trabalho, muito distante de onde mora, sendo aquele apenas mais um dia na rotina de quem vive no esquema 6×1: seis dias de trabalho, um único dia para descanso.
No ônibus lotado, ela viaja de cabeça baixa, com o dedo indicador deslizando pela tela do celular. Quando se levanta para descer, é inevitável compartilhar olhares cansados e apáticos com os outros passageiros. Todos sabem a exata sensação de exaustão acumulada, de sono atrasado, de tempo roubado. Os patrões diriam que são privilegiados por terem emprego.
Ela tem consciência que ninguém nunca questiona essa afirmação em voz alta. Como poderiam? Cada um está focado na própria sobrevivência assalariada. Mas todos sabem, no fundo, que o verdadeiro privilégio seria poder levar o filho na escola sem pressa, dormir oito horas por noite ou ter tempo para qualquer outra coisa.
No trabalho, tudo segue a rotina: ponto de frequência, metas apertadas, horário de almoço cronometrado. À tarde, o café se torna aliado contra o sono. Quando o expediente termina, a correria continua: faculdade à noite, ônibus de volta, cama já na madrugada. A pausa é curta, pois logo o ciclo recomeça.
Assim, quando finalmente chega o dia de folga, ela tenta recuperar tudo que perdeu nos últimos seis dias trabalhando, cinco deles conciliados com seus estudos em busca de uma vida melhor. Mas como encaixar descanso, lazer, afazeres domésticos e tempo com a família em 24 horas? O domingo passa como um sopro, e quando se dá conta, ela já está se preparando para mais uma semana extenuante.
Agora, porém, uma faísca de esperança surge. A PEC pelo fim do 6×1 começa a ganhar espaço na mídia. Menos horas de trabalho, mais tempo para viver. Nos corredores do trabalho, o assunto circula. Alguns chamam de utopia, outros temem pelo impacto na economia. O patrão já declarou: “Isso vai quebrar o país, empregos desaparecerão!”. Ela ouve, mas não se convence. Sabe que outros países reduziram a jornada sem colapsar. Sabe que produtividade não é sinônimo de esgotamento.
Pela primeira vez, acompanha a tramitação do projeto, engaja-se, sonha com a mudança. Cobra nas redes sociais os políticos que elegeu. Começa a acreditar que, com a devida mobilização, há uma chance real de que conquiste mais um dia. Que tenha mais tempo para si mesma. Afinal, a vida não aceita hora extra.