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Todas as manhãs nos sentamos à mesa, tomamos um café encarecido pela condições climáticas que dificultam seu plantio, comemos um pão cada dia mais caro porque o clima não está favorável ao cultivo de trigo, e o azeite então, nem se fala… Já praticamente desapareceu das mesas, com valores astronômicos. Enquanto tomamos nosso café da manhã, ouvimos no noticiário sobre a importância dos novos poços de petróleo que devem ser perfurados (o mais rápido possível, não importa as condições) para garantir que a roda da economia continue girando. Eu grito com os analistas do outro lado da tela, questiono se as pessoas que compartilham o café comigo pensam como eles e me pergunto: estamos vivendo em realidades diferentes?

É um paradoxo que sejamos diariamente afetados pelas mudanças climáticas e ainda as enxerguemos como algo distante, uma conversa maluca de gente que não quer que o país se desenvolva, que tenha enormes parques industriais movidos com as mesmas fontes de energia que fizeram da Inglaterra uma grande potência no século XVIII. Ora, que disparate! Você, ecochato, não quer que sejamos um país produtor de tralhas feitas para quebrar? Não podemos construir uma ilha de lixo no oceano para chamar de nossa? Com lixo 100% nacional? Só pode ser um entreguista, um aliado dos imperialistas… Ou pior, um apoiador do decrescimento!

Aqueles grandes nacionalistas defensores dos interesses do povo brasileiro não conseguem aceitar que nós, um país riquíssimo em “recursos naturais”, não acabemos com eles todos de uma vez, como os Estados Unidos estão fazendo. Afinal, parece que os nossos patriotas estão de acordo quando se trata de ser “Maria vai com os EUA”. Se na grandiosa américa do norte a regra é perfurar, baby, perfurar, seria pouco nacionalista não fazer exatamente a mesma coisa por aqui.

Que importância tem essa história de elevação de temperatura, aumento das secas, escassez de água, encarecimento da comida, etc, etc…? Precisamos garantir que nossos cidadãos tenham direito de concordar conosco quanto à destruição das condições de vida neste planeta para produzir aquilo que dizemos ser importante para eles. Precisamos continuar enriquecendo algumas poucas pessoas para que possam pagar por um tempo extra de sobrevivência na terra arrasada.

Os cientistas já entraram em consenso sobre a exploração de petróleo: ela deve cessar o quanto antes para que o nosso fim possa ser adiado. Mas, me parece que os políticos do mundo inteiro estão com alguma dificuldade de compreensão, eles entenderam que devemos adiar o fim da exploração de petróleo para cessar o fim do mundo! É apenas uma falha de comunicação, não é um projeto para sacrificar milhões de vidas em nome da manutenção de um estilo de vida predatório, tente entender!

A roda da economia, aquela que nunca deve parar de girar, está moendo gente e moendo o planeta há centenas de anos. Viver nesse sistema é um verdadeiro sacrifício para 99% das pessoas – quando sobra tempo, não sobra dinheiro, quando sobra dinheiro, não sobra tempo. E ainda assim eles conseguem fazer com que muitas dessas pessoas defendam a continuidade desse modelo de sociedade. Eles transformam tudo em mercadoria e depois te dizem que você precisa se adequar a essas condições e se esforçar para poder comprar o que é seu por direito. Quer ter acesso à natureza? Pague, pois vamos privatizar qualquer uma que sobrar… Se sobrar – afinal, temos outras prioridades.

E para as não-pessoas, então, não sobra nada. Na hierarquia antropocêntrica tudo que não é humano é estranho, portanto desprezível. Vida marinha, vida das florestas, vida microbiana nos solos – eca! Achamos que não precisamos de nada disso, achamos que somos auto suficientes. E erramos mais uma vez.

A conclusão é óbvia (para minha tristeza, pois gostaria de acreditar que ainda há esperança para nossos companheiros intraespecíficos): não vivemos realidades diferentes, apenas temos prioridades diferentes e por isso escolhemos enxergar o mundo de uma ou de outra forma. E, infelizmente, para a maioria da nossa espécie, ainda hoje, tudo indica que o lucro está acima da vida. Nesse ritmo, em breve teremos que atualizar os já corriqueiros versos de Caetano: sobre nossas cabeças, no lugar de aviões restará a fuligem e sob nossos pés, a aridez da terra será o rastro atrás dos caminhões.

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