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Tayná Freitas
corrida cronica baixa pace
Fonte: Pietro Rampazzo, Unplash.

Todo mundo que acorda voluntariamente às cinco da manhã de um domingo tem um motivo. Não é questão de quem sai para trabalhar porque é escravo do sistema, mas se você tem a opção de ficar na cama até o sol raiar, você fica. Exceto quando você decidiu, meses atrás, a fazer algo para sua saúde e agora se comprometeu a acordar cinco da matina — ou da madrugada, a depender da sua percepçãopara ir correr.

Você não só assumiu um compromisso de acordar cedo, mas também comprometeu parte do seu orçamento apertado para pagar a inscrição daquela corrida, tudo em nome da saúde e da diversão. E agora você tá aí, igual um pateta, tendo que acordar cedo num dia santo porque pagou para correr na via pública.

Pelo menos é o que acontece comigo e com milhares de pessoas que começam uma jornada de bem-estar em busca de saúde, um corpo do momento ou só participar de uma tendência nas redes sociais. Parques se tornaram os novos hotspots de quem quer praticar um esporte novo e barato.

Mas será que é tão barato assim? Como se não bastasse a quantidade de neologismos na língua brasileira, agora baixa pace tem se tornado a nova expressão do momento. Para quem corre, tudo é baixa pace — o tênis que custa dois salários mínimos, o óculos estampado igual moto da Deboxe que tem a mesma função que um EPI e o relógio Garmin que virou o Cartier do mundo da corrida.

Até onde o ser humano foi ensinado, correr é muito parecido com andar, e o que é andar se não colocar um pé na frente do outro? Tudo bem que a corrida envolve velocidade e a famosa fase aérea, onde o corpo não toca o chão, mas na soma de tudo, é andar bem rápido. O problema é que a necessidade de inventar moda na corrida tem feito muita gente nem querer se aventurar no esporte. Ou pior, tem quem deixe de se divertir por incluir a atividade na mesma categoria em que se coloca trabalho ou estudos, onde você tem metas a bater e se não alcançar elas em determinado período, você é um suposto fracasso.

Onde foi parar o prazer de algo só por fazer? Porque é que tudo tem que ser tão complicado, ter tantas condicionais? Agora só é corredor quem consegue fazer 5 km direto. Só é corredor quem tem o Alphafly, o Corre 4 ou qualquer outro tênis superfaturado com placa de carbono. Pra correr também precisa ter a meia de compressão, o manguito, a roupa de treino combinando com a cor do ano. Você precisa se esforçar para baixar seu pace para cinco, quatro, três minutos. Mais que isso e você não é um corredor.

E aqueles motivos que a gente citou lá em cima, correr pela saúde, pelo corpo, para participar de algo no coletivo, eles todos são esquecidos na metade do trajeto. Assim como a gente anda esquecendo que podemos fazer as coisas porque gostamos delas, e nem tudo precisa ser uma competição de quem tem mais, ou quem é melhor. Tá, é bacana ter um troféu no raque da sala, como o lembrete da conquista, mas a corrida é sobre sair e se movimentar. 

É como diz a máxima usada no meio militar, um corpo que não vibra é um esqueleto que se arrasta. Se você quer ter tudo o que todo mundo fala na internet que é imprescindível para começar a correr, vai nessa. Se você tem condição para bancar os produtos que a indústria oferece ou não, não me importo — não é o meu nome que corre o risco de ir parar no Serasa.

Mas não se esqueça o fundamento principal da corrida: um pé na frente do outro. É pelo prazer de se mexer e exercitar o corpo, de fazer algo bom que te faz se sentir bem, mesmo quando esse bem-estar vem às custas de acordar cinco da manhã para atravessar Goiânia e ir (tentar) subir correndo a ladeira da Jamel Cecílio. É pelo prazer de acordar e ter um corpo que pode fazer isso, é pela banana depois da competição ou simplesmente pela queimação no pulmão durante a corrida que te faz sentir vivo.

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