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Adan Neto
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Era sexta-feira, por volta do horário do almoço. O trânsito não poderia estar pior. O céu azulado escancara o início de uma estação marcada por tempestades no final do dia e calor intenso: chegou o Verão. 

Época de comprar material escolar para as crianças. As revistas já estão produzindo matérias sobre drinks refrescantes e dicas de como manter o corpo em forma. Viagens são marcadas para conhecer o litoral brasileiro ou, até mesmo, visitar um parente no interior. É época de sol. Verão na capital do Cerrado. 

Na espera incessante de um ônibus pra voltar pra casa após o expediente, uma senhora me abordou perguntando quanto tempo faltava pra passar uma linha que liga até o centro da cidade. Faltavam 12 minutos. Ela estava claramente cansada. Impaciente, me fala que precisava ir embora, tinha coisas pra fazer.  

Na tentativa de ser simpático, rebato perguntando se ela estava voltando do trabalho. Com um olhar humilde, ela se observa de cima a baixo. Estava abarrotada de sacolas e usava sapatinhos sem sola, ideais para não escorregar. Seus olhos esverdeados encontram os meus e diz que é empregada doméstica e aponta para um dos prédios mais luxuosos da região. 

Minha pergunta só foi um incentivo a um desabafo que revelava uma rotina exaustiva de cuidar de uma família ao longo da semana. Era sexta-feira, todos merecem ir para casa. 

As falas trouxeram detalhes de um cotidiano marcado pela desvalorização. De uma exaustão tão contagiante que me deixou comovido. Depois ficamos em silêncio observando o movimento da rua. O sol estava forte demais para assuntos sérios em uma sexta. Ela rompe e diz que a família voltou de férias na quarta-feira. Acabaram de chegar do México. Pilhas de roupas sujas, sapatos pra lavar, lençóis para passar e a volta às aulas… Era preciso dar banho nas duas crianças. 

Seu olhar era tão cansado que me lembrou o olhar da minha avó. Cansado. Me lembrou o olhar da minha mãe e de tantas outras mulheres ao meu redor que se dividem em uma rotina dupla, às vezes até tripla, para ganhar a vida. O sol quente só intensificava uma revolta silenciada dentro dela. Era preciso ir pra casa.   

O ônibus não passava. E cada vez mais eu me dividia entre o papel de ouvinte com aquela senhora e no devaneio que tudo aquilo me levou. Saudades do raro olhar sereno da minha avó. Vida injusta. Coitada. Em pleno Verão o sol insiste em não brilhar para todos.

A minha espera, que era de aproximadamente dez minutos, durou quase meia hora. Meu ônibus passou. Segui viagem. Mas toda sexta-feira ela continua lá com suas sacolas e um olhar profundo. Tenho fé de que uma hora esse ônibus passa.

Foto de capa: Pexels/ HACI HÜSEYİN EROL

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