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Lilian Lynch é uma jornalista e apresentadora de televisão brasileira, conhecida por seu trabalho no estado de Goiás. Ela é uma das âncoras do Jornal Anhanguera 1ª Edição, da TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Goiás, onde apresenta as principais notícias locais e nacionais.

Nessa terça-feira (22/04), Lilian foi entrevistada pela graduanda em jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), Samira Melo. A entrevistada falou sobre a representatividade feminina no jornalismo e expôs as diversas dificuldades que já enfrentou como mulher em seus 23 anos de carreira na televisão.

 Queria começar falando que eu vi que você completou 20 anos na TV Anhaguera esse ano. Parabéns. Eu queria muito saber: ao longo dessa trajetória, você já enfrentou desafios específicos por ser mulher? E como você lidou com eles? 

Eu acho que o maior desafio para a mulher é que ela sempre tem que se posicionar e ser mais insistente ou persistente do que os homens. Isso é bem claro. Para a mulher ganhar a confiança e passar credibilidade, eu acho que não é difícil. Nós somos assim. Eu acho que a gente já tem esse poder, vem da mulher. Mas, no mercado de trabalho, isso é complicado.

Eu comecei na TV Brasil Central aqui em Goiás e tive sorte de ter recebido a confiança dos meus chefes. É que era o Paulo Beringhs, inclusive, que me contratou, e ele confiava muito em mim. Ele foi me dando oportunidade. Mas, para eu conseguir fazer com que as pessoas acreditassem em mim, confiassem no que eu estava falando, no meu potencial… Eu sabia até que eu conseguia alguma coisa, mas como você estava começando a carreira, né? A gente não pode demonstrar muita insegurança, porque senão, logo, você é excluído. Eu vejo isso. É tipo… tem aquela coisa: ‘essa pauta não é para mulher’, e eu e outros colegas, nós viemos quebrando isso já há algum tempo. Para nós, eu confesso até que, para mim e para as meninas que vieram junto comigo, eu acho que foi até mais fácil do que para quem começou há algum tempo.

Confesso para você que o que já senti de dificuldade, em relação a ser mulher dentro do jornalismo, é preconceito mesmo com o entrevistado, sabe? O homem que te trata de uma outra forma. Não tem aquele respeito pelo profissional, pelo menos no começo de carreira. Hoje, graças a Deus, depois de 20 anos na TV Anhanguera e mais três anos na TV Brasil Central — são 23 anos já e 24 de formada —, eu consigo me impor mais. Por exemplo, esses tempos, nós fizemos uma entrevista com uma autoridade. Estávamos os três entrevistadores: eu, o Nório e o Tiago. Ele fez piada com quem? Comigo. Mas eu não deixo barato. Eu acho que a gente tem que saber se impor. Eu consegui me impor ao vivo e depois tive uma conversa de pé de ouvido também, porque senão a gente não tem a mesma credibilidade e o mesmo respeito. A mesma forma de respeito. Eu sinto isso. Não é com todo mundo, mas existe, sim.

Ao longo desses anos, você recebeu diversas homenagens e demonstrações de carinho do público goiano. Eu queria saber: como você percebe a importância dessas conexões para fortalecer a presença feminina no jornalismo atual?

Eu percebo essa diferença, que hoje tudo é muito no imediatismo. Tudo a gente precisa, as pessoas querem aquela aprovação imediata, o reconhecimento imediato, e nisso não adianta. Isso vem com o tempo. Eu acho que essa conexão a gente vai construindo. Sim, fortalece, sim. Fortalece, e isso é muito legal. Se você parar para pensar que até um tempo atrás — falo assim, há umas quatro, cinco décadas — isso não era tão fácil para as mulheres que já estavam na televisão. Então, com certeza, isso fortalece e mostra uma mudança de comportamento também no público, numa forma geral.

Vi que em 2015 você participou de uma campanha na TV Anhanguera, chamada ‘Lado a Lado’, e nela você teve uma fala que virou até título da campanha: ‘antes de ser jornalista, sou gente’. E eu queria saber: como essa perspectiva influenciou na abordagem profissional sua e na sua visão sobre a representatividade feminina na mídia?

A gente lida com vidas. Eu não sou da área da saúde, mas o jornalista está lidando com a vida dos outros o tempo inteiro. Tudo que a gente fala é de interesse para a vida de alguém, e você está falando da vida de alguém. Então, é por isso que eu falo que, antes de ser jornalista, de ser repórter, de ser apresentadora, eu sou gente. E é quando você acaba se colocando no lugar de quem, por exemplo, acabou de perder a mãe ou perder um filho num acidente, ou por conta de uma doença. E isso vem, assim… a gente vem podendo demonstrar. Todo mundo sempre teve sentimento, mas até um tempo atrás — até, inclusive, quando eu entrei na TV Anhanguera — a cultura era outra. Então, assim, quando comecei, por exemplo, a gente não podia demonstrar revolta, não podia demonstrar indignação. Sabe? Era a tal da imparcialidade — que existe —, mas uma imparcialidade que não podia ter sentimento nenhum. E, de um tempo pra cá, não só a TV, mas a mídia, de modo geral, mudou por conta da população mesmo, que cobra isso. Quer dizer, eu não quero um robô me dando notícia. Uma pessoa que não está se colocando no meu lugar quando fala da morte do meu filho, por exemplo. E a gente vem trazendo essa representatividade. As mulheres não têm vergonha, por exemplo, de chorar.

Então, isso é… Quando se fala de demonstrar o que você está sentindo, demonstrar que você tem empatia pelo personagem da sua reportagem ou por aquela reportagem que acabou de ser exibida, a gente mostra o lado… não só mulher, mas o lado humano, o lado de se colocar no lugar do outro.

A sua resposta até ‘casou’ com uma das minhas perguntas, que era: se existe alguma reportagem que você acha que só mulher conseguiria perceber ou transmitir?

Isso mudou pra mim. Antes, já era bem complicado, Samira. Quando eu falo de criança que sofre alguma coisa — seja uma doença, um acidente, um abuso —, isso agravou depois que eu tive a Letícia. Não tem como. Eu acabo mesmo me colocando no lugar de várias mães, e, às vezes, no lugar de filha ali. Mas eu acho que a mulher, por conseguir transmitir melhor em determinados momentos e não ter vergonha de chorar, ela acaba conseguindo transmitir essa empatia e fazer com que a pessoa que está assistindo ali também se identifique.

Agora, a minha, particularmente, favorita e que eu estava mais curiosa: como você lida com o peso da imagem e da aparência que, muitas vezes, é mais cobrado nas mulheres na televisão?

Isso é difícil. E é puxado. Mas, olha, eu falo que eu estou passando por uma fase. Eu estou trabalhando e vivenciando mudanças que eu acho que poucas colegas vivenciaram. Por exemplo, eu tenho uma cobrança comigo em relação ao meu comportamento, mesmo fora da TV. Porque eu não deixo de ser uma cara conhecida, ou a cara que está na casa das pessoas todos os dias, quando o jornal acaba. Eu… é uma coisa minha. Eu gosto. Não fico… não sou jornalista o tempo inteiro. Gosto de valorizar o meu comportamento fora do jornal.

A aparência é uma coisa que pega também. Praticamente todo dia, alguém chega e me fala: ‘nossa, mas você até que não é tão gorda quanto parece na televisão’. Quase todo dia. Porque eu sou cheia. Na TV, eu fico muito mais. Aí, as pessoas esquecem que a TV engorda. E, quando você encontra, você está falando com uma pessoa, e vem e fala isso… Eu já estive numa situação pior, que foi quando o jornal era apresentado atrás de uma bancada. Então, as pessoas não sabiam que eu tinha perna. Quando a bancada saiu e os apresentadores passaram a ficar em pé, as pessoas descobriram que você tem bunda, tem quadril largo. Os homens precisam calçar um sapato que combine com o cinto, porque ninguém aparecia antes. Aí, a cobrança foi muito grande. A pressão também foi muito grande. E eu te confesso que eu só chorava de medo. Porque não era aquilo que eu queria passar… Eu trabalho com televisão e não gosto de me assistir, não gosto de me ver no vídeo, porque eu me cobro muito.

Mas, hoje em dia, a cobrança com corpo, com pele, com cabelo… ela está mudando, e isso tem me favorecido. Não é fácil. As pessoas ficarem apontando ou falando coisas para você, que ela não falaria para um vizinho ou uma vizinha, por exemplo, dando opinião sobre o corpo, ou sobre o cabelo, ou sobre até a cor de esmalte. Você tem uma ideia, tem gente que manda mensagem falando que não gosta quando eu estou com esmalte vermelho, que é para usar um esmalte mais claro. É preciso ter um equilíbrio emocional muito grande. Por exemplo, muitas vezes — mas isso, muitas vezes — eu pensei em parar por conta dessa cobrança. Só que eu atribuo isso muito à internet, porque a internet revelou as pessoas de forma… deu espaço pra muita gente. Então, aquela cobrança existe, não vou mentir pra você, porque a pessoa tem que ser magrinha, tem que estar sempre em forma. Mas não sei o que era isso, porque isso pesa. Muita gente acha que… quem aparece na televisão tem que ser igual um modelo. E a gente acaba se confundindo. As pessoas acabam confundindo a gente com um artista da novela, com um artista, sei lá, um cantor, uma coisa assim.

Por exemplo, hoje em dia eu estou mais tranquila e vivenciando isso melhor, porque eu não tenho mais a cobrança. Existe cobrança na rua, e eu não tô nem aí pra ela, porque o que importa é a minha cabeça e a forma como eu me sinto bem. Mas não existe mais a cobrança dentro da empresa, dentro da minha chefia. Já houve. Houve chefe que pediu pra emagrecer, pra você ter uma ideia. E eu achava que estava precisando, porque o que precisa ali é saber que roupa que eu estou usando e a notícia que eu estou dando. E, por isso, eu comecei a bater de frente. Eu não tô aqui pra ditar moda. Eu estou aqui pra transmitir uma informação de qualidade. Pra trabalhar. E essa, né? Essa é a nossa função. Te dar um exemplo que aconteceu uma vez, que foi uma mulher. Ficou me esperando na porta da TV, me parou e falou assim, que ela veio entregar o cartão do filho dela, que era personal trainer, e ele ia me dar aula de graça, desde que eu fizesse tudo que ele mandasse pra eu ficar bem magrinha. Essas coisas são ruins de a gente falar, eu não gosto de falar. Mas, em alguns momentos, a gente tem que impor limites das pessoas, porque senão, não dá. O propósito não é esse. O propósito não é estar ali só muito magra ou agradando ao tal do corpo ideal, à imagem que as pessoas querem. Já cheguei a falar: ‘mas a senhora está gostando da roupa? Está gostando da notícia? O que está valendo mais?’ Mas eu falo com um jeitinho, para as pessoas também não ficarem ofendidas, porque, senão, aí eu sou taxada como a chata. Mas ninguém… ninguém não… muitas pessoas, muitas pessoas, Samira, elas não se preocupam em chegar para você e falar aquilo que ela está pensando, que ela acha que é ruim.

A partir do momento que você entra na casa dela pela televisão, ela tem direito de dar o palpite, de falar e tal. A cobrança é grande. Eu coloquei na minha cabeça assim: eu estou com 45 anos. A minha prioridade sempre foi apresentar um bom trabalho, sabe? Trazer uma informação legal, não enganar ninguém, não passar uma imagem daquilo que eu não sou. Minha ideia sempre foi isso. Hoje em dia, eu quero estar equilibrada emocionalmente, pra não sair gritando, descabelando, pelo estúdio.

Eu assisti uma entrevista sua No Balaio com a Ana Clara Paim, e nela você falou que quem deu a ideia de você ser jornalista foi a sua mãe, e sua irmã é jornalista. E eu queria saber: se teve mais alguém na televisão que te influenciou?

A minha mãe sempre falou que eu conversava demais, que eu precisava trabalhar com alguma coisa que suprisse essa minha necessidade de conversar demais. Eu brincava de apresentar o jornal na época, na frente de espelho. Era muito engraçado. Eu pegava o jornal, revista e fazia de conta, me olhando no espelho, que eu estava apresentando o jornal. Sempre gostei. Mas algumas pessoas me inspiraram. Por exemplo, na apresentação, muita gente critica, mas eu não estou nem aí: Sandra Annenberg. Eu acho que ela é uma baita de uma apresentadora. Da minha época, antes de fazer a faculdade, a Sandra já apresentava e eu achava muito legal. Ela foi uma inspiração. Hoje em dia, eu sou fã da Renata Vasconcellos.

E, para finalizar nossa entrevista, eu queria um conselho que você daria para as jovens jornalistas que estão começando agora?

Eu acho que hoje em dia é muito mais fácil a gente errar por conta da velocidade que a notícia precisa chegar. Ninguém mais tem paciência para esperar que algo seja apurado, desmiuçado, para depois ser publicado, por conta da internet. Eu sou uma que fica pulsando. Tipo, ah, sei lá… fiquei sabendo que caiu um avião lá no céu onde. Eu saio correndo atrás de site de notícias para ver quem já conseguiu publicar. E aí as informações vão chegando, e você fala: ‘nossa, mas não chegou ainda, como assim?’. E não é assim. Você tem uma informação de qualidade, você precisa ter não só a paciência, mas, eu diria, o carinho e o cuidado com a apuração.

A apuração é o que mais acaba com a gente no jornalismo. Então, para quem está fazendo o curso: não pensar só em viralizar, em ter muitos likes. Pensar em viralizar de um jeito positivo. Então, pense em apurar e tratar com respeito e carinho aquela notícia, lembrando que você está falando da vida de alguém. Que você sabe que, se falar uma coisa que não é verdadeira, você pode acabar com a vida da pessoa. Então, eu acho que o primordial é a apuração e o respeito com a notícia, com quem está sendo notícia e com o que está envolvido naquela notícia. Só ter paciência e esse cuidado especial.

Com certeza, estudar bastante a notícia na hora de passar. Eu acho que hoje em dia os estudantes de jornalismo têm um mercado tão legal. Hoje em dia é muito amplo. Quer dizer, você consegue criar um perfil no Instagram que dá notícia. Então, por que não fazer essa coisa direito? E ganhar. Você vai ganhar com isso. Todo mundo precisa ganhar dinheiro. Tem um retorno financeiro. A gente não vive de brisa. Você tem que pagar suas contas, passar no supermercado, fazer sua compra. Mas olha que legal: quando eu estava estudando, eu comecei na faculdade em 1997, terminei em 2000. A internet ainda era uma coisa muito de chat, de sites de conversa, que as pessoas não sabiam nem como conversar. Hoje, nós entrevistamos, por exemplo, um padre que, se eu não me engano, eu já o entrevistei aqui em Aparecida de Goiânia, mas ele mora em Roma, e nós conversamos com ele ao vivo no jornal. Gente, a internet é fantástica, desde que seja bem usada. E, para isso, os estudantes de jornalismo têm um baita mercado. Então, estudar muito, tratar com muita atenção, carinho e respeito aquela notícia.

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