- Entrevista com Horácio Marana: Transformações no jornalismo e sua carreira - 4 de maio de 2025
As mudanças que o jornalismo sofreu no decorrer do tempo e as transformações que a tecnologia trouxe, principalmente com o advento da internet, é um assunto muito interessante e sempre necessário para fazer uma autocrítica se a qualidade jornalística se manteve com todas essas mudanças, e para falar sobre isso e um pouco sobre sua carreira, Horácio Marana me concedeu uma entrevista.
Horácio Marana tem 78 anos e começou sua carreira em 1963 nas rádios Difusora e Cultura, de Assis/SP. Dois anos depois, foi para São Paulo trabalhar no jornal A Gazeta Esportiva, pela qual cobriu as Copas do Mundo de futebol em 1970, 74 e 78. A seguir, trabalhou na Folha de São Paulo de 1975 a 1978, transferindo-se para a revista Manchete Esportiva, Depois Tênis Esporte (cobertura do Aberto da Itália e Roland Garros). A seguir, foi editor na TV Globo (Bom Dia São Paulo), Equipe de esportes na TV Record, com Luciano do Valle, revista Quatro Rodas (editor executivo, cobrindo Fórmula 1), suplemento de turismo do Jornal da Tarde, revista Destino da editora Globo e se aposentou no jornal Correio Popular de Campinas.
Pedro – Por você ser de outra geração você conseguiu ver muitas transformações no jornalismo, e com isso como você avalia o jornalismo atual?
Horácio – Bom, eu acho que o jornalismo hoje ele conta com uma série de recursos técnicos, você tira uma foto agora, manda pelo celular para o Japão, daqui um minuto no máximo a foto tá lá. Eu lembro que em 1974, na Copa do Mundo da Alemanha, a gente estava lá fazendo a cobertura do Mundial de Futebol. Aí o fotógrafo que estava pela Folha de São Paulo tirava uma foto no primeiro tempo do jogo, voltava correndo lá para casa que a Folha tinha alugado e ele revelava a foto, secava, depois transmitia a foto. Demorava meia hora para chegar a foto no Brasil. Se faltasse energia elétrica na metade, perdia todo serviço. Então, era uma coisa super rudimentar. Hoje o jornalismo tem tudo a seu dispor, mas tem uma coisa que a tecnologia não resolve, que é o talento individual. O que vale é a cabeça humana, a inteligência. Os recursos eles não importam tanto. Então, eu vejo que o jornalismo atual, ele tem todos os recursos, mas eu acho a inteligência, a sutileza, a riqueza do vocabulário, o conhecimento da história das coisas, dos diversos assuntos. Isso tá faltando. Então, o jeito tá desinteressante para um leitor, um ouvinte de rádio, um telespectador acompanhar o noticiário, acompanhar o jornalismo porque tá faltando sensibilidade, e tá faltando cultura pros jornalistas que hoje estão saindo da faculdade. Aqui na região de Campinas, eu dei uma informada, as faculdades daqui já supõe que o aluno saiba bem português. Não tem nas faculdades, pelo menos onde eu pesquisei, aulas de português, aulas de literatura, aulas de idioma, alguma coisa que ensina a escrever. Então a internet hoje é uma festa de erros de português.
Pedro – Como você vê essa adaptação do jornalismo para as redes sociais?
Horácio – Eu acho o seguinte, as pessoas são de carne e osso, elas têm cabeça para pensar, tem nervos, têm emoções. A internet é uma coisa muito rápida, muito prática, muito objetiva e esquece o lado humano. O jornalismo na internet é feito imaginando que a gente seja máquina. Nós não somos máquinas, nós somos pessoas. Eu acho que hoje se fala muito que a internet, os celulares acabaram com a revista, com o jornal de papel, não. Quem acabou com isso foi a falta de talento das publicações. E o sujeito é claro, ele tendo pouco tempo é um outro tipo já de leitor, ele vai procurar no celular, mas essa rapidez que a internet procura oferecer para quem não tem tempo, também não dá tempo para quem tá escrevendo e para quem tá informando.
Pedro – Mudando o assunto para sua carreira, como foi sua trajetória pra entrar no mercado de trabalho?
Horácio – Sabe que a faculdade de jornalismo passou a ser uma coisa exigida a partir de 1970, na época da ditadura, e até 1970 quem tinha três anos trabalhando com jornalismo foi dispensado de ter que fazer faculdade. Eu, por exemplo, estou nessa nesse grupo. Eu não tenho faculdade de jornalismo. O mercado de trabalho na época você conseguia ter experiência num jornal com facilidade. Eu estou falando do jornalismo escrito, que é onde eu comecei. Eu tinha 15 anos de idade na cidade de Assis, aqui no interior de São Paulo. Eu gostava muito de ler e escrever, eu era um bom aluno no ginásio, eu gostava de escrever em jornal, gostava muito de ler. E com 18 anos eu já trabalhava, escrevi para os jornais da minha cidade, trabalhava numa estação de rádio, lá em Assis. Aí eu resolvi vir para São Paulo. Vim para São Paulo e me ofereci para fazer um estágio e entrei em um estágio em 1965 na área do esporte. Bom, quando chegou em 1970, eu já tinha 4 anos de jornalismo, então, eu já tive o diploma concedido pelo Ministério do Trabalho. E o mercado de trabalho era bom, porque você tinha as empresas e elas tinham bastante complicações. A Folha de São Paulo nessa época chegou a ter seis ou sete jornais. Depois apareceu a editora abril e chegou um momento que tinha você ia numa banca de revista e você tinha pelo menos 100 produtos da editora abril. Olha, televisão você tinha na época vários canais com várias possibilidades. Hoje é tudo exclusivo. A emissora que tem dinheiro, ela tem os direitos para transmitir. Antes não, qualquer emissora transmitiria. Então, você tinha TV Excelsior, TV Tupi, TV Globo, e centenas de estações de rádio. Eram independentes. Portanto, o mercado de trabalho era melhor, era maior. Então hoje eu vejo assim que hoje tá mais difícil.
Pedro – Quais foram as dificuldades de entrar tão jovem na profissão?
Horácio – Na minha época quando um jovem entrava em uma redação, fosse para estagiar ou fosse para iniciar a carreira, sempre tinha alguém que cuidava dele, e ensinava. Então, isso ajudou muito. E sobre o mercado de trabalho, eu trabalhei em todas as emissoras de televisão em São Paulo abertas, menos o SBT, trabalhei em vários jornais, mas tudo através de indicações, quando você saia de um emprego por algum motivo, sempre tinha um amigo que falava: “Ô, Pedro, vem aqui, tá tendo uma vaga aqui”. Na minha época não havia crise, não havia falta de emprego. O mercado absorvia o jornalismo, havia muita publicação, então eu não encontrei nenhuma dificuldade na minha carreira de jornalista. Eu trocava de emprego conforme eu queria e tinha. Eu cheguei a trabalhar em três jornais ao mesmo tempo, e não existia esse negócio de exclusividade. Você trabalhava em um e podia trabalhar em outro. Hoje existe exclusividade. Eu não posso falar de dificuldades porque eu sempre me ofereci para trabalhar, eu acho que as pessoas que se oferecem para trabalhar, que procuram dar sugestões, dar ideias, procuram acrescentar coisas, para essas pessoas não vai faltar mercado de trabalho. Eu acho que o mercado de trabalho se abre quando um jovem tem iniciativa. E não importa que ele fale bobagem, fale besteira, dê sugestões que sejam as mais absurdas, mas mostre vontade. Eu me lembro que quando eu trabalhava na Revista Quatro Rodas, em 1984, havia uma reunião de pauta, o diretor abria até uma garrafa de whisky para a turma toda tomar um pouquinho e quando a pessoa bebia um pouco se soltava mais. Nas reuniões de pauta, movidas a álcool, surgiam as melhores ideias, porque as pessoas perdiam a inibição, começavam a falar. Muita coisa era bobagem, mas saíam coisas brilhantes lá. Então eu acho que o jornalismo sempre vai precisar de cara de pau.
Pedro – Porquê você escolheu o jornalismo esportivo?
Horácio – Na verdade, jornalismo esportivo, não é que eu escolhi, foi um acidente. Ocorre que eu gostava muito de escrever, eu escrevia crônicas no meu jornalzinho lá de Assis, coisas da vida em geral, eu discutia um assunto qualquer, e não tinha nada a ver com política e nem esporte. Mas, eu fui trabalhar numa emissora de rádio, aí precisava ter um plantão esportivo na transmissão, virei plantonista. Aí, faltou comentarista esportivo, me fizeram comentarista. Aí, faltou alguém para narrar o jogo. Eu falei: “Ah, transmitir, eu transmito também. Bola na direita, bola com Pedro, passou para Horácio, levantou na área, desceu de cabeça e gol”. E aí eu passei a escrever de esporte, e quando eu vim para São Paulo, eu fui procurar um lugar de esporte, que era o Jornal Gazeta Esportiva. Como poderia ter sido um jornal sobre qualquer outro assunto. O esporte foi um acidente.
Pedro – Como foi a experiência de cobrir uma copa do mundo?
Horácio – Copa do Mundo, a primeira que eu fui tinha 23 anos de idade, em 70 lá no México, a experiência é muito boa, e ali era aquele tempo em que valia a agilidade do jornalista e do repórter, porque as entrevistas não eram essas coisas padronizadas. Se eu fosse mais esperto do que você, eu conseguiria entrevistas, treinamentos, de jogadores muito mais interessantes. Então, foi uma coisa muito legal, ainda mais foi no México, uma língua acessível a todo mundo que fala português. E os mexicanos depois que eles foram eliminados da Copa, eles vestiram a camisa do Brasil, então você entrava no restaurante lá falando português, eles nem queriam cobrar, comia e bebia, não precisa pagar. Então era uma coisa muito bonita. Fui para Copa do Mundo da Alemanha também, onde a coisa já era mais complicada. Porque em 72 tinha havido atentados na Olimpíada na Alemanha. Então, na Copa de 74, você tinha guarda com metralhadora em volta do estádio. Então era uma coisa mais complicada.
Pedro – Como você abordava questões sociais dentro do jornalismo esportivo?
Horácio – Quando eu ia entrevistar um jogador de futebol, eu via também o lado humano dele, não só o que ele produzia em campo, mas a vida dele, o desafio de sustentar sua família, dificuldades no esporte e tal. Eu fiz matérias sobre jogadores que foram famosos e acabaram na miséria, porque não tiveram orientação. Também ajudei a divulgar muitos atletas que não eram famosos, mas que mereciam a divulgação. Em 1982, quando terminou a Copa do Mundo da Espanha, eu trabalhava no noticiário geral da TV Globo, como editor. Mas a equipe do narrador da TV Globo, o Luciano do Valle, resolveu sair da TV Globo e montar uma equipe dele na TV Record. E quem quisesse acompanhar o Luciano, poderia ir, aí eu pedi a demissão da Globo e eu que já tinha trabalhado em esporte antes, por tudo isso que eu já te contei, falei: “Ah, eu vou trabalhar com o Luciano, porque o legal é que o patrão é meu colega. Ter patrão colega é melhor”. Fui trabalhar com ele. Aí nos domingos tinha o programa que era o dia inteiro na TV Record, acho que chamava Esporte Total. E como que a gente ia arranjar assunto para o dia inteiro num domingo, sendo que a Globo tinha os direitos para transmitir tudo! Fórmula 1, futebol, a Record não tinha direito de transmitir nada. A gente comentava as coisas, só tinha direito por lei de mostrar os gols. Você tem direito à notícia, que é o gol. Então, a gente tinha gol, mas um gol é 30 segundos. Então, a gente tinha que pensar por isso, porque a gente não tinha exclusividade nada, tinha que arranjar assunto. E com isso tivemos que procurar campeonatos e atletas que não estavam sendo mostrados e isso me gerou alguns orgulhos, por exemplo, o Ayrton Senna, no ano de 82, 83 ele corria na Inglaterra. O início de carreira no automobilismo sempre é na Inglaterra. Lá tinha a Fórmula 3. Aí tinha um garoto que era brasileiro e corria lá e estava ganhando tudo na Fórmula 3, em Silverstone, na Inglaterra. Mas ninguém divulgava, e ele chegava aqui periodicamente no Brasil e não tinha quem procurar aí ele ia na TV Record, no programa que eu era um dos editores, esse menino chamado Ayrton Senna ia lá com uma fitinha cassete, com as imagens da corrida. E pedi para mostrar o que ele fez. Mas eu que atendi o menino, eu falava: “Olha, senta do meu lado, eu sou editor, mas eu não entendo nada de automobilismo, eu quero que você me mostre qual momento é importante, que ultrapassagem, qual dificuldade você teve”. E ele me mostrava tudo, eu editava e saía a matéria do brasileiro, o menino Ayrton Senna de 20 e poucos anos, e daí pra frente Ayrton Senna foi ganhando nome e patrocínios. Eu não tenho nada com isso, eu só dava notícia, mas quem venceu era ele, mas é um orgulho de saber que eu, de alguma forma, ajudei a divulgar, o início da carreira do Ayrton Senna e de outros atletas também, como Maguila, geração de prata do vôlei, Hortência e Paula no basquete, Rui Chapéu no Bilhar e muito mais. Olha, enfim, todas essas pessoas que eram heróis anônimos, começaram a ganhar nome e fama e até dinheiro graças à miséria em que nós vivíamos na Record e não tínhamos exclusividade de nada. E para quem tinha talento, né? As pessoas, chegavam a ouvir sobre essas pessoas, porque elas eram comentadas nos locais onde elas se apresentavam, mas ninguém falava em nível nacional. E a Record começou a falar e aí muitos astros surgiram por causa dessa atenção que a Record deu naquela época a esses heróis anônimos. Então, o gostoso mesmo do jornalismo, no fim das contas, hoje eu vejo, é o que eu possa ter feito para melhorar a qualidade de vida das pessoas. O que eu posso ter feito para ajudar pessoas no início da profissão, que eu possa ter feito para ajudar pessoas no esporte. O que é que eu deixo de produção, no jornalismo? Só fui lá ganhar o meu salário? Não. O que que eu fiz para colaborar com o planeta, com as pessoas, com a cidade onde eu vivo, meu estado, meu país? Eu acho que o jornalismo tem que ver com o todo da sociedade. Tem que pensar nisso. Não é apenas aquela notícia bombástica, que vai fazer todo mundo ficar de olho, aquilo lá vai dar audiência, pode dar venda de publicação, e tal. Mas eu quero saber no que está colaborando para melhorar a vida da população.