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Cinto, palmada, cantinho do pensamento: esses são alguns dos recursos utilizados na chamada educação punitiva, como meio para resolver a indisciplina, sendo essa a saída mais utilizada em um tempo não tão distante assim. A psicóloga infantil Bruna Medeiros conta que recebe comentários negativos em suas redes sociais quando propõe a superação desse modelo, “me perguntam se tenho filhos para saber como é na prática, mas o fato é que para você ser mãe ou pai é preciso estudar sobre desenvolvimento infantil e não só seguir algum padrão”, ela comenta. Agora, como ou quando foi estabelecido esse modelo, é incerto.
Educar é uma preocupação constante de muitos pais ou responsáveis, que se questionam se a forma como criam seus filhos e estabelecem limites está adequada. Essa preocupação é legítima, pois a família consiste no primeiro ambiente social em que a criança participa, aprendendo regras e modos de se relacionar com o outro; assim, as interações familiares fundamentam as relações da criança na sociedade. É na família que a criança assimila algumas regras que posteriormente irá utilizar em outros ambientes e esse é mais um fator que corrobora para a busca de uma educação responsável.
Legislação
Quanto à legislação, em 26 de junho de 2014, foi sancionada a Lei Menino Bernardo para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos, de tratamento cruel ou degradante. Além disso, a lei determina a capacitação adequada de profissionais que atuam no atendimento, para que eles atuem de forma eficaz na prevenção, identificação e enfrentamento de todas as formas de violência, essa mudança também refletiu no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Um dos profissionais é o psicólogo da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente Valdeir Santos, que atua na perícia psicológica e escuta especializada. Segundo ele, ocorre um padrão entre os atendimentos, “o que é mais comum é o contexto de vulnerabilidade em que a criança ou adolescente foi criado, a gente percebe que a maioria das famílias não dispõe de uma estrutura psicológica para ajudá-los”, como resultado a isso, Valdeir pontua, “dificulta o desenvolvimento no contexto de relação pessoal e interpessoal”.
Nesses casos, o psicólogo que atua na DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente), trabalha de forma a contemplar o máximo possível nas poucas sessões, como afirma Valteir: “no consultório a gente faz uma terapia com muitas sessões e na delegacia não, eu faço umas duas ou três sessões no máximo que precisam abarcar muita coisa”. Para um atendimento mais completo que vá além das delegacias especializadas, é importante investir na capacitação e formação continuada de profissionais da saúde, professores, educadores, assistentes sociais e conselheiros tutelares também.
Um exemplo é o ambiente escolar: é comum que crianças e adolescentes submetidos a essa educação punitiva apresentarem sinais dessa experiência, conforme pontua Ana Carolina Silva, Pedagoga infantil, especializada em Neuropedagogia e psicopedagogia. Ela acrescenta: “é uma criança que não tem um bom comportamento, é agressiva e existem crianças que sofrem essa punição em casa e já se comportam diferente. Temos aquela criança que é apática, sempre insegura ou com medo, não gosta de se manifestar”. Isso mostra como os impactos são sentidos de forma diferente por cada criança.
Em situações como essa, o conselho tutelar é acionado e faz os devidos encaminhamentos. De acordo com a assistente social Márdila Almeida, esses chamados geralmente seguem um padrão, “são menores desassistidos em casa, menores que foram tratados com linguagem agressiva e que mais precisam de proteção do que qualquer outra coisa” e ela acrescenta que esse é o trabalho que o conselho tutelar deve fazer. A ameaça “vou chamar o conselho tutelar” é recorrente, mas a conselheira reforça a função protetora e não repressora que o órgão possui.
Quando se fala em castigo físico é importante saber que se trata de qualquer ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física. Já o tratamento cruel ou degradante é qualquer forma que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize. Nesse ponto, a psicóloga Bruna Medeiros reforça que os maus tratos estão no imaginário dos responsáveis como sendo gritos, xingamentos e palmadas, mas como está na lei, vai muito além, “tem pais que não gritam com as crianças, mas na hora de colocar de castigo, rotulam a criança e ela internaliza, sendo também uma forma de maus tratos”. A psicóloga reforça.
Deve-se levar em conta, ainda, o papel educador que os abrigos exercem. Valteir conta que chegam à delegacia relatos de maus tratos, e nesses casos, existem protocolos estabelecidos para definir a melhor forma de intervir e transferir esses menores para outros abrigos. A partir da denúncia, o Conselho Tutelar é acionado e acompanha o menor em todas as etapas, com início na escuta especializada. O psicólogo ouve o conselheiro como representante e assina um termo autorizando que a criança seja ouvida, “desde a comunicação do caso, essa criança é amparada o tempo todo”, acrescenta ele.
Saída
Mas então, precisa mesmo punir? A psicóloga Bruna argumenta, “a criança não entende o que está acontecendo ali, pois não tem um cérebro amadurecido o suficiente”. E questiona “eu ainda ouço essa coisa de ‘apanhei, mas não morri’, mas era para ter morrido? Que educação é essa?” Para entender a lógica desse pensamento, o psicólogo Valteir explica: “os pais ou responsáveis não tratam essa educação como prelúdio de traumas, tratam isso como valores”. Nesse contexto, ocorre a transmissão desses mesmos preceitos para os filhos, e a mudança vem com a reeducação da base.
Valteir reforça que a saída é antes de tudo ensinar aos pais melhores alternativas, “quando você conversa com esses pais e explica sobre os traumas, eles passam a ter uma visão diferente” e o resultado é o desenvolvimento de relações mais saudáveis e vínculos de confiança. Assim, a educação respeitosa consiste em educar de forma gentil, respeitosa e ao mesmo tempo assertiva estimulando a criação de um vínculo seguro e saudável para a criança e para o adulto que ela um dia será.
Nota-se que não diz respeito a responder tudo com amor e não levar o limite em conta, mas sobre iniciar um processo de escuta qualificada e empática. O que a psicóloga Bruna propõe é ensinar à criança sobre seus deveres e direitos, algo que também se encontra na Constituição e no ECA. O psicólogo Valteir ainda apresenta uma nova forma de abordagem, “quando converso com algum menor na delegacia, eu abaixo o olhar na altura dos olhos dele para evitar esse movimento da criança ter sempre que olhar para cima”, conclui, com esse que é um simples hábito que pode ser adotado.
O psicólogo Valteir fala também como pai quando conta sua experiência pessoal com a educação respeitosa aplicada à sua filha, “hoje minha filha se sente à vontade para sentar comigo e conversar, isso só acontece porque criamos juntos um ambiente saudável”. Outra justificativa elencada pela psicóloga infantil Bruna Medeiros, é que “a partir do momento que a criança se sente segura, se sente respeitada, ela se desenvolve melhor”. É um processo que reforça a auto estima e o poder de escolha também, reforça ela.
E nas sessões a psicóloga observa que muitos pais que procuram orientação estão abertos ao aprendizado e a mudança. O resultado chega no dia a dia, seja na diminuição das birras e na criança colaborando mais, “e eles começam a perceber que a relação vai ficando mais leve” a psicóloga pontua e acrescenta: “muitos pais ainda veem a criança através de uma educação tradicional, mas o importante é que estão dispostos a mudar”. Diante disso, a educação respeitosa cada vez mais ocupa o lugar que antes era atribuído à educação punitiva.
Nada contra