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O programa Au Pair surgiu no intuito de prover uma alternativa de mão de obra relativamente barata à famílias necessitadas de ajuda doméstica, principalmente no que tange ao cuidado dos filhos, e como uma possibilidade de intercâmbio acessível e de baixo custo para jovens, sobretudo mulheres. Voltado para o que é chamado de “intercâmbio cultural”, o termo au pair é oriundo do francês, significando “em par” ou “igual”, de modo a indicar a relação aparentemente em nível de igualdade entre o intercambista e a sua família hospedeira, pautada na troca de vivências entre indivíduos com costumes distintos.

Desse modo, se tornar au pair exige uma série de requisitos prévios, podendo se mostrar como uma experiência amplamente enriquecedora e desafiadora na mesma medida. Além da adaptação necessária ao se mudar para um país estrangeiro, com idioma, clima, costumes e um modo de vida diferentes daqueles de sua terra natal; ainda há os possíveis conflitos com as famílias anfitriãs e as saudades de casa.

Lívia Hildebrand (25), natural de Lemes (São Paulo/SP), sabe bem disso. Tendo ingressado no programa Au Pair em 2021, ainda durante a pandemia, está há pouco mais de um ano e meio nos Estados Unidos. Atualmente, está na sua segunda família, após vivenciar um início complicado e que gerou péssimas impressões. Nessa entrevista, Hildebrand discorre então sobre as suas experiências nesse intercâmbio cultural que muitas vezes pode ser uma caixa de surpresas para aqueles que decidem se aventurar.

Lívia Hildebrand. Fonte: Instagram/Arquivo pessoal.

LN: Como você descobriu essa forma de intercâmbio, e quais foram as suas motivações para se tornar uma au pair? 

Lívia Hildebrand: Eu conheci o Programa Au Pair através da minha irmã, que fez parte e ficou no estado da Virgínia de 2014 a 2016. E ela sempre falou muito sobre, como era muito legal e que eu deveria vir, porque tenho experiência com crianças e domínio no inglês. E de forma geral, a minha família sempre estimulou que eu tivesse uma experiência fora do país, embora eu não fosse muito interessada em vir para os Estados Unidos. Porém, em 2021 eu me demiti do meu emprego e me vi meio que sem perspectiva aqui no Brasil. Então pensei que seria uma boa oportunidade de eu usar esse tempo e vir para cá, mesmo esse não sendo um objetivo na minha vida.

LN: Como foi o processo? Você considera que seja mais seguro se tornar au pair com o intermédio de uma agência voltada para isso, ou por conta própria?

Lívia Hildebrand: Não me lembro exatamente dos passos, mas entrei em contato com a agência e tive uma reunião online com várias meninas, porque ainda estávamos na época da pandemia. Como comecei meu processo em 2021, então muita gente ainda estava ficando em casa. A maioria dos processos não estava acontecendo de forma presencial, e não tinha a vacina. Nessa reunião, a moça responsável explicou o que faríamos no programa. Depois eu fiz uma avaliação, entrevista e consulta médica. Inclusive, você não pode fazer o programa caso você já tenha feito ou esteja em processo de fazer terapia. Averiguaram também a minha experiência com crianças, porque você tem que colocar antecedentes e ter pelo menos 500 horas de trabalho comprovadas. E eu trabalhei em um acampamento, e como professora de inglês para turmas infantis. E depois disso tudo, você começa o processo de preencher o seu perfil no site da agência, em que há desde dados básicos, escolaridade, interesses, hobbies, o que você procura numa família, até se você segue algum tipo de regime. Você pode escrever uma carta falando sobre si mesmo, sendo esse um perfil bem completo. 

E eu acho que é mais seguro, sim, vir com uma agência. Eu tenho uma amiga que ela fez uma parte do processo sozinha, mas que eventualmente ela teve que se conectar com uma agência de algum jeito. Então eu não tenho certeza de como que funciona vir de forma independente, mas eu acho que a agência, por mais que ela não seja 100% uma segurança, é um respaldo que você tem, especialmente se for sua primeira experiência viajando para fora do Brasil. Caso aconteça pior, você vai ter algumas garantias, seguro, alguém com quem contar. Então eu não necessariamente recomendaria a minha agência, mas eu recomendaria que viesse com alguma.

LN: Atualmente, você está nos Estados Unidos. Essa sempre foi a sua primeira escolha de país? Você deseja estender a sua experiência como au pair a outros países, como por exemplo na Europa? 

Lívia Hildebrand: Essa não foi minha primeira escolha de país. Eu não tenho interesse nenhum em morar nos Estados Unidos, nunca pensei nisso. Só pensava em visitar a minha irmã, porque atualmente ela mora aqui. Mas dadas as circunstâncias, eu pensei que seria mais fácil vir para cá num país onde se precisasse, eu teria alguém que eu conheço. Mas eu ainda tenho vontade de ir para a Europa, sim. Estou no meu segundo ano de au pair, e quando terminar esse período, eu vou voltar para o Brasil e depois pretendo ir para a Itália, ou algum outro país europeu. Porque apesar da minha primeira opção ser a Itália, eu estou aberta a possibilidades e eu quero permanecer dentro do programa de au pair. Nos Estados Unidos, aceitam meninas de até 27 anos. Já na Europa, é até os 30 anos de idade. Então eu ainda posso ir para lá, porque quando eu voltar ao Brasil eu já terei completado 27 anos.

LN: Como é a sua rotina como au pair, vivendo em um país estrangeiro longe da sua família? Você considera que, até agora, as suas vivências foram mais positivas ou negativas de um modo geral? Há acontecimentos particulares que você gostaria de destacar? 

Lívia Hildebrand: Atualmente, a minha rotina atual é bem tranquila. Sou basicamente uma motorista, porque eu cuido de dois meninos que são mais velhos, um de 14 e outro de 9 anos. Eles estudam numa escola que fica a 40 minutos de distância de onde a gente mora, então toda manhã eu tenho que acordar eles bem cedo e depois buscar os dois, cada um em um horário diferente. Eu também cozinho e faço algumas coisas relacionadas, como lavar roupa, limpar alguns espaços, buscar e comprar algo de que eles precisem, etc. E até agora, minhas experiências foram razoáveis. Eu passei por um rematch, que é quando você não não dá liga com sua família e precisa buscar outra. Antes, eu morava em Seattle, no estado de Washington, mas tive problemas com a família e nós terminamos de uma maneira muito amarga. 

Com essa outra família, eu cuidava de duas crianças menores, um menino de seis anos e uma menina de três. Muitas vezes, eu sentia dificuldades com eles e os pais não davam atenção para esses meus problemas, não me ajudavam. Especialmente com o menino. Os dois trabalhavam em home office, mas pareciam não se importar muito. E isso foi algo bastante complicado, pois eu tinha que passar o dia todo sozinha com duas crianças. Eu já tinha esgotado os recursos para lidar com aquela situação, sabe? Então eu acho que se deve conversar muito com a sua família anfitriã antes de vir, e a gente não pode ter vergonha, porque isso vai definir como o ano vai ser. É preciso ter a coragem de falar, de alinhar todas as expectativas para evitar que você tenha experiências negativas assim ao máximo.

Porque eu esperava que fosse uma coisa, e chegando lá vi que era outra. E ainda assim eu passei 7 meses com eles, tentando fazer funcionar e infelizmente não deu certo. Mas agora a minha experiência está sendo mais positiva no geral, mesmo que com a primeira família tenha ficado uma má impressão muito grande. Eu me sentia mal com eles, pois não me sentia acolhida. E como eu sempre morei com os meus pais, foi muito chocante para mim perceber a falta que eu sentia da minha família, não só deles, mas também dos meus amigos. Porque você chega num país em que não conhece ninguém, e é literalmente um começo do zero, por mais que você saiba que tem uma data de término. Então tirando essas partes, eu acho que tem sido uma experiência razoavelmente positiva, só não sendo melhor porque está tudo muito caro e não dá para viajar tanto quanto eu gostaria.

Fonte: Arquivo pessoal.

LN: Você acredita que au pairs sejam mais vulneráveis à exploração, por geralmente serem mulheres jovens sozinhas em um país estrangeiro? Na sua opinião, as agências têm mecanismos eficazes para protegerem as au pairs em caso de problemas?

Lívia Hildebrand: Eu acredito sim, que as au pairs sejam alvos fáceis, e tem muitos mais casos, mais casos do que eu gostaria que tivesse, de garotas que vêm para cá e sofrem algum tipo de abuso. Seja porque as famílias muitas vezes fingem não saber como o programa funciona, e é muito difícil quando você está na casa de outra pessoa trabalhando para eles. Porque mesmo que queiram fazer parecer que seja uma relação de igualdade, é muito complexo você falar algo para uma pessoa que está pagando a sua mesada, que está pagando sua comida, pagando sua moradia e que muitas vezes sequer sabe ou se importa que você também pagou para estar ali. Até porque esse é um problema, a forma como o programa é vendido de maneiras diferentes para as meninas que vêm para cá trabalhar e para as host families. Para a menina, é vendida uma oportunidade: “Venha para os Estados Unidos da América, viajar, gastar dinheiro, ganhar em dólar e fazer amigos. Vai ser tudo de bom!”. 

Já para as famílias, a propaganda é outra: “Entre no Programa Au Pair! Você vai ter uma pessoa na sua casa disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana.” E essa é uma mão de obra relativamente barata, porque o salário é baixo. Então eu conheço muitas que trabalham muito mais do que elas precisam ou deveriam. E as famílias não falam nada e muitas vezes a pessoa não tem forças para se pronunciar, porque é uma situação muito indigesta essa em que você precisa lidar com o seu empregador de uma maneira tão próxima. E eu sinto que não é toda agência que tem mecanismos eficazes para ajudar. Mas ainda acho que ter a agência é melhor do que não ter nada, porque por mais que funcione de uma maneira meio distorcida e não ideal, ainda funciona. E ainda é um respaldo que você tem, mesmo não sendo tão bom.

LN: O que você diria a outras pessoas que também ambicionam buscar oportunidades de intercâmbio no exterior por meio do programa au pair?

Lívia Hildebrand: Eu diria para quem tem vontade de vir, não necessariamente como Au Pair, mas quem tem vontade e o sonho de participar de algum intercâmbio… Que Au Pair é uma boa pedida, pois é um intercâmbio relativamente acessível e que se souber escolher, se souber filtrar para onde você vai, você vai se dar bem. Então eu diria para a pessoa fazer todas as perguntas possíveis para a família assim que ela entrar em contato, para não ter vergonha. Porque você tem que pensar que é isso que vai definir como seu ano vai ser aqui, na Europa, ou em qualquer outro lugar. Pergunte sobre o quanto você vai ter que trabalhar e como é a rotina com as crianças, como elas agem com outras babás, se terá carro, o salário, as visões de vida da família, etc. Basicamente pergunte de tudo, não tenha vergonha e venha. Porque a experiência é válida.

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