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A indústria dos videogames em 2022, lucrou a quantia global de US$ 196,8 bilhões e, de acordo com projeções da consultoria PwC, a projeção é de que, até 2026, esse número passe para US$ 321 bilhões. Entretanto, antes do faturamento, há um grande elefante na sala: o custo de produção. E pelo caminho que as desenvolvedoras vêm seguindo, esse talvez marque o começo da ruína dos games.
Analisando as médias dos gastos em desenvolvimentos de jogos nos últimos anos, o aumento das quantias monetárias tem sido astronômico. Enquanto que um game de Playstation 1 de grande porte (os famosos AAA) tinha um orçamento que girava em torno de US$ 1.5 milhão para ser produzido, atualmente, é fácil ver produções ultrapassando a casa dos US$ 200 milhões.
Os grandes culpados por esse cenário, infelizmente, somos nós, a comunidade gamer. Sempre exigindo um realismo maior, uma gameplay mais imersiva e viciante, temos empurrado o nosso padrão de qualidade e o que consideramos aceitável até o teto. Clássicos como ‘Castlevania: Symphony of the Night’, se fossem lançados hoje, definitivamente não teriam um décimo do apelo e da magia que outrora alcançaram.
Mas afinal, qual o grande x da questão? Afinal, se com custos de produção maiores temos resultados mais satisfatórios, o que impede uma empresa de gastar bilhões, se no final teremos a oitava maravilha do mundo moderno? Bem, na teoria a conta até parece ser assim, mas na prática, temos experiências bem diferentes.
Acontece que grande parte das ideias e projetos encontram durante a fase de desenvolvimento os maiores obstáculos, com diversos projetos gastando uma fortuna nesse período e sendo cancelados por problemas orçamentários, ou entregando resultados muito abaixo do esperado.
Cyberpunk 2077, da desenvolvedora CD Projekt Red, com US$ 316 milhões investidos, ilustra bem esse cenário. O jogo, que prometia revolucionar e mudar completamente a indústria, foi lançado quase que como uma piada. Com diversos bugs, glitches e uma experiência digna de ao menos uma geração passada, a obra escancarava o dilema que financiamentos exacerbados traziam para a mesa.
A falsa solução do marketing
Acontece que nenhuma empresa nesse mundo quer perder dinheiro. E, com o desenvolvimento dos sistemas dos jogos ficando cada vez mais salgados, elas precisam ter uma segurança quanto ao retorno que vão ganhar. A forma que elas descobriram para como lidar com isso? O marketing.
Voltando ao Cyberpunk, dos US$ 316 milhões investidos, US$ 144 milhões foram exclusivamente dedicados às propagandas, anúncios, releases e trailers de gameplay. Mas ninguém exemplifica melhor essa história do que a Activision, com a renomada franquia Call of Duty (CoD). Um dos mais clássicos da franquia, Modern Warfare 2, gastou literalmente o quádruplo do custo de produção apenas com marketing.
Essa estratégia é o que faz com que a Activision lançasse, anualmente, ao menos uma edição de CoD. No final do dia, acaba que os jogos não se tornam muito diferentes um dos outros, mas a promessa de uma experiência única é o que basta para tudo valer a pena e conquistar mais uma cópia vendida.
Esses números são extremamente importantes quando levado em consideração um estudo da EEDAR GDC de 2012, que revela que, enquanto jogos com avaliação de 50% de aprovação na primeira semana vendem 30 mil unidades, games com 90% de reviews positivas vendem 700 mil. Em termos simples, isso quer dizer: MUITO DINHEIRO.
Com isso, o orçamento das desenvolvedoras tem cada vez mais se dividido para poderem alcançar bons resultados na primeira semana de lançamento, o que está intimamente ligado com um marketing de qualidade, que tem impacto direto na primeira imagem nos jogadores e, consequentemente, na avaliação do produto, o que acaba fazendo com que a gameplay em si fique em segundo plano.
O atalho
Agora, para não arriscar tanto dinheiro em um projeto que pode não dar certo, o futuro da grande maioria dos games infelizmente parece estar rumando para a mesma estrada, que pode até chegar em um destino aceitável, mas longe de ser uma obra-prima.
Para cortar os gastos de desenvolvimento e poder focar no marketing, nada melhor do que a boa e velha fórmula Ubisoft.
Longe de desmerecer a origem de uma das principais franquias de games, que marcou a infância de tantos, o primeiro Assassin’s Creed inaugurou uma fórmula que seria repetida não uma, não duas, não três, mas ad infinitum.
O roteiro de um mundo aberto, com diversas cidades, intercaladas por extensas áreas verdes de natureza com relativamente ‘pouco’ conteúdo, revelou-se um sucesso tão grande no lançamento, que levou a comunidade ao delírio. Entretanto, após o ducentésimo quadragésimo e alguma coisa jogo seguindo o mesmo padrão, a comunidade começou a perceber algo errado.
Com uma gameplay repetitiva, parece que a grande maioria dos jogos segue a mesma linha, onde ideias ousadas e fora da caixinha são, majoritariamente, desencorajadas ou mesmo rechaçadas, com os desenvolvedores temendo apostar quantias tão elevadas quanto as discutidas em uma incerteza.
Apesar disso, essa tática permitiu que as desenvolvedoras gastassem menos tempo no jogo em si, já que a fórmula estava basicamente pronta, e pudessem assim focar em questões mais comerciais.
Assim, experiências únicas e realmente tocantes acabam se tornando pontos escassos em um mundo do mais do mesmo, e que, sempre que se destacam e conseguem alcançar a fama, deixam um gosto amargo em nós da comunidade, que nos faz refletir sobre o caminho que poderíamos estar tomando.
E agora?
Já que deixamos chegar a esse ponto, o que podemos fazer enquanto gamers para cobrar uma mudança das gigantes do entretenimento? Bem, a resposta nós já sabemos. Parar de dar palco para produções medianas e valorizar conteúdos verdadeiramente autênticos.
Ao menos na escolhas do Game Of The Year, isso parece já estar acontecendo, com as premiações dos últimos anos dando destaque para propostas realmente únicas, vide ‘Sekiro, Shadows Die Twice‘, ambos ‘The Last of Us‘, e o mais recente ‘God of War‘.
Com um pouco de coop, essa batalha possui grandes chances de ser vencida, ainda que o boss final seja a EA, Activision, Ubisoft e outras gigantes.